A Aplicação da Lei 11.343/2006 no Combate ao Tráfico de Drogas: Uma Análise Jurídico-Crítica do Capítulo II
ESTÁCIO BACHAREL EM DIREITO A Aplicação da Lei 11.343/2006 no Combate ao Tráfico de Drogas: Uma Análise Jurídico-Crítica do Capítulo II MANAUS-AM, 2025 A APLICAÇÃO DA LEI 11.343/2006 NO COMBATE AO TRÁFICO DE DROGAS: UMA ANÁLISE JURÍDICO-CRÍTICA DO CAPÍTULO II RESUMO O presente artigo propõe uma análise jurídico-crítica da aplicação do Capítulo II da Lei nº 11.343/2006, que dispõe sobre os crimes e penas relacionados ao tráfico de drogas no ordenamento jurídico brasileiro. A pesquisa parte do reconhecimento da complexidade normativa e jurisprudencial envolvida na interpretação dessa legislação, especialmente no que se refere à distinção entre o usuário e o traficante, à dosimetria da pena e à seletividade penal. O problema de pesquisa consiste em verificar se a estrutura legal atual é eficaz no combate ao tráfico ou se, ao contrário, contribui para a ampliação do encarceramento em massa e para a reprodução de desigualdades sociais. O objetivo geral é analisar a aplicação prática do Capítulo II da Lei de Drogas, avaliando sua coerência com os princípios constitucionais e os efeitos político-criminais gerados por sua vigência. A pesquisa adota uma abordagem qualitativa, de cunho descritivo e explicativo, com base em revisão bibliográfica, análise documental e estudo jurisprudencial. O recorte temporal abrange o período de vigência da lei, com ênfase nos últimos dez anos, e o recorte geográfico concentra-se no contexto jurídico nacional. Como resultado, observou-se que a norma em questão, embora formalmente moderna, apresenta lacunas e ambiguidades que comprometem sua efetividade, favorecendo interpretações subjetivas e seletivas. A discussão aponta a necessidade de reformas legislativas e de uma nova política de drogas mais humanizada. Conclui-se que os objetivos foram alcançados e que o problema proposto foi respondido de forma satisfatória. Palavras-chave: Lei de Drogas; Tráfico de Entorpecentes; Sistema Penal; Seletividade Penal; Política Criminal. SUMÁRIO. Introdução. 1. Evolução Histórico-Legislativa da Política de Drogas no Brasil. 2. O Capítulo II da Lei nº 11.343/2006: Estrutura, Tipificação e Elementos Jurídicos. 3. Interpretação Jurisprudencial e Controvérsias na Aplicação da Lei de Drogas. 4. Consequências Sociais e Político-Criminais da Aplicação do Capítulo II. Conclusão. Referências INTRODUÇÃO A legislação penal brasileira, ao longo das últimas décadas, tem se mostrado constantemente desafiada diante das complexas dinâmicas do tráfico ilícito de drogas, sobretudo no contexto urbano e periférico. A promulgação da Lei nº 11.343/2006 — conhecida como Lei de Drogas — representou uma tentativa legislativa de modernizar e sistematizar o enfrentamento ao uso e ao comércio ilegal de substâncias entorpecentes. Especificamente em seu Capítulo II, a norma dispõe sobre os crimes e as penas, revelando um modelo punitivo que, embora pretenda desarticular organizações criminosas, tem gerado sérias repercussões no sistema de justiça e na realidade carcerária do país. O presente artigo tem como ponto de partida a constatação de que a aplicação da Lei nº 11.343/2006, em seu capítulo que versa sobre os crimes relacionados às drogas, tem suscitado controvérsias tanto no âmbito jurídico quanto social. O problema de pesquisa consiste em compreender até que ponto a norma tem sido efetiva no combate ao tráfico de drogas ou se, ao contrário, tem contribuído para o agravamento do encarceramento em massa e para a seletividade penal. Questiona-se, ainda, se os critérios atualmente utilizados pelos operadores do Direito são suficientes para diferenciar de forma justa e técnica os sujeitos usuários dos efetivos traficantes. A relevância deste estudo reside na necessidade de aprofundar a reflexão acadêmica e jurídica sobre os impactos da legislação antidrogas brasileira, destacando os limites da aplicação da norma e os desafios enfrentados pelos tribunais na interpretação e aplicação do Capítulo II da referida lei. Em uma realidade marcada pela desigualdade social e pelo uso desproporcional do aparato repressivo do Estado, discutir criticamente a eficácia da Lei nº 11.343/2006 torna-se imprescindível para o fortalecimento do Estado Democrático de Direito e da justiça penal. Diante disso, o trabalho tem como objetivo geral analisar criticamente a aplicação do Capítulo II da Lei nº 11.343/2006, com foco nas práticas judiciais voltadas ao combate do tráfico de drogas. Como objetivos específicos, busca-se: investigar os critérios utilizados para a tipificação penal dos delitos; compreender o papel da jurisprudência no processo de aplicação da norma; avaliar os impactos dessa política no aumento da população carcerária; e verificar a compatibilidade da legislação com os princípios constitucionais penais. O recorte temporal da pesquisa compreende o período de vigência da Lei nº 11.343/2006, com ênfase em decisões e dados produzidos entre os anos de 2010 e 2024, período no qual se acentuaram os debates doutrinários e as críticas à política criminal vigente. Quanto ao recorte geográfico, a análise se concentra no território nacional, com destaque para os dados de abrangência federal e estudos de casos envolvendo tribunais superiores como o STF e o STJ. A metodologia adotada é de natureza qualitativa, com abordagem descritiva e exploratória, valendo-se da técnica de pesquisa bibliográfica e análise documental. Serão examinadas obras doutrinárias, artigos científicos, relatórios de entidades especializadas, bem como jurisprudências representativas que envolvem a aplicação da Lei nº 11.343/2006. Essa combinação metodológica permitirá a construção de uma análise crítica fundamentada, capaz de revelar as contradições, lacunas e possibilidades de aprimoramento da legislação penal sobre drogas no Brasil. 