CURRÍCULO ESCOLAR REAL: DESAFIOS DA GESTÃO E DOCÊNCIA NA PRÁTICA ESCOLAR
REAL SCHOOL CURRICULUM: CHALLENGES OF MANAGEMENT AND TEACHING IN SCHOOL PRACTICE
CURRÍCULO ESCOLAR REAL: DESAFÍOS DE LA GESTIÓN Y LA DOCENCIA EN LA PRÁCTICA ESCOLAR
RESUMO
Este trabalho analisa o currículo escolar real a partir das tensões entre o que é prescrito pelas diretrizes oficiais e o que é vivenciado no cotidiano das instituições de ensino. O estudo tem como objetivo geral compreender os desafios enfrentados pela gestão escolar e pelos docentes na implementação de um currículo contextualizado, considerando os aspectos sociais, culturais e institucionais que permeiam a prática pedagógica. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, de caráter bibliográfico, fundamentada em autores contemporâneos da área da educação, com análise de produções acadêmicas publicadas entre 2015 e 2024. Os resultados apontam que o currículo real é influenciado por múltiplos fatores, como a cultura institucional, a formação docente, a estrutura escolar e as condições de trabalho. Observou-se que a gestão escolar exerce papel fundamental na mediação entre o currículo prescrito e a prática pedagógica, enquanto os docentes enfrentam diversos obstáculos para promover um ensino contextualizado e significativo. Conclui-se que a construção de um currículo escolar transformador exige ações integradas, formação crítica e valorização dos profissionais da educação, além de uma gestão democrática que reconheça as especificidades dos contextos escolares.
Palavras-chave: Currículo escolar. Gestão educacional. Prática docente. Educação contextualizada. Políticas públicas.
Abstract
This study analyzes the real school curriculum based on the tensions between the officially prescribed guidelines and the reality experienced in educational institutions. The general objective is to understand the challenges faced by school management and teachers in implementing a contextualized curriculum, considering the social, cultural, and institutional aspects that influence pedagogical practices. This is a qualitative, bibliographic research, based on contemporary educational theorists and an analysis of academic publications from 2015 to 2024. The findings indicate that the real curriculum is influenced by multiple factors, such as institutional culture, teacher training, school infrastructure, and working conditions. It was observed that school management plays a key role in mediating between the prescribed curriculum and pedagogical practice, while teachers face numerous challenges in promoting meaningful and contextualized education. It is concluded that the development of a transformative school curriculum requires integrated actions, critical training, and the appreciation of educational professionals, as well as democratic management that recognizes the specificities of school contexts.
Keywords: School curriculum. Educational management. Teaching practice. Contextualized education. Public policies.
Resumen
Currículo Escolar Real: Desafíos de la Gestión y la Docencia en la Práctica Escolar
Este estudio analiza el currículo escolar real a partir de las tensiones entre lo prescrito por las directrices oficiales y lo vivenciado en el cotidiano de las instituciones educativas. El objetivo general es comprender los desafíos enfrentados por la gestión escolar y por los docentes en la implementación de un currículo contextualizado, considerando los aspectos sociales, culturales e institucionales que influyen en la práctica pedagógica. Se trata de una investigación cualitativa, de carácter bibliográfico, fundamentada en autores contemporáneos de la educación y en el análisis de publicaciones académicas entre 2015 y 2024. Los resultados muestran que el currículo real está influenciado por diversos factores, como la cultura institucional, la formación docente, la infraestructura escolar y las condiciones laborales. Se observó que la gestión escolar desempeña un papel fundamental en la mediación entre el currículo prescrito y la práctica pedagógica, mientras que los docentes enfrentan numerosos obstáculos para promover una enseñanza contextualizada y significativa. Se concluye que la construcción de un currículo escolar transformador requiere acciones integradas, formación crítica y valorización de los profesionales de la educación, además de una gestión democrática que reconozca las especificidades de los contextos escolares.
Palabras clave: Currículo escolar. Gestión educativa. Práctica docente. Educación contextualizada. Políticas públicas.
