Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br BIBLIOTECA PARA O CURSO DE PROJETOS E LICENCIAMENTO AMBIENTAL Selecionamos para você uma série de artigos, livros e endereços na Internet onde poderão ser realizadas consultas e encontradas as referências necessárias para a realização de seus trabalhos científicos, bem como, uma lista de sugestões de temas para futuras pesquisas na área. Primeiramente, relacionamos sites de primeira ordem, como: www.scielo.br www.anped.org.br www.dominiopublico.gov.br SUGESTÕES DE TEMAS 1. PROJETOS, PLANEJAMENTOS E LICENCIAMENTO AMBIENTAL; 2. INDICADORES DE QUALIDADE AMBIENTAL; 3. CERTIFICAÇÃO SÉRIE ISO 14000 - GESTÃO AMBIENTAL; 4. AUDITORIA E CERTIFICAÇÃO; 5. SISTEMA DE GESTÃO AMBIENTAL; 6. DIREITO E LEGISLAÇÃO AMBIENTAL; 7. RETIFICAÇÃO DE ÁREA E PARCELAMENTO DO SOLO; 8. GESTÃO DE RESÍDUOS; 9. MEIO AMBIENTE, DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE; 10.SAÚDE DOS TRABALHADORES E MEIO AMBIENTE EM TEMPOS DE GLOBALIZAÇÃO E REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA; 11.A GLOBALIZAÇÃO E A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA; 12.TECNOLOGIA E ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO; 13.NOVAS MODALIDADES DE TRABALHO E NOVAS RELAÇÕES DE TRABALHO; Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 2 14.MUNDIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO/DESTERRITORIALIZAÇÃO DO CAPITAL; 15.ESPECIALIZAÇÃO FLEXÍVEL; 16.FINANCEIRIZAÇÃO DA ECONOMIA; 17.EMERSÃO DE NOVOS ATORES GLOBAIS E CRISE DO ESTADO NACIONAL; 18.QUE CONSEQUÊNCIAS DESTE PROCESSO PODEM SER ESPERADAS E OBSERVADAS NO MUNDO DO TRABALHO?; 19.APROFUNDAMENTO DA FRAGMENTAÇÃO DA SOCIEDADE; 20.AGRAVAMENTO DA QUESTÃO SOCIAL, AMPLIAÇÃO DA EXCLUSÃO E AMEAÇA À COESÃO SOCIAL; 21.COMO A GLOBALIZAÇÃO E A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA REBATEM SOBRE O CAMPO DA SAÚDE DOS TRABALHADORES E DO MEIO AMBIENTE? Que Tendências Podem Ser Observadas?; 22.TENDÊNCIAS COMUNS AO CONJUNTO DOS TRABALHADORES; 23.TENDÊNCIAS NA TERCEIRIZAÇÃO PREDATÓRIA; 24.HERANÇA DE DIFERENCIAÇÃO E FUTURO DE FRAGMENTAÇÃO; 25.0 PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO E SEUS REBATIMENTOS NO ESTADO; 26.A GLOBALIZAÇÃO E O DESAFIO DA QUESTÃO SOCIAL; 27.GLOBALIZAÇÃO E A SAÚDE E SEGURANÇA DOS TRABALHADORES; 28.TRABALHO E REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA: 10 anos de linha de produção; 29.A DEGRADAÇÃO DO TRABALHO E OS RISCOS INDUSTRIAIS NO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO, REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E DAS POLÍTICAS NEOLIBERAIS 30.TRABALHO, RISCOS INDUSTRIAIS E MEIO AMBIENTE: rumo ao desenvolvimento sustentável? 31.GLOBALIZAÇÃO ÉTICA E SOLIDARIEDADE 32.DESAFIOS DA GLOBALIZAÇÃO 33.AS TRÊS ECOLOGIAS 34.ERA DOS EXTREMOS - O BREVE SÉCULO XX Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 3 35.A DESORDEM DO TRABALHO 36.OS MUITOS BRASIS - SAÚDE E POPULAÇÃO NA DÉCADA DE 80 37.MUDANÇAS TECNOLÓGICAS E ORGANIZACIONAIS E OS IMPACTOS SOBRE O TRABALHO E A QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL 38.REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E ESTRATÉGIAS NO MUNDO DO TRABALHO: as consequências para os trabalhadores 39.TECNOLOGIA E SAÚDE: um convívio sustentável? 