1. EVOLUÇÃO HISTÓRICO-LEGISLATIVA DA POLÍTICA DE DROGAS NO BRASIL A trajetória normativa da política de drogas no Brasil reflete, ao longo das décadas, um processo de transição entre modelos de controle social que variaram desde a total criminalização até a tentativa de adoção de abordagens menos punitivas. Ainda que a legislação brasileira tenha sido influenciada por convenções internacionais, como a Convenção Única sobre Entorpecentes de 1961, é perceptível que os marcos legais internos sempre foram mais voltados à repressão do que à prevenção e ao tratamento do uso abusivo. De acordo com Santana e Novais (2023), a legislação nacional sempre foi construída sob o viés da segurança pública, o que evidencia um padrão histórico de gestão criminalizada da temática. Em 1976, a promulgação da Lei nº 6.368 representou um marco importante, pois sistematizou os crimes relacionados às drogas e introduziu a figura do usuário como sujeito passível de sanções penais. Embora houvesse previsão de medidas educativas como alternativas penais, a rigidez das penas e a ausência de critérios objetivos para distinção entre consumo e tráfico geravam insegurança jurídica. Segundo Lopes e Silva (2025), essa lei já indicava a confusão histórica entre medidas terapêuticas e repressivas, o que resultava na sobreposição de políticas penais sobre políticas de saúde. A promulgação da Constituição Federal de 1988 introduziu importantes princípios no ordenamento jurídico, como a dignidade da pessoa humana e o direito à saúde, que passaram a influenciar o entendimento das políticas de drogas. No entanto, mesmo após a redemocratização, a legislação antidrogas manteve seu caráter essencialmente penalizante, o que demonstra uma contradição entre os direitos fundamentais proclamados pela Carta Magna e a legislação infraconstitucional. Como destacam Ferreira et al. (2025), a transição democrática brasileira não conseguiu reverter completamente o paradigma punitivista no campo das drogas. Com a entrada em vigor da Lei nº 11.343/2006, também conhecida como a Nova Lei de Drogas, houve uma tentativa de modernização do sistema normativo. A referida norma revogou dispositivos anteriores e procurou diferenciar, ainda que de forma precária, o usuário do traficante. Para Ribeiro de Andrade (2023), a nova lei representou um avanço formal ao eliminar a pena privativa de liberdade para o usuário, mas falhou em garantir objetividade nos critérios de distinção, o que perpetua a seletividade penal. A nova legislação estabeleceu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), que buscava integrar ações de prevenção, repressão e reinserção social. Entretanto, na prática, a maior parte das ações estatais concentrou-se no eixo repressivo, com ênfase no combate ao tráfico. Em outras palavras, apesar do discurso normativo de integração de políticas públicas, a operacionalização da Lei 11.343/2006 ficou restrita à atuação do sistema penal. De acordo com Magalhães e Ostrensky (2023), essa dissonância revela a fragilidade do Estado em promover políticas multidisciplinares de enfrentamento às drogas. Além disso, a Lei 11.343/2006 manteve penas rigorosas para os delitos previstos em seu Capítulo II, o que inclui o tráfico, o financiamento e a associação para o tráfico. Essas penas variam de 5 a 15 anos de reclusão, podendo ser aumentadas em casos de agravantes legais. A despeito da existência da figura do tráfico privilegiado, prevista no § 4º do artigo 33, muitos autores apontam que os operadores do Direito relutam em aplicar essa atenuante. Para Andrade e Ferraz (2021), o poder judiciário reproduz uma cultura punitivista que relativiza os benefícios legais mesmo quando preenchidos os requisitos objetivos. A ausência de parâmetros legais claros para distinguir o traficante do usuário resultou em uma jurisprudência oscilante, em que fatores subjetivos, como cor, condição social e local da prisão, passaram a influenciar a imputação penal. Conforme afirma Schwingel e Silva (2022), essa situação contribui para a manutenção de um sistema de justiça seletivo, voltado à criminalização da pobreza, especialmente em contextos urbanos periféricos. Outro ponto relevante na evolução normativa diz respeito ao uso da repressão como estratégia de controle social e político. Durante a ditadura militar, a criminalização das drogas também serviu como ferramenta de contenção de comportamentos considerados desviantes. Mesmo após o regime autoritário, esse aparato normativo permaneceu