INTRODUÇÃO
A educação brasileira contemporânea encontra-se atravessada por uma série de desafios relacionados à implementação efetiva do currículo escolar. Ainda que haja normativas e diretrizes oficiais que busquem padronizar e organizar os conteúdos e práticas pedagógicas, o que se observa nas instituições de ensino é a presença de um currículo real, moldado pelas condições materiais, pela atuação dos docentes e pelas decisões da gestão escolar. Segundo Lima, Conti e Nascente (2020), esse currículo real é constantemente influenciado por fatores contextuais e estruturais que nem sempre são contemplados nos documentos oficiais, criando um descompasso entre o prescrito e o vivido.
Esse cenário revela a importância de refletir sobre a relevância de práticas curriculares que dialoguem com a realidade concreta das escolas e com as subjetividades dos sujeitos escolares. Em tempos de consolidação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), muitos profissionais enfrentam dificuldades em transformar as diretrizes em ações pedagógicas coerentes com o cotidiano escolar (Pontes; Barbosa, 2019). Essa lacuna entre teoria e prática indica que o currículo não se realiza de forma neutra, mas é resultado de negociações, resistências e adaptações contínuas.
O papel da gestão escolar neste processo é determinante, especialmente quando se considera a necessidade de articulação entre as dimensões administrativas e pedagógicas. Conforme aponta Silva (2019), gestores escolares atuam como mediadores entre as exigências institucionais e as possibilidades efetivas de trabalho docente, o que os torna agentes estratégicos na construção de ambientes educacionais mais coerentes e significativos. No entanto, essa mediação muitas vezes esbarra em obstáculos como a escassez de recursos, a fragmentação das políticas públicas e a sobrecarga das equipes pedagógicas.
Diante desse contexto, a questão que orienta esta investigação é: como os desafios enfrentados pela gestão e pela docência impactam a efetivação do currículo escolar real nas escolas brasileiras? A resposta a essa problemática requer a análise das práticas cotidianas que moldam o currículo vivido nas salas de aula, bem como das condições que favorecem ou limitam sua construção coletiva. Verber e Camozzato (2020) destacam que o currículo deve ser compreendido como um espaço de disputa e de criação, em que múltiplas vozes e saberes se entrecruzam.
Este artigo tem como objetivo geral analisar os desafios enfrentados pela gestão e pela docência na implementação do currículo escolar real, considerando as tensões entre as normativas curriculares e a prática pedagógica cotidiana. Tal análise se apoia em aportes teóricos que discutem a formação docente (Gatti et al., 2023), a organização escolar (Machado, 2017) e as políticas de currículo (Sousa, 2018), buscando compreender como esses elementos se articulam no cotidiano das escolas. A escolha por esse recorte temático se justifica pela necessidade de dar visibilidade aos processos que ocorrem nas margens dos discursos oficiais, mas que constituem, de fato, o fazer educativo.
A metodologia adotada nesta pesquisa é de natureza qualitativa, com enfoque bibliográfico, pautando-se na leitura crítica e sistemática de produções acadêmicas publicadas entre 2015 e 2024, com atenção especial àquelas que abordam os temas de currículo, gestão escolar e prática docente. Os textos foram analisados à luz da técnica de análise de conteúdo, permitindo a identificação de categorias que evidenciam os principais entraves e possibilidades no que se refere à construção do currículo escolar real. Assim, espera-se que este estudo contribua para aprofundar a compreensão sobre os desafios enfrentados por educadores e gestores, fortalecendo práticas pedagógicas mais sensíveis, críticas e transformadoras.
AS MÚLTIPLAS DIMENSÕES DO CURRÍCULO REAL: ENTRE O PRESCRITO E O VIVENCIADO
O currículo escolar representa uma construção social, histórica e política que extrapola os limites do conteúdo formalmente prescrito pelos órgãos normativos da educação. Embora as diretrizes curriculares busquem orientar de forma sistemática os objetivos da aprendizagem, o currículo real é permeado por práticas que emergem do cotidiano escolar, refletindo as experiências, expectativas e condicionantes materiais dos sujeitos envolvidos no processo educacional (FREITAS; CONTI; NASCENTE, 2020).