40.GLOBALIZAÇÃO: em direção a um mundo só? 41.A GEOGRAFIA POLÍTICA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL 42.EM BUSCA DE NOVAS ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO 43.GLOBALIZAÇÃO E MEIO AMBIENTE 44.DESAFIOS DA GLOBALIZAÇÃO 45.UMA ANÁLISE CRÍTICA DA ISO 14000 46.UMA DISCUSSÃO FENOMENOLÓGICA SOBRE OS CONCEITOS DE PAISAGEM E LUGAR, TERRITÓRIO E MEIO AMBIENTE 47.SAÚDE E AMBIENTE NO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO 48.VULNERABILIDADES E RISCOS: entre geografia e demografia 49.RISCOS E VULNERABILIDADES: trajetória demográfica 50.POPULAÇÕES EM SITUAÇÕES DE RISCO: um avanço conceitual 51.VULNERABILIDADE SOCIODEMOGRÁFICA: um conceito latino-americano 52.VULNERABILIDADE SOCIOAMBIENTAL: aproximando-se da geografia 53.POPULAÇÃO E AMBIENTE: entre geografia e demografia 54.APLICAÇÃO DAS TÉCNICAS DOS RISCOS COMPETITIVOS À MORTALIDADE DO BRASIL E MACRORREGIÕES 55.MIGRAÇÃO, AMBIENTE E SAÚDE NAS CIDADES BRASILEIRAS 56.POPULAÇÃO, POBREZA E POLUIÇÃO EM CUBATÃO 57.POPULAÇÃO, MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO: verdades e contradições 58.A RELAÇÃO ENTRE POPULAÇÃO E AMBIENTE: desafios para a Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 4 demografia 59.POPULAÇÃO E MEIO AMBIENTE: debates e desafios 60.DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA POPULAÇÃO E SUSTENTABILIDADE: alternativas de urbanização 61.URBANIZAÇÃO E VULNERABILIDADE SÓCIO-AMBIENTAL: o caso de Campinas 62.MIGRAÇÃO E AMBIENTE NAS AGLOMERAÇÕES URBANAS 63.A CIDADANIA VULNERABILIZADA NA AMÉRICA LATINA 64.VIVER EM RISCO: sobre a vulnerabilidade no brasil urbano 65.VULNERABILIDADES E RISCOS NA METRÓPOLE: a perspectiva da experiência 66.O RISCO EM PERSPECTIVA: tendências e abordagens 67.VULNERABILIDADE: esboço para uma discussão conceitual 68. GÊNERO, SAÚDE E PROTEÇÃO ENTRE JOVENS: um perfil tradicional 69. INTERFACES: gênero, sexualidade e saúde reprodutiva 70. INDÚSTRIA QUÍMICA BRASILEIRA, ACIDENTES QUÍMICOS AMPLIADOS E VULNERABILIDADE SOCIAL 71. POPULAÇÃO E MEIO AMBIENTE: debates e desafios 72. UMA ANÁLISE DE RISCOS COMPETITIVOS SOBRE O USO DE MÉTODOS ANTICONCEPTIVOS NO NORDESTE 73. DEGRADAÇÃO AMBIENTAL EM FAVELAS DE SÃO PAULO 74. POPULAÇÃO E MEIO AMBIENTE: debates e desafios 75. A DEMOGRAFIA DO RISCO AMBIENTAL 76. REFLEXÕES SOBRE A HIPERPERIFERIA: novas e velhas faces da pobreza no entorno municipal 77. POBREZA E ESPAÇO: padrões de segregação 78. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E SEGURANÇA AMBIENTAL GLOBAL 79. COLOCANDO DADOS NO MAPA: a escolha da unidade espacial de agregaçäo e integraçäo de bases de dados em saúde e ambiente através do Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 5 geoprocessamento 80. MOBILIDADE POPULACIONAL E MEIO AMBIENTE 81. CIÊNCIAS SOCIAIS E MEIO AMBIENTE NO BRASIL: um balanço bibliográfico 82. POLÍTICAS E PLANEJAMENTO DO TURISMO NO BRASIL 83. TURISMO E MEIO AMBIENTE NO LITORAL PAULISTA DINÂMICA DA BALNEABILIDADE NAS PRAIAS 84. SAÚDE E MEIO AMBIENTE: ANÁLISE DE DIFERENCIAIS INTRAURBANOS, MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, BRASIL 85. A CONCEPÇÃO DE" ESPAÇO" NA INVESTIGAÇÃO EPIDEMIOLÓGICA 86. A INSURREIÇÃO DA ALDEIA GLOBAL CONTRA O PROCESSO CIVIL CLÁSSICO: apontamentos sobre a opressão ea libertação judiciais do meio ambiente e do consumidor 87. VULNERABILIDADES E RISCOS: entre geografia e demografia 88. CRESCIMENTO DEMOGRÁFICO E MEIO AMBIENTE 89. A GEOGRAFÍA MÉDICA E AS DOENÇAS INFECTOPARASITARIAS 90. CONTRIBUIÇÕES PARA A GESTÃO DA ZONA COSTEIRA DO BRASIL: elementos para uma geografia do litoral brasileiro 91. GÊNERO E MEIO AMBIENTE 92. ESTIMATIVAS DE PERDA DA ÁREA DO CERRADO BRASILEIRO 93. SAÚDE E AMBIENTE NO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO 94. ACESSO AOS SERVIÇOS DE SAÚDE: uma abordagem de geografia em saúde pública 95. DESCENTRALIZAÇÃO E MEIO AMBIENTE 96. A TEMÁTICA SAÚDE E AMBIENTE