praticamente inalterado, o que demonstra a persistência de valores autoritários na legislação penal. A Lei de Drogas ainda hoje serve como instrumento de perpetuação de desigualdades estruturais (Ribeiro, 2019 p. 03). Com o passar dos anos, diversos projetos de reforma da Lei 11.343/2006 foram apresentados no Congresso Nacional. Tais iniciativas buscam, em sua maioria, tornar mais objetiva a distinção entre usuário e traficante e adequar a pena às circunstâncias concretas do delito. Contudo, essas propostas enfrentam resistência tanto do Legislativo quanto do Executivo, que permanecem alinhados a uma agenda conservadora de segurança pública. De acordo com Justiça (2021), a dificuldade de reformar a lei reflete o predomínio de uma política criminal focada na repressão e no encarceramento. A influência internacional sobre a legislação brasileira também é um aspecto a ser considerado. O Brasil é signatário de tratados internacionais que impõem obrigações de combate ao tráfico, mas que também recomendam a adoção de políticas públicas integradas. A interpretação restritiva dessas convenções por parte do Estado brasileiro, no entanto, privilegia a repressão em detrimento da saúde pública. Para Santana e Novais (2023), esse fenômeno contribui para o desequilíbrio entre prevenção, tratamento e punição no ordenamento jurídico nacional. Nos últimos anos, decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça têm contribuído para a flexibilização da interpretação da Lei de Drogas, especialmente no tocante à aplicação do princípio da insignificância e do tráfico privilegiado. No entanto, tais decisões ainda não são suficientes para alterar significativamente o padrão punitivista dominante. Conforme expõe Matos (2023), a jurisprudência tem avançado timidamente, mas continua condicionada a um modelo de justiça criminal que privilegia a repressão. É necessário destacar que a evolução legislativa sobre drogas no Brasil não se deu de forma linear nem uniforme. Ao contrário, ela foi marcada por avanços e retrocessos, sendo influenciada por conjunturas políticas, econômicas e culturais específicas. O marco da promulgação da Lei 11.343/2006, embora importante, não rompeu com o paradigma repressivo que caracteriza a história das políticas de drogas no país. Segundo De Lima e Santos (2023), os elementos históricos e sociológicos dessa legislação precisam ser revisitados para que se promova uma reforma efetiva e humanizada. Em termos comparativos, observa-se que países que adotaram políticas mais flexíveis em relação às drogas, como Portugal e Uruguai, apresentaram resultados mais positivos em termos de redução de danos e diminuição do encarceramento. O Brasil, por sua vez, optou por reforçar a criminalização e ampliar o aparato repressivo. Para Lopes e Silva (2025), essa escolha política tem gerado efeitos contraproducentes, como o crescimento da população carcerária e a sobrecarga do sistema judiciário. A análise histórica da legislação antidrogas brasileira revela, portanto, um modelo de política criminal voltado à contenção e punição, com escassa atenção às causas sociais e às consequências psicossociais do consumo. Essa abordagem legalista e repressiva demonstra pouca eficácia na redução do tráfico e do consumo. Em outras palavras, a evolução normativa brasileira tem sido insuficiente para enfrentar as complexas dimensões do fenômeno das drogas. Conforme explicam Ferreira et al. (2025), apenas uma mudança de paradigma — do punitivismo para a prevenção e cuidado — poderá produzir efeitos mais equitativos. Diante de todo esse panorama, conclui-se que a evolução da legislação brasileira sobre drogas carece de coerência com os princípios constitucionais da dignidade humana, proporcionalidade e legalidade estrita. O contexto histórico-legislativo demonstra que as tentativas de avanço foram, em grande parte, limitadas por uma cultura jurídica conservadora e por interesses políticos e econômicos enraizados. Assim, reformular a Lei 11.343/2006 não é apenas uma questão técnica, mas sobretudo uma exigência de justiça social e racionalidade penal. 2. O CAPÍTULO II DA LEI Nº 11.343/2006: ESTRUTURA, TIPIFICAÇÃO E ELEMENTOS JURÍDICOS A Lei nº 11.343/2006, em seu Capítulo II, estabelece os crimes e as penas relacionadas às drogas, com especial destaque para o artigo 33, que versa sobre o tráfico ilícito. Trata-se de um dispositivo central no ordenamento jurídico penal brasileiro, tendo em vista sua frequente aplicação pelos tribunais e seu impacto direto sobre o sistema carcerário. De acordo com Andrade e Ferraz (2021), o artigo 33 representa uma das principais ferramentas legislativas utilizadas para conter a disseminação do tráfico, porém sua estrutura aberta permite ampla margem interpretativa. O caput do artigo 33 descreve uma série de condutas tipificadas como tráfico, como importar, exportar, vender, transportar, guardar, oferecer, entre outras. A amplitude das ações descritas indica uma intenção legislativa de abranger todas as fases da cadeia de comercialização das drogas ilícitas, desde a produção até o consumo final. Para Lopes e Silva (2025), essa redação abrangente, embora eficaz do ponto de vista repressivo, contribui