A distinção entre currículo prescrito e currículo vivido reside na tensão entre aquilo que se espera que seja ensinado e o que de fato é praticado em sala de aula. O primeiro é constituído por documentos oficiais, como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que padronizam conteúdos, competências e habilidades. Já o segundo, manifesta-se nas interações entre docentes, discentes e a comunidade escolar, sendo profundamente influenciado por contextos locais e subjetividades (PONTES; BARBOSA, 2019).
Essa dualidade gera implicações significativas para a prática pedagógica, pois o currículo real não pode ser entendido como uma simples reprodução do prescrito. Ao contrário, ele é resultado de escolhas, adaptações e mediações que os professores realizam diante de contextos diversos e, muitas vezes, adversos. Como argumenta Verber e Camozzato (2020), o currículo se constrói como um espaço de disputas simbólicas e políticas, sendo continuamente resignificado no cotidiano escolar.
A atuação docente, nesse sentido, torna-se central na conformação do currículo real. Os professores não apenas transmitem conteúdos, mas também operam como intérpretes e produtores de saberes que articulam as exigências formais com as necessidades concretas dos estudantes. Essa mediação exige sensibilidade, formação crítica e autonomia profissional, sobretudo diante de contextos marcados por desigualdades educacionais (GATTI et al., 2023).
Entretanto, é preciso reconhecer que essa mediação ocorre em condições materiais e institucionais muitas vezes precárias. A sobrecarga de trabalho, a escassez de recursos didáticos, a fragmentação do tempo pedagógico e a ausência de formação continuada são fatores que limitam a ação docente e restringem a possibilidade de construção de um currículo significativo (FREITAS; PINTO; PIMENTA, 2015). Tais obstáculos impõem desafios constantes à efetivação de uma prática pedagógica emancipadora.
Outro elemento fundamental para a compreensão das múltiplas dimensões do currículo real é a cultura institucional da escola. As normas implícitas, os valores compartilhados e as tradições pedagógicas moldam o ambiente escolar e influenciam diretamente as práticas docentes. Esses elementos compõem o chamado currículo oculto, responsável por transmitir mensagens sobre disciplina, autoridade, gênero, raça e outras categorias sociais (SOUSA, 2018).
Nesse contexto, a gestão escolar desempenha papel decisivo na articulação entre o currículo prescrito e o vivido. Cabe aos gestores promoverem condições para que as práticas pedagógicas se desenvolvam de forma coerente com os princípios democráticos e com o projeto político-pedagógico da escola. Quando a gestão atua de forma burocrática e centralizadora, tende a reforçar a distância entre a proposta oficial e a realidade vivida nas salas de aula (MACHADO, 2017).
Por outro lado, uma gestão democrática e participativa pode favorecer a construção de um currículo mais sensível às particularidades locais e mais aberto à inovação pedagógica. Conforme analisa Oliveira (2015), a gestão educacional deve ser compreendida como processo coletivo, que valoriza o diálogo entre diferentes segmentos da comunidade escolar e reconhece os professores como sujeitos ativos na produção curricular.
Apesar dos avanços normativos, como a promulgação da BNCC, a implementação das diretrizes curriculares ainda enfrenta obstáculos práticos significativos. Muitas escolas carecem de infraestrutura adequada, de apoio técnico-pedagógico e de políticas públicas efetivas de valorização do magistério, o que compromete a realização de propostas curriculares integradoras e contextualizadas (SILVA, 2019).
Essa desconexão entre o prescrito e o vivido revela a necessidade de repensar o currículo não como um conjunto fechado de conteúdos, mas como prática social em constante construção. Nessa perspectiva, o currículo deve ser entendido como um processo dinâmico, negociado e situado, que incorpora as experiências dos sujeitos escolares e promove a formação integral dos estudantes (FREITAS; CONTI; NASCENTE, 2020).