NO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DO CAMPO DA SAÚDE COLETIVA: aspectos históricos, conceituais e metodológicos 97. CONFLITOS CONCEITUAIS NOS ESTUDOS SOBRE MEIO AMBIENTE 98. HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE 99. O LITORAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO: uma caracterização físicoambiental Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 6 100. O CONCEITO DE ESPAÇO NA EPIDEMIOLOGIA DAS DOENÇAS INFECCIOSAS 101. OS (DES) CAMINHOS DO MEIO AMBIENTE 102. MEIO AMBIENTE E CIÊNCIAS HUMANAS 103. SAÚDE DOS TRABALHADORES E MEIO AMBIENTE EM TEMPOS DE GLOBALIZAÇÃO E REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA 104. GEOGRAFIA SOCIOAMBIENTAL 105. UMA DISCUSSÃO FENOMENOLÓGICA SOBRE OS CONCEITOS DE PAISAGEM E LUGAR, TERRITÓRIO E MEIO AMBIENTE 106. CIDADE E MEIO AMBIENTE: percepções e práticas 107. ESPAÇO GEOGRÁFICO UNO E MÚLTIPLO 108. A QUESTÃO DO MEIO AMBIENTE: desafios para a construção de uma perspectiva transdisciplinar ARTIGOS PARA LEITURA, ANÁLISE E UTILIZAÇÃO COMO FONTE OU REFERENCIA Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, 93/94: 9-20, dez.1998 SAÚDE DOS TRABALHADORES E MEIO AMBIENTE EM TEMPOS DE GLOBALIZAÇÃO E REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA Raquel Maria Rigotto Professora do Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina da Universidade do Ceará. RESUMO Quais os rebatimentos da Globalização e da Reestruturação Produtiva sobre a saúde dos trabalhadores e o meio ambiente? Para identificar as principais tendências neste sentido, este artigo apresenta algumas características daqueles macro-processos - como a incorporação de novas tecnologias e novas formas de Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 7 organizar o trabalho, a flexibilização e a focalização da produção, a desterritorialização do capital, a financeirização da economia, a emersão de novos atores globais e a crise do estado nacional, a assimetria. Descreve as conseqüências deste processo no mundo do trabalho, enfatiza a fragmentação da classe trabalhadora e o agravamento da exclusão social. Relaciona as mudanças urbanas, as transformações no processo de trabalho e a difusão ampliada dos riscos industriais-ambientais como mediadoras dos rebatimentos da Globalização e da Reestruturação Produtiva sobre a saúde humana e o meio ambiente. Palavras-chave: Globalização, Reestruturação produtiva, Saúde dos trabalhadores, Meio Ambiente. O CENÁRIO Contempla-se, como fruto da modernidade, nesta virada de milênio, o espetáculo dos avanços científicos e tecnológicos da civilização humana nos últimos duzentos ou trezentos anos. Nossos pais ou avós, que cruzaram este século que agora finda, testemunharam a difusão do uso da eletricidade, o surgimento do rádio e da televisão, a invasão dos motores à explosão, a bandeira americana sendo fincada no solo da Lua, o telefone e, ultimamente, a expansão da informática e da microeletrônica, revolucionando os conceitos de tempo e distância, a comunicação, a produção, os nossos modos de vida. A população mundial cresceu, a maioria é melhor alimentada, mais alta e mais pesada, mais longeva. Somos muito mais capazes de produzir bens e serviços. A humanidade é muito mais culta (HOBSBAWM, 1995). Testemunham-se, porém, também os limites do projeto moderno - centrado na racionalidade, na técnica e na ciência - para resolver problemas fundamentais da humanidade. Mesmo sabendo que a avalanche de números muitas vezes banaliza os problemas e oculta o sofrimento humano, vale lembrar que mais de um bilhão de pessoas