para o alargamento do tipo penal, dificultando a aplicação proporcional da pena. A pena cominada ao crime de tráfico, que varia de 5 a 15 anos de reclusão, demonstra a severidade com que o legislador pretende reprimir essa conduta. Além disso, há a previsão de aumento da pena em diversas situações, como envolvimento de menores, transnacionalidade do crime ou emprego de armas. Segundo Santana e Novais (2023), a aplicação automática de agravantes, sem considerar a individualização da conduta, pode comprometer o princípio da proporcionalidade, fundamental no Direito Penal contemporâneo. No § 4º do artigo 33 encontra-se a figura do tráfico privilegiado, que prevê a possibilidade de redução da pena de um sexto a dois terços, desde que o réu seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. Essa previsão, embora favorável à dosimetria penal, depende da análise subjetiva do julgador, o que gera insegurança jurídica. Conforme aponta Matos (2023), muitos juízes relutam em aplicar essa causa de diminuição sob a alegação de que o acusado não preenche os requisitos morais implícitos. A ausência de critérios objetivos para distinguir o usuário do traficante também representa um dos principais problemas enfrentados na aplicação do Capítulo II. A Lei não estabelece quantidade mínima ou máxima para diferenciar as condutas, deixando essa aferição a cargo das autoridades policiais e judiciais. Para Schwingel e Silva (2022), essa indefinição legal abre margem para abordagens seletivas, muitas vezes pautadas em estigmas sociais, raciais e territoriais, em detrimento de critérios técnicos. Outro aspecto relevante diz respeito à criminalização de atos preparatórios e acessórios, como "guardar" ou "trazer consigo" substâncias ilícitas. Tais condutas, mesmo que não vinculadas à intenção de comercialização, são frequentemente enquadradas como tráfico, sobretudo quando acompanhadas de indícios subjetivos. Segundo De Lima e Santos (2023), essa interpretação extensiva compromete a garantia do devido processo legal e reforça práticas de criminalização secundária. A redação do artigo 33 também impõe desafios à aplicação do princípio da fragmentariedade, que prega a intervenção mínima do Direito Penal. A criminalização de um conjunto vasto de condutas, sem exigir a comprovação efetiva de dolo específico voltado à mercancia, fragiliza essa premissa. O modelo normativo adotado pelo Capítulo II é incompatível com uma concepção moderna e garantista do Direito Penal (Magalhães e Osrensky, 2023 p. 067). Ademais, a jurisprudência tem contribuído para ampliar ainda mais o escopo do tipo penal, aceitando provas frágeis como suficientes para a imputação do tráfico. São comuns casos em que meras declarações, ausência de materialidade concreta ou porte de quantidades ínfimas de droga resultam em condenações severas. Conforme Ferreira et al. (2025), tal postura jurisprudencial, embora compreensível diante da gravidade social do tráfico, compromete a legitimidade do sistema punitivo. No campo da hermenêutica jurídica, o Capítulo II exige interpretações que respeitem os princípios constitucionais, como a presunção de inocência, a dignidade da pessoa humana e a individualização da pena. Todavia, na prática, muitos julgados evidenciam uma tendência à padronização da punição, em detrimento de análises mais contextualizadas. Para Ribeiro (2019), essa uniformização das decisões acarreta a aplicação automática da pena base, sem consideração das peculiaridades do caso concreto. Importante destacar que a aplicação do Capítulo II ocorre em um contexto social marcado por desigualdades, o que intensifica seus efeitos seletivos. Jovens, negros e moradores de periferias representam a maioria dos réus enquadrados pelo artigo 33, o que revela um uso político-criminal da norma. Segundo Ribeiro de Andrade (2023), a lei, apesar de formalmente neutra, opera como mecanismo de controle social seletivo, legitimando práticas discriminatórias. A crítica à estrutura do Capítulo II não significa defender a impunidade, mas sim questionar a adequação das normas penais aos preceitos de justiça, racionalidade e efetividade. O combate ao tráfico de drogas deve ser feito com base em provas robustas, investigações sérias e respeito aos direitos fundamentais, e não por meio de condenações baseadas em indícios frágeis ou discricionariedade policial. Para Justiça (2021), o uso responsável da Lei de Drogas exige rigor jurídico e compromisso com os princípios do Estado Democrático de Direito. No plano doutrinário, diversos juristas propõem reformas no Capítulo II, sugerindo a adoção de critérios objetivos para distinção entre tráfico e uso, bem como a redução das penas para condutas de menor potencial ofensivo. Essas propostas buscam promover maior coerência entre a lei penal e os princípios constitucionais, além de desafogar o sistema carcerário. De acordo com Silva e Cordeiro Júnior (2023), uma legislação penal eficaz deve ser clara, proporcional e respeitar a dignidade da pessoa humana. A articulação entre os dispositivos do Capítulo II e outras normas penais também merece atenção, especialmente no que diz respeito à reincidência, à progressão de regime e à aplicação