Ademais, a construção do currículo real implica o reconhecimento dos saberes locais e das práticas culturais das comunidades onde as escolas estão inseridas. A valorização desses saberes fortalece a identidade dos sujeitos e torna o processo educativo mais significativo e pertinente. Isso exige uma ruptura com modelos curriculares padronizados e distantes da realidade dos estudantes (VERBER; CAMOZZATO, 2020).
A proposta de um currículo crítico e emancipador exige, portanto, uma postura pedagógica que desafie a lógica tecnicista e conteudista, promovendo a problematização da realidade social e a formação de sujeitos autônomos. Para tanto, é imprescindível investir na formação docente inicial e continuada, com foco na reflexão crítica sobre o papel do currículo na transformação social (GATTI et al., 2023).
Além disso, é fundamental que as políticas educacionais considerem as especificidades regionais e respeitem a autonomia das escolas na construção de seus projetos pedagógicos. A centralização das decisões curriculares tende a homogeneizar práticas e ignorar as múltiplas realidades que compõem o território nacional (PIMENTA; ANASTASIOU, 2014).
A escuta ativa dos profissionais da educação, aliada ao fortalecimento de espaços coletivos de planejamento e avaliação, pode contribuir para uma maior coerência entre o que se propõe e o que se realiza na prática. Isso demanda, contudo, condições de trabalho dignas, valorização docente e gestão comprometida com a transformação social (FREITAS; PINTO; PIMENTA, 2015).
Por fim, compreender as múltiplas dimensões do currículo real significa reconhecer que ele não é um elemento estático, mas uma construção social e política atravessada por disputas, interesses e resistências. Somente por meio do diálogo entre os diferentes atores escolares, da valorização da experiência docente e da gestão democrática será possível construir um currículo verdadeiramente significativo e emancipador.
O PAPEL DA GESTÃO ESCOLAR NA MEDIAÇÃO CURRICULAR
A gestão escolar possui um papel central na articulação entre os aspectos formais do currículo e sua concretização nas práticas pedagógicas cotidianas. Mais do que exercer uma função administrativa, o gestor educacional atua como mediador entre as políticas públicas e os sujeitos da escola, influenciando diretamente as formas como o currículo é interpretado, adaptado e aplicado no ambiente escolar. Tal mediação exige conhecimento técnico, sensibilidade política e compromisso com uma educação democrática (MACHADO, 2017).
Ao considerar a função da gestão na condução do trabalho pedagógico, é necessário reconhecer que a organização da escola não se limita à logística ou à execução de normas. Trata-se de um espaço em que decisões curriculares são tomadas cotidianamente, muitas vezes de forma implícita, impactando diretamente o processo de ensino-aprendizagem. Para Oliveira (2015), a gestão deve promover espaços de escuta e participação que garantam o envolvimento dos diferentes sujeitos na construção do projeto pedagógico da escola.
Nesse sentido, o gestor escolar não deve ser compreendido como um executor de políticas externas, mas como um agente estratégico que interpreta, reelabora e contextualiza as diretrizes curriculares à luz das necessidades da comunidade escolar. Quando essa atuação ocorre de forma democrática e participativa, torna-se possível viabilizar práticas pedagógicas mais coerentes com a realidade vivida pelos estudantes (FREITAS; CONTI; NASCENTE, 2020).
Contudo, a realidade das escolas públicas brasileiras frequentemente revela um cenário distinto, marcado por múltiplas exigências administrativas e pela sobrecarga de responsabilidades atribuídas à equipe gestora. Segundo Silva (2019), esse acúmulo de funções pode comprometer a função pedagógica da gestão, dificultando a mediação efetiva entre o currículo prescrito e as necessidades da prática docente.
Outro fator que limita o exercício de uma gestão curricular ativa e crítica é a fragmentação das políticas públicas, que muitas vezes impõem demandas padronizadas, sem considerar as especificidades das escolas. Pontes e Barbosa (2019) observam que, com a implementação da Base Nacional Comum Curricular, muitos gestores se viram obrigados a readequar o planejamento pedagógico sem o devido suporte técnico e institucional, o que acirrou a tensão entre normatização e prática.