vivem em pobreza absoluta, 900 milhões de adultos são analfabetos, 100 milhões de pessoas não tem casa, 150 milhões de crianças menores de 5 anos são desnutridas... (United Nations Development Programm / UNDP, 1990). Há ainda os problemas ambientais gerados pela sociedade urbano-industrial - como o efeito Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 8 estufa, a destruição da camada de ozônio, as chuvas ácidas, a produção de milhares de poluentes da água, do solo e do ar, o acúmulo de lixo tóxico e a exploração intensiva de recursos naturais não-renováveis - que colocam sob ameaça a sobrevivência do Planeta. A globalização e a reestruturação produtiva É exatamente neste cenário de modernização conservadora (MATTOSO, 1995) que surgem mudanças profundas na vida social e nos processos de trabalho, as quais vem sendo estudadas como Reestruturação Produtiva, ou Reconversão Econômica, ou Nova Ordem Econômica Mundial, ou Terceira Revolução Industrial. Falar em Terceira Revolução Industrial pode invocar em nosso imaginário uma paisagem arrojada e futurista: robôs, maquinas de comando numérico, manufaturas e desenhos ajudados por computador, programas de controle de qualidade, ISO 9000, reengenharia... Mas ela é mais que o fetiche tecnológico. Está claro que a Reestruturação Produtiva é um processo econômico, político e cultural em curso, de grande dinamismo e alta complexidade, acontece em escala planetária e em ritmo intenso, exigindo a inserção de todos. Estruturalmente vinculada à Globalização, estes dois processos tem sido conduzidos pelas forças hegemônicas em âmbito internacional, representando a mais recente configuração do capitalismo - a qual converte o sistema mundial em espaço de acumulação - apontando para profundas repercussões sobre a vida social (CARVALHO, 1997a). Dai a importância de estudar este processo, verificar suas reais dimensões; identificar, em essência, suas potencialidades, para buscar interferir nele. A seguir apresentam-se algumas das características ou tendências que já se configuram: Tecnologia e organização do trabalho Apropria-se dos avanços da microeletrônica e da incorporação da informática aos processos de produção para garantir produtos de melhor qualidade e maior competitividade no mercado. Modifica as rígidas formas Taylorista e Fordista de organizar o trabalho nas empresas, sob forte influência do modelo Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 9 Toyotista japonês, reduzindo os níveis hierárquicos, buscando mais iniciativa e participação do trabalhador no processo (FERREIRA, 1993). Novas modalidades de trabalho e novas relações de trabalho Expandem-se novas modalidades de trabalho, como o autônomo, o tempo parcial, o temporário, a domicilio etc. No campo das relações de trabalho, "verifica-se a implementação de políticas que visam impor ao empregado uma nova identidade, configurada na relação entre indivíduo-empresa e forjada através de diferentes estratégias de interação na disputa pela lealdade do trabalhador" (NEVES, s.d.). Mundialização da produção/desterritorialização do capital Desconcentra geograficamente a produção, aproveitando-se das facilidades de transporte oferecidas pela globalização: organiza a fabricação de componentes a partir de atividades em diversos países, usufruindo de vantagens comparativas no acesso a recursos naturais e matérias-primas, isenções oferecidas pelos governos, características da mão-de-obra local - qualificação, custo etc. (CARVALHO, 1997a). Focalização da produção A grande empresa tende a ser substituída por estabelecimento