de medidas alternativas. Muitos acusados, mesmo sendo primários, recebem tratamento penal mais gravoso que autores de crimes violentos, o que compromete a lógica do sistema. Segundo Lopes e Silva (2025), essa incoerência revela a irracionalidade punitiva de parte do ordenamento jurídico brasileiro. Na análise dos elementos jurídicos da tipificação do tráfico, é imprescindível considerar a natureza dos entorpecentes, a forma de acondicionamento, os antecedentes do acusado, a existência de instrumentos típicos do comércio (balança, dinheiro trocado, cadernos de anotação) e o contexto da prisão. Esses fatores devem ser analisados de maneira sistemática, e não isoladamente, sob pena de comprometer o juízo de culpabilidade. Para Santana e Novais (2023), o juiz deve ser guiado por critérios técnicos e jurídicos, não por preconceitos ou pressupostos morais. A estrutura do Capítulo II da Lei 11.343/2006, embora tecnicamente detalhada, carece de aperfeiçoamento legislativo que garanta maior objetividade, segurança jurídica e respeito aos direitos fundamentais. A ambiguidade de seus dispositivos, aliada à interpretação extensiva e à seletividade na aplicação, reforça desigualdades e perpetua a lógica do encarceramento em massa. Assim, uma reforma legislativa consistente, aliada a uma jurisprudência garantista, é essencial para transformar a política penal de drogas em uma política pública efetivamente voltada à justiça. 3. INTERPRETAÇÃO JURISPRUDENCIAL E CONTROVÉRSIAS NA APLICAÇÃO DA LEI DE DROGAS A interpretação jurisprudencial da Lei nº 11.343/2006, especialmente no que diz respeito ao seu Capítulo II, revela uma série de controvérsias que envolvem tanto o campo doutrinário quanto a prática judicial cotidiana. Embora o texto legal preveja de maneira explícita as condutas consideradas criminosas, os tribunais superiores têm enfrentado dificuldades em uniformizar o entendimento acerca da aplicação das penas e da distinção entre as figuras do usuário e do traficante. Segundo Lopes e Silva (2025), essa disparidade interpretativa contribui para a insegurança jurídica e para o agravamento da seletividade penal. No que se refere ao artigo 33 da Lei de Drogas, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem reiterado, em suas decisões, que a presença de indícios suficientes de comercialização justifica o enquadramento da conduta como tráfico, ainda que a quantidade de droga apreendida seja pequena. Todavia, essa posição tem sido alvo de críticas por parte da doutrina, que defende a necessidade de uma análise contextual mais aprofundada. De acordo com Schwingel e Silva (2022), a jurisprudência dominante negligencia a presunção de inocência ao tomar como prova indícios frágeis, como o local da prisão ou a condição social do acusado. Ainda no âmbito jurisprudencial, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem se debruçado sobre o debate da descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal, especialmente no Recurso Extraordinário nº 635.659. O julgamento, suspenso diversas vezes, levanta importantes questionamentos sobre os limites do direito penal e o respeito aos direitos fundamentais. Para Santana e Novais (2023), a demora no desfecho desse julgamento demonstra a resistência institucional em rever paradigmas punitivistas e em considerar alternativas menos repressivas ao encarceramento em massa. No tocante ao tráfico privilegiado, previsto no § 4º do artigo 33, a jurisprudência oscilou por anos quanto à possibilidade de aplicação desse benefício aos reincidentes. Somente após o julgamento do Habeas Corpus nº 118.533 pelo STF, em 2016, consolidou-se o entendimento de que a reincidência, por si só, não impede a concessão da causa de diminuição, desde que analisadas as circunstâncias do caso concreto. Segundo Andrade e Ferraz (2021), essa mudança de paradigma representou um avanço no reconhecimento da individualização da pena como princípio constitucional. Por outro lado, os tribunais estaduais ainda demonstram resistência em aplicar o tráfico privilegiado, sobretudo em casos envolvendo réus pobres e negros. Em muitas decisões, utiliza-se o argumento da “dedicação a atividades criminosas” de forma genérica e sem fundamentação concreta para negar a redução da pena. Conforme aponta Matos (2023), essa prática judicial evidencia o viés subjetivo e discriminatório que permeia o sistema penal, contrariando os princípios da legalidade e da isonomia. Um ponto de grande controvérsia é o uso da quantidade e da natureza da substância apreendida como critério exclusivo para definição do tipo penal. O STJ tem admitido que tais elementos podem ser considerados tanto na fixação da pena-base quanto para afastar o tráfico privilegiado. Contudo, a duplicidade na valoração de um mesmo fato fere o princípio do ne bis in idem. Para Magalhães e Ostrensky (2023), essa duplicidade de critérios compromete a coerência do processo penal e deve ser rechaçada para garantir a legalidade estrita. A jurisprudência também diverge quanto à admissibilidade da aplicação do princípio da insignificância nos casos de tráfico de drogas. Em geral, os tribunais superiores não reconhecem a possibilidade de sua incidência, argumentando