Mesmo diante dessas limitações, é possível identificar experiências de gestão que conseguem articular o currículo às dimensões formativas e emancipadoras da educação. Isso ocorre, geralmente, quando a liderança escolar é exercida de forma compartilhada, valorizando o diálogo, a autonomia docente e a construção coletiva dos saberes pedagógicos. Para Gatti et al. (2023), esse tipo de gestão fomenta uma cultura escolar baseada na colaboração e no desenvolvimento profissional contínuo.
A mediação curricular realizada pela gestão requer, portanto, intencionalidade política e pedagógica. Não se trata apenas de organizar o calendário letivo ou distribuir as turmas, mas de refletir criticamente sobre os sentidos do currículo e suas implicações na formação dos estudantes. Nessa perspectiva, o gestor atua como articulador de processos formativos que ultrapassam a dimensão técnica da administração escolar (SOUSA, 2018).
É fundamental destacar que a mediação curricular deve considerar os contextos culturais, sociais e econômicos da comunidade atendida pela escola. O gestor, ao assumir uma postura sensível às especificidades locais, pode estimular práticas pedagógicas mais significativas, que valorizem os saberes dos estudantes e promovam sua inserção crítica na sociedade. Verber e Camozzato (2020) enfatizam que o currículo deve ultrapassar os muros da escola e dialogar com a vida.
A atuação da gestão escolar também influencia diretamente na valorização dos profissionais da educação. A construção de um currículo coerente com a realidade escolar exige condições de trabalho adequadas, tempos de planejamento coletivo e investimento em formação continuada. Quando essas condições são negligenciadas, o currículo tende a se reduzir a um instrumento normativo descolado da prática (GATTI et al., 2023).
Por essa razão, a mediação curricular realizada pela gestão escolar não pode ser desvinculada do debate sobre a valorização docente e as políticas de formação. Como afirmam Freitas, Pinto e Pimenta (2015), o fortalecimento do currículo real depende do reconhecimento do professor como sujeito de saber e de ação, cuja prática é atravessada por saberes adquiridos na experiência e na formação.
É relevante considerar, ainda, que a mediação curricular envolve também a relação da escola com as famílias e com a comunidade externa. Uma gestão que promove a participação de diferentes atores sociais no debate curricular amplia o sentido de pertencimento e legitima o currículo como expressão das demandas e identidades coletivas. Esse processo fortalece o vínculo escola-comunidade e torna o trabalho pedagógico mais significativo (FREITAS; CONTI; NASCENTE, 2020).
Por outro lado, quando a gestão escolar atua de forma verticalizada, burocrática e distante da realidade pedagógica, tende a reproduzir práticas autoritárias que fragilizam a construção de um currículo crítico e contextualizado. Essa postura dificulta a escuta ativa dos professores e a incorporação de inovações didáticas, resultando na cristalização de métodos obsoletos e desarticulados das demandas educacionais contemporâneas (MACHADO, 2017).
A superação dessas limitações exige um redimensionamento da função gestora na escola, com foco na construção de processos pedagógicos coletivos, inclusivos e transformadores. Isso implica compreender o currículo como construção histórica, dialógica e situada, e não como imposição técnica. Nesse contexto, a gestão se apresenta como catalisadora de experiências curriculares inovadoras e socialmente relevantes (OLIVEIRA, 2015).
Cabe ao gestor, portanto, assumir um papel formador dentro da instituição, incentivando a problematização das práticas pedagógicas e estimulando o protagonismo dos docentes no processo de elaboração e reelaboração curricular. Para isso, são indispensáveis mecanismos institucionais que garantam tempos, espaços e recursos para a construção coletiva do conhecimento escolar (SOUSA, 2018).
Conclui-se que o papel da gestão escolar na mediação curricular é, simultaneamente, estratégico e desafiador. Trata-se de uma atuação que exige compromisso com a qualidade da educação, sensibilidade frente à diversidade dos sujeitos escolares e capacidade de liderar processos participativos. A mediação entre o currículo prescrito e o vivido, nesse sentido, é condição fundamental para que a escola cumpra sua função social de forma crítica, reflexiva e transformadora.
DESAFIOS DA PRÁTICA DOCENTE NA CONSTRUÇÃO DE UM CURRÍCULO CONTEXTUALIZADO
A construção de um currículo contextualizado demanda do docente não apenas conhecimento técnico sobre os conteúdos a serem ensinados, mas também uma compreensão crítica da realidade social, cultural e histórica dos estudantes. Essa perspectiva exige que o professor atue como mediador entre os saberes sistematizados e os saberes vivenciados, promovendo uma prática pedagógica que valorize a diversidade e estimule a formação integral do educando (GATTI et al., 2023).
Entretanto, o exercício dessa mediação encontra múltiplos desafios. Um dos principais obstáculos enfrentados pelos docentes é a rigidez das propostas curriculares oficiais, que, muitas vezes, apresentam-se como modelos uniformes e descontextualizados da realidade das escolas. A Base Nacional Comum Curricular, embora represente um avanço normativo, impõe um conjunto de competências e habilidades que nem sempre dialogam com os contextos locais, gerando tensões na adaptação pedagógica (PONTES; BARBOSA, 2019).
Além disso, os professores convivem com condições materiais adversas que comprometem o planejamento e a execução de práticas inovadoras. A falta de recursos didáticos, a precariedade das estruturas físicas e a ausência de suporte técnico-pedagógico dificultam a elaboração de estratégias que articulem o currículo às necessidades dos alunos. Essa limitação estrutural afeta diretamente a qualidade do processo educativo (SILVA, 2019).
Outro fator que incide sobre a construção de um currículo contextualizado é a fragmentação do tempo escolar, que impede o desenvolvimento de práticas pedagógicas integradas e coerentes. O tempo destinado ao planejamento é frequentemente insuficiente, sendo ocupado por atividades burocráticas que pouco contribuem para a reflexão pedagógica. Como destacam Freitas, Pinto e Pimenta (2015), a falta de espaços institucionais para a construção coletiva do currículo enfraquece a autonomia docente.
Além dos aspectos estruturais, a formação inicial e continuada dos professores desempenha papel crucial nesse processo. A ausência de uma formação crítica e reflexiva, voltada para a análise das práticas pedagógicas em seu contexto sociocultural, compromete a capacidade dos docentes de elaborar propostas curriculares sensíveis à realidade dos alunos. Sousa (2018) afirma que a construção de um currículo significativo exige professores conscientes de seu papel político e formativo.
A realidade educacional brasileira ainda revela lacunas importantes no que se refere à valorização da prática docente. A desvalorização social da profissão, somada à precarização das condições de trabalho, impacta diretamente a motivação e o engajamento dos professores com a inovação curricular. Esse cenário contribui para a reprodução de práticas tradicionais, pouco eficazes diante dos desafios contemporâneos da educação (GATTI et al., 2023).
Para que o currículo possa ser de fato contextualizado, é fundamental que os professores compreendam as experiências de vida dos estudantes e reconheçam os saberes que estes trazem consigo. Essa escuta ativa e sensível permite que o processo de ensino-aprendizagem se configure como uma construção dialógica, na qual os conhecimentos escolares se entrelaçam com a cultura e a vivência dos sujeitos (FREITAS; CONTI; NASCENTE, 2020).
No entanto, práticas pedagógicas que valorizam a realidade dos estudantes ainda enfrentam resistência em contextos escolares marcados por uma cultura institucional conservadora. Muitas vezes, os professores são pressionados a cumprir conteúdos formais em detrimento de metodologias participativas e críticas. Verber e Camozzato (2020) ressaltam que romper com a lógica transmissiva exige coragem política e apoio institucional.
A implementação de práticas pedagógicas contextualizadas também demanda abertura ao diálogo interdisciplinar. A fragmentação do conhecimento em disciplinas estanques limita a construção de saberes integrados e comprometidos com a realidade social. Assim, o currículo contextualizado pressupõe a articulação entre áreas do conhecimento, promovendo aprendizagens mais significativas (MACHADO, 2017).
Um desafio adicional refere-se à avaliação escolar, que frequentemente adota instrumentos padronizados, dissociados dos contextos locais e das dinâmicas pedagógicas. Essa prática avaliativa tende a desconsiderar os processos formativos e a diversidade dos estudantes, reforçando lógicas excludentes. Oliveira (2015) defende que uma avaliação emancipadora deve considerar os múltiplos percursos de aprendizagem e reconhecer os avanços individuais e coletivos.
A superação desses desafios requer o fortalecimento de uma cultura colaborativa no interior das escolas. A troca de experiências entre professores, o planejamento coletivo e a construção conjunta de estratégias didáticas podem contribuir para a elaboração de um currículo mais próximo da realidade dos educandos. Isso demanda, contudo, uma gestão escolar comprometida com a valorização do trabalho docente e com a criação de espaços formativos contínuos (SILVA, 2019).
Ademais, é necessário ampliar o debate sobre o papel social do currículo e suas implicações para a justiça educacional. Um currículo que ignora as condições concretas dos alunos tende a reforçar desigualdades históricas, enquanto aquele que reconhece a diversidade e promove a inclusão tem potencial transformador. Freitas, Pinto e Pimenta (2015) apontam que a construção de um currículo contextualizado é inseparável da luta por uma educação pública de qualidade social.
É nesse contexto que a prática docente assume contornos éticos e políticos. O professor que busca contextualizar o currículo precisa, constantemente, tomar decisões que envolvem valores, concepções de mundo e projetos de sociedade. Essa dimensão ética da prática pedagógica implica responsabilidade com a formação cidadã dos estudantes e com o enfrentamento das desigualdades sociais (SOUSA, 2018).
A valorização das culturas juvenis, das identidades regionais e das múltiplas formas de expressão presentes no cotidiano escolar deve ser reconhecida como elemento constitutivo do currículo. A indissociabilidade entre conteúdo e contexto é o que confere sentido ao conhecimento escolar e fortalece os vínculos entre escola e comunidade (VERBER; CAMOZZATO, 2020).
Portanto, os desafios enfrentados pelos docentes na construção de um currículo contextualizado não são meramente técnicos, mas atravessam dimensões políticas, culturais e institucionais. Enfrentá-los implica repensar o papel do professor como sujeito histórico, reflexivo e transformador, comprometido com uma prática pedagógica que reconheça e valorize a diversidade dos sujeitos e dos territórios onde a educação acontece.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As discussões empreendidas ao longo deste artigo evidenciam que o currículo escolar real é resultado de uma complexa interação entre as diretrizes formais, as condições materiais das escolas, a atuação dos gestores e a prática docente. A distinção entre currículo prescrito e vivenciado revela um espaço de tensões, negociações e ressignificações que refletem as especificidades do contexto escolar e as múltiplas dimensões da vida social dos estudantes. Compreender essas dinâmicas é essencial para o fortalecimento de uma educação comprometida com a realidade e com a diversidade.
O papel da gestão escolar, nesse cenário, mostrou-se decisivo na mediação entre políticas curriculares e práticas pedagógicas. A construção de um currículo significativo demanda uma gestão democrática, capaz de articular saberes, promover a escuta ativa e garantir condições para o planejamento coletivo. Simultaneamente, os desafios enfrentados pelos docentes na elaboração de propostas pedagógicas contextualizadas evidenciam a necessidade de formação crítica, valorização profissional e espaços institucionais que favoreçam a autonomia e a inovação.
Dessa forma, a construção de um currículo escolar efetivamente contextualizado e transformador requer um esforço coletivo e articulado entre todos os sujeitos da escola. Superar a fragmentação e o tecnicismo exige compromisso político, sensibilidade pedagógica e investimento em políticas públicas que reconheçam as escolas como territórios de produção de conhecimento, resistência e emancipação. Somente assim será possível consolidar um projeto educativo que integre intencionalidade, sentido e pertencimento à formação dos estudantes.
REFERÊNCIAS
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