menor, que centra sua atividade naquilo que é a sua excelência (por exemplo, o motor do carro). As demais partes do processo produtivo são delegadas a outras empresas, as terceirizadas. Estas empresas, as vezes, são implantadas numa mesma área geográfica, formando um condomínio de empresas (GONÇALVES, s.d.). Especialização flexível A competitividade baseia-se na identificação e na produção de bens não padronizados, voltados para nichos de mercado ou atende, aparentemente, aos desejos do consumidor individual. Em oposição a produção de bens em massa, supõe uma planta industrial flexível, com máquinas universais programáveis e operadas por trabalhadores desespecializados, qualificados e polivalentes Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 10 (ANTUNES, 1996¹). Financeirização da economia Há um domínio do capital financeiro, operando como "dinheiro volátil", por meio de redes e circuitos informatizados globais, cerca de 1,4 trilhões de dólares por dia, em detrimento do investimento produtivo. Mesmo as corporações tipicamente industriais tem as aplicações financeiras como um elemento central do processo de acumulação (CARVALHO, l 997a). Emersão de novos atores globais e crise do Estado Nacional Articuladas ao neoliberalismo, estas transformações tem sido conduzidas pelos interesses diretos de novos e poderosos atores sociais, refletindo acelerada concentração do capital, como os 358 grandes conglomerados e grupos transnacionais que controlam 40% da riqueza mundial e controlam 80 a 90% das tecnologias. Com este poderio econômico e aproveitando-se das fragilidades dos sistemas de governo mundial, têm prescindido e até inibido a participação reguladora do Estado ou do conjunto da sociedade civil na definição e implantação de políticas (RATTNER, 1997), criando o que vem sendo denominado de crise dos estados nacionais. Assimetria Sob a cortina de um mundo globalizado, de uma suposta "aldeia global" homogeneizada pela superação dos limites do espaço/tempo, esconde-se um processo estruturalmente assimétrico. Ele designa papeis e limites específicos a cada povo/segmento ou país/região/localidade, mediante nova divisão internacional do trabalho, aprofundando as desigualdades inter e intranacionais. Os países industrializados passaram a ser exportadores de tecnologia cientifica e muitos "países subdesenvolvidos" passaram a ser os "novos países industrializados", num processo desigual tanto do ponto de vista socioeconômico quanto ambiental, no tocante à distribuição dos riscos ambientais e ocupacionais (RODRIGUES apud SOBRAL, 1997). 0 Brasil, como outros países periféricos, está buscando seu ajuste a esta nova ordem mundial, de acordo com o caminho prescrito pelo Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 11 Banco Mundial e o FMI no Consenso de Washington: privatização, redução do Estado, abertura comercial, desregulação dos mercados etc. Mas, por esta proposta, serão integrados apenas os setores, os pólos dinâmicos que podem atingir os padrões de competitividade exigidos. Para os demais, não há propostas, não há horizontes (BACELAR, 1997). Que conseqüências deste processo podem ser esperadas e observadas no mundo do trabalho? De fato, tendo como base concreta a incorporação de inovações tecnológicas e organizacionais à esfera produtiva, esta revolução abre possibilidades técnicas muito importantes, como é a fantástica ampliação da comunicação humana em tempo real, representada hoje pela Internet. Outro exemplo é a oportunidade de usar as novas tecnologias para eliminar o trabalho humano em