que o bem jurídico tutelado – a saúde pública – é de relevância social incontestável. Todavia, há julgados que admitem sua aplicação em casos excepcionais, como tráfico de pequenas quantidades para subsistência. Segundo Justiça (2021), a rigidez na rejeição do princípio revela a dificuldade do sistema em reconhecer contextos de vulnerabilidade e reduzir danos sociais. Do mesmo modo, há divergência quanto ao papel das provas testemunhais nas condenações por tráfico. Embora reconheça-se a legitimidade de tais provas, muitos julgados consideram depoimentos de policiais como suficientes para embasar uma condenação, mesmo na ausência de demais elementos materiais. Essa prática, embora recorrente, é questionada por parte da doutrina, que denuncia o risco de arbitrariedade. Para De Lima e Santos (2023), a dependência excessiva de testemunhos policiais compromete o contraditório e a ampla defesa, pilares do devido processo legal. No que tange à atuação da defensoria pública, observa-se uma crescente mobilização para questionar decisões que desconsideram os critérios legais e os direitos dos réus. Defensores têm buscado a aplicação mais criteriosa do § 4º do artigo 33 e contestado sentenças baseadas em argumentos genéricos ou preconceituosos. Segundo Ferreira et al. (2025), a atuação da Defensoria Pública tem sido essencial para tensionar o sistema penal e promover o controle judicial de decisões punitivistas. A jurisprudência também enfrenta controvérsias sobre a reincidência técnica e sua influência na fixação do regime inicial de cumprimento da pena. Mesmo quando o réu preenche os requisitos do tráfico privilegiado, muitos juízes mantêm o regime fechado com base em antecedentes ou condenações pretéritas. Essa prática contraria o entendimento dos tribunais superiores e perpetua um modelo penal que ignora os avanços normativos e jurisprudenciais recentes (Ribeiro, 2019 p. 11). Adicionalmente, as cortes enfrentam o desafio de interpretar a legislação antidrogas em consonância com tratados internacionais de direitos humanos. O Brasil é signatário de pactos que recomendam o uso de alternativas penais e a redução do encarceramento. Entretanto, as decisões judiciais raramente dialogam com esse arcabouço normativo internacional. Conforme Ferreira et al. (2025), essa omissão reforça a perspectiva de isolamento normativo e retarda a evolução do sistema penal brasileiro em direção à humanização das penas. Outra controvérsia relevante diz respeito à concessão de liberdade provisória aos acusados de tráfico. Embora não haja vedação legal absoluta, muitos magistrados negam o benefício sob o argumento genérico da “gravidade abstrata do delito”. Essa justificativa tem sido rechaçada pelo STF, que entende ser imprescindível a demonstração concreta de periculosidade. Para Lopes e Silva (2025), a prisão cautelar não pode ser utilizada como antecipação de pena, sendo necessária a motivação idônea e específica. A aplicação do princípio da razoável duração do processo também tem sido ignorada em muitos julgamentos envolvendo crimes da Lei de Drogas. Há casos em que o réu permanece preso provisoriamente por anos até o trânsito em julgado da sentença, o que fere frontalmente os princípios da presunção de inocência e da proporcionalidade. De acordo com Santana e Novais (2023), a morosidade processual acentuada nos casos de tráfico é reflexo de um sistema penal sobrecarregado e ineficiente. Os tribunais, por fim, têm sido pressionados por movimentos sociais e entidades civis a revisar suas interpretações sobre a Lei de Drogas, a fim de evitar a continuidade de práticas discriminatórias e massivamente encarceradoras. Há um esforço progressivo, embora ainda tímido, no sentido de adotar uma hermenêutica garantista e conforme os direitos fundamentais. Segundo Ribeiro de Andrade (2023), esse movimento de revisão crítica é indispensável para romper com a lógica punitivista e promover uma justiça penal mais equânime e eficaz. A jurisprudência brasileira relacionada à Lei nº 11.343/2006 ainda se encontra marcada por contradições, seletividades e práticas arbitrárias. Embora existam avanços pontuais promovidos pelos tribunais superiores, a prática cotidiana revela resistência à efetiva aplicação dos princípios constitucionais. Dessa forma, recomenda-se a intensificação da formação crítica dos operadores do Direito, o fortalecimento da Defensoria Pública e a reformulação legislativa que confira maior objetividade e equidade à aplicação da norma penal sobre drogas. 4. CONSEQUÊNCIAS SOCIAIS E POLÍTICO-CRIMINAIS DA APLICAÇÃO DO CAPÍTULO II A aplicação sistemática do Capítulo II da Lei nº 11.343/2006 tem gerado consequências sociais profundas e duradouras, especialmente nas comunidades periféricas brasileiras. A estrutura normativa que sustenta a criminalização do tráfico de drogas, com penas severas e interpretação ampla das condutas típicas, afeta diretamente populações vulnerabilizadas, promovendo o encarceramento em massa como principal resposta estatal ao fenômeno das drogas. Para Ribeiro de Andrade (2023), essa política punitiva intensifica a exclusão social e legitima a seletividade do sistema penal. Entre as principais consequências sociais, destaca-se o agravamento das desigualdades raciais e econômicas. Jovens negros, moradores de áreas empobrecidas e com baixa escolarização são os principais alvos das operações policiais e das decisões judiciais. A seletividade da ação penal reflete o viés estrutural da sociedade brasileira, na qual a criminalização do tráfico serve como instrumento de contenção da mobilidade social. Segundo Ferreira et al. (2025), essa realidade evidencia que a Lei de Drogas não é aplicada de forma equânime, mas sim seletiva e discriminatória. Do ponto de vista político-criminal, a ênfase na repressão ao tráfico, em detrimento da prevenção e da reintegração social, tem contribuído para a superlotação do sistema penitenciário. As prisões brasileiras enfrentam níveis críticos de ocupação, com déficit de vagas, precariedade nas condições sanitárias e ausência de programas eficazes de ressocialização. De acordo com Matos (2023), a Lei 11.343/2006, embora avance formalmente ao prever medidas educativas e de reinserção, permanece sendo aplicada majoritariamente como instrumento de punição carcerária. Além disso, o sistema carcerário tornou-se um ambiente propício à cooptação de indivíduos por facções criminosas. Muitos réus primários, condenados por tráfico de pequenas quantidades, ingressam em presídios dominados por organizações criminosas, sendo forçados a integrar estruturas delituosas como forma de proteção. Para De Lima e Santos (2023), o aprisionamento em massa, sem políticas de separação e reinserção efetiva, transforma o sistema penal em uma fábrica de reincidência. No campo da política pública, observa-se uma dissociação entre o discurso legal e a prática institucional. Enquanto a legislação prevê a integração de políticas de saúde, educação e assistência social, na prática as ações governamentais concentram-se em operações policiais de combate ao tráfico, muitas vezes marcadas por abusos e letalidade. Segundo Justiça (2021), essa incongruência compromete os objetivos de redução de danos e revela a fragilidade da articulação intersetorial do Estado. A criminalização do tráfico também influencia a percepção pública sobre o fenômeno das drogas. A sociedade é induzida a associar a figura do traficante à violência, à marginalidade e ao perigo iminente, ignorando as causas estruturais do problema. Essa construção simbólica, reproduzida por mídias e políticas de segurança, justifica o uso da força estatal de maneira indiscriminada. Para Santana e Novais (2023), essa retórica reforça o pânico moral e legitima práticas policiais autoritárias, como as incursões armadas em comunidades. Outro impacto relevante é a estigmatização social dos egressos do sistema prisional, especialmente daqueles condenados por tráfico. O registro penal dificulta o acesso ao mercado de trabalho, à educação e a serviços públicos, perpetuando um ciclo de exclusão e vulnerabilidade. Conforme apontam Lopes e Silva (2025), a ausência de políticas de empregabilidade e acompanhamento psicológico para ex-apenados inviabiliza a plena reinserção social e favorece a reincidência. Do ponto de vista orçamentário, a manutenção do modelo repressivo representa um alto custo para os cofres públicos. Recursos que poderiam ser destinados a programas de saúde mental, tratamento de dependência química e educação são investidos em infraestrutura prisional e operações policiais. Segundo Ribeiro (2019), a ineficiência dessa alocação de recursos comprova a irracionalidade da política criminal vigente, que prioriza o sintoma em detrimento das causas. A aplicação do Capítulo II também afeta diretamente o funcionamento do Judiciário. O volume expressivo de processos relacionados à Lei de Drogas sobrecarrega as varas criminais, gerando morosidade e decisões padronizadas. Essa sobrecarga compromete a qualidade da prestação jurisdicional e restringe o espaço para a análise contextualizada de cada caso. O Judiciário tornou-se, na prática, uma engrenagem automatizada de condenações, com pouca margem para o exercício da função crítica e humanizada (Andrade e Ferraz, 2021 p. 08). No tocante às mulheres, há um agravante adicional. O encarceramento feminino por tráfico de drogas tem crescido exponencialmente, afetando principalmente mães solo e mulheres em situação de vulnerabilidade. Muitas são presas por atuarem como “mulas”, em contextos de coação ou necessidade extrema. Para Magalhães e Ostrensky (2023), a aplicação cega da lei, sem considerar a perspectiva de gênero, agrava a desigualdade estrutural e ignora as especificidades das trajetórias femininas na criminalidade. A aplicação desproporcional das penas também é uma das principais críticas ao Capítulo II. Condutas de baixa lesividade são punidas com mais rigor do que crimes patrimoniais ou mesmo violentos, o que distorce a lógica da proporcionalidade penal. Conforme Ferreira et al. (2025), essa assimetria normativa e judicial mina a confiança da população no sistema de justiça e evidencia a necessidade de revisão legislativa. A permanência de adolescentes e jovens nas cadeias, oriundos de condenações baseadas em presunções e sem respaldo em investigações consistentes, revela a falência do modelo investigativo atual. Muitos desses jovens são incluídos estatisticamente como traficantes sem que se tenha comprovado qualquer vínculo com organizações criminosas. De acordo com De Lima e Santos (2023), essa realidade compromete o papel do Estado como promotor da proteção integral da juventude, conforme previsto na Constituição e no ECA. Por consequência, a política criminal pautada exclusivamente na repressão não apresenta indicadores satisfatórios de redução da oferta de drogas. A circulação de substâncias ilícitas continua intensa, adaptando-se rapidamente às ações do Estado, o que demonstra a limitação das estratégias policiais e judiciais. Segundo Matos (2023), a insistência na repressão como solução única perpetua um ciclo vicioso de violência, encarceramento e exclusão. Em contrapartida, experiências internacionais têm mostrado que a descriminalização do porte para consumo e a regulação estatal da comercialização podem ser mais eficazes na redução dos danos associados às drogas. O exemplo de Portugal, que adotou políticas públicas centradas na saúde, é constantemente citado como modelo. Para Lopes e Silva (2025), o Brasil deve considerar essas experiências e construir um modelo que integre saúde pública, educação e direitos humanos. Dessa forma, é evidente que a aplicação do Capítulo II da Lei de Drogas, tal como se dá atualmente, não cumpre seus objetivos declarados de redução do tráfico e da criminalidade. Ao contrário, amplia as mazelas sociais, reforça estigmas e compromete os fundamentos de um sistema penal justo. Por isso, torna-se imperativo que o legislador, a magistratura e a sociedade civil repensem a política de drogas, com base em evidências científicas, garantias constitucionais e princípios de justiça social. CONCLUSÃO O presente estudo analisou, de forma crítico-analítica, os aspectos legais, jurisprudenciais e sociais relacionados à aplicação do Capítulo II da Lei nº 11.343/2006, que trata dos crimes e penas no contexto das drogas ilícitas. Partindo de um exame histórico da política legislativa brasileira, observou-se que o marco normativo atual, embora tenha representado um avanço formal frente à legislação anterior, permanece ancorado em um paradigma repressivo, cuja ênfase punitiva não tem se mostrado eficaz na resolução do problema do tráfico de entorpecentes. A evolução normativa foi marcada por contradições, sobretudo pela manutenção de dispositivos que dificultam a diferenciação objetiva entre usuários e traficantes, impactando diretamente na seletividade do sistema penal. Ao longo da análise, foi possível constatar que o Capítulo II da referida lei apresenta sérios entraves à concretização dos princípios constitucionais da legalidade, proporcionalidade, dignidade da pessoa humana e igualdade. A imprecisão legal quanto aos critérios de imputação e a amplitude das condutas tipificadas conferem à norma um caráter subjetivo que, na prática, tem servido para a intensificação do encarceramento em massa, especialmente entre jovens negros e moradores de periferias urbanas. Além disso, observou-se que a jurisprudência nacional, embora apresente alguns avanços pontuais, ainda tende a adotar interpretações extensivas e pouco garantistas, reforçando práticas discriminatórias e desproporcionais. No tocante aos objetivos propostos, pode-se afirmar que todos foram integralmente alcançados. A análise permitiu investigar, com profundidade e fundamentação, os critérios utilizados pelos tribunais para tipificação penal, bem como avaliar os impactos sociais e político-criminais decorrentes da aplicação sistemática da lei. Foi possível também verificar que a atual legislação, ao se afastar dos fundamentos de justiça social e proporcionalidade penal, compromete os resultados práticos no combate ao tráfico de drogas, além de provocar consequências adversas sobre o sistema prisional, a estrutura do Judiciário e as comunidades diretamente afetadas por essa política. Diante disso, conclui-se que a pergunta de pesquisa foi satisfatoriamente respondida, uma vez que ficou evidente que a aplicação do Capítulo II da Lei nº 11.343/2006, embora juridicamente estruturada, apresenta fragilidades substanciais quanto à sua efetividade e compatibilidade com os princípios constitucionais. A sua manutenção, nos moldes atuais, tende a perpetuar um modelo de justiça criminal punitivista, ineficiente e socialmente seletivo. Assim, urge a necessidade de revisão legislativa e da construção de políticas públicas que substituam o paradigma repressivo por abordagens integradas, fundamentadas em direitos humanos, prevenção e reinserção social. REFERÊNCIAS ANDRADE, Renato; FERRAZ, Camila. Tráfico de drogas: análise jurisprudencial do art. 33 da Lei 11.343/2006. Revista Brasileira de Direito Penal e Criminologia, São Paulo, v. 150, p. 101–125, 2021. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/busca?q=tr%C3%A1fico+de+drogas+%28art.+33+da+lei+11.343+/06%29. Acesso em: 2 jul. 2025. DE LIMA, Clodoaldo Porto Filho; SANTOS, Vinicius Santos. Crianças e adolescentes no tráfico de drogas: ato infracional ou trabalho infantil? Defensoria Pública do Paraná, Curitiba, 2023. 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