funções insalubres, penosas ou destituídas de conteúdo significativo, libertando trabalhadores do sofrimento, da doença e da morte no trabalho. Mais do que isto: olhares otimistas sobre a trajetória histórica da humanidade tentam explorar neste processo a oportunidade de realização de parte da utopia moderna, rumo à emancipação dos seres humanos do jugo do trabalho: as máquinas trabalhariam enquanto as pessoas se dedicariam ao lazer, à preguiça, à criação, às artes, à vivência solidária. Mas a questão é mais complexa e precisa ser contemplada também por outros ângulos. A Reestruturação Produtiva rompe com a hegemonia do Estado e o capitalismo de bem-estar do pós-guerra e afeta o interior do processo produtivo, a divisão do trabalho, o mercado de trabalho, o papel dos sindicatos, as negociações coletivas. Estas mudanças estão ocorrendo sem rupturas significativas com a cultura da acumulação, da exploração irresponsável da natureza e injusta dos homens. Também não se tem verificado, na maioria dos países, a necessária regulação por parte do Estado: dar direcionalidade e racionalidade a este processo, buscando as melhores alternativas de inserção do país nesta nova ordem mundial, na perspectiva do conjunto de seus cidadãos. Tendem a prevalecer, até o momento, os interesses do capital de se rearranjar por maior competitividade, questionando direitos e conquistas dos trabalhadores e das sociedades democráticas (MATTOSO, 1995). Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 12 Surgem, assim, novos problemas para o mundo do trabalho: efeitos sobre o nível e composição dos empregos, sobre as qualificações requeridas ao trabalhador, o valor dos salários e sua relação com a massa de lucro apropriada pelas empresas, as condições de trabalho, a gestão e controle da mão-de-obra e as relações sindicais (DIEESE, 1994). Outras revoluções já chacoalharam o mundo do trabalho em nossa História. Esta última produz o desemprego estrutural, resultante da desregulação da concorrência e dos mercados, da ausência de políticas macroeconômicas apropriadas, dos efeitos da globalização financeira sobre o investimento e o crescimento econômico (MATTOSO, 1995). Como dimensão da insustentabilidade deste processo, evidencia-se a transformação de boa parte dos seres humanos que vivem do trabalho em redundantes: um bilhão de desempregados no mundo de hoje confundem- se com os excluídos do acesso e do gozo de direitos e benefícios sociais mínimos. Número crescente da população - brasileira e mundial - torna-se desnecessária para o processo produtivo, o que significa falta de acesso a bens e serviços públicos, à informação e à cultura e, na falta de políticas sociais eficientemente compensatórias, a fome e até a morte (RATTNER, 1996). Mais do que isto, consolida-se um brutal aprofundamento da fragmentação da classe trabalhadora, retalhando-a em segmentos com perfis de vida muito diferenciados, como se vê a seguir: * os empregados das empresas de ponta, * os empregados das "terceiras" , * o diversificado e crescente contingente dos trabalhadores no mercado informal e * os excluídos, não só do mercado de trabalho, mas também das políticas públicas, da identidade cultural, da participação e da representação política. Há, evidentemente, uma lógica que articula estes segmentos. Ao cenário de Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 13 modernidade e sofisticação tecnológica das empresas de ponta articula-se - não como efeito colateral indesejável, mas como um dos paradigmas constitutivos deste processo - o universo das "terceiras". Na maioria dos casos, em vez de representarem um esforço articulado entre a grande e a pequena empresa no sentido de qualificar fornecedores e aumentar a qualidade dos produtos - o padrão reestruturante de terceirização, consistem de estratégias restritivas de externalização das atividades para redução de custos via precarização das relações e condições de trabalho, somada à diminuição do nível de remuneração e na perda de parte dos benefícios sociais - o padrão predatório de terceirização (DIEESE, 1994). Faz também parte deste cenário o grande e diversificado grupo de trabalhadores do mercado informal, que inclui desde os trabalhadores ligados à indústria de calçados, por exemplo, e que desenvolvem suas atividades em casa; ou os de confecções ligados a "facções" ; os camelôs, lavadores e vigias de carros nas grandes cidades; as mulheres não remuneradas no seu trabalho cotidiano de cuidar das crianças, dos idosos, dos deficientes; as crianças obrigadas precocemente ao trabalho, e tantos outros, que chegam a se igualar com a população economicamente ativa inserida no mercado formal de trabalho, ou, em algumas regiões, superam-na. Para completar este quadro, qualificado como modernização conservadora exatamente por seus graves impactos sociais, é preciso ainda trazer à cena outro grupo de trabalhadores, de fronteiras nebulosas com o anterior, que é o dos excluídos, dos desempregados, dos sem-terra, dos jovens e idosos que não conseguem acesso ao mercado de trabalho, das famílias subjugadas ao trabalho escravo no ermo das carvoarias ou das plantações de cana, dos famintos das grandes cidades, das correntes migratórias em busca de trabalho. A eles vêm juntarse trabalhadores demitidos nos processos de enxugamento das empresas - não só os menos qualificados, mas também supervisores e chefias intermediárias; categorias que se extinguem - bancários, por exemplo, de 1.700.000 trabalhadores em 1990 para 400.000 em 1995 etc. Parece, assim, que mais duas características ou tendências devem ser Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 14 acrescentadas à Reestruturação Produtiva, pela forma como vem sendo conduzida em especial nos países periféricos: Aprofundamento da fragmentação da sociedade (CARVALHO, 1997b, NEVES, s.d.). Consolidam-se segmentos com pouca mobilidade entre si, com níveis de vida muito desiguais, ao tempo em que, pela ampliação estrutural do desemprego, condena parte considerável da população à condição de desnecessária ao mercado de trabalho e de consumo - os excluídos. Agravamento da questão social, ampliação da exclusão e ameaça à coesão social Agravam-se os mecanismos geradores de desigualdades entre os segmentos sociais, ao aprofundar o abismo entre ricos e pobres. Em 1991, um "quinto mais rico da população do mundo apropriava-se de 84,7% do PIB mundial, enquanto um quinto mais pobre estava reduzido a 1,4%. Em 30 anos, a disparidade das rendas entre estes dois extremos passou, de 30 por um, para 60 por um" (SACHS,1995). Este quadro aponta para o aumento da heterogeneidade no interior das macrorregiões, coexistindo áreas dinâmicas e "integradas" com outras estagnadas (BACELAR, 1997) - o que, somado aos diversos mecanismos de quebra dos laços de solidariedade de classe no mundo do trabalho, coloca em xeque a própria sociabilidade do sistema. Quanto à dinâmica política da sociedade, entram em rigoroso questionamento as formas tradicionais de representação e defesa de interesses. 0 setor privado aperfeiçoa seu desempenho na disputa pela adesão dos trabalhadores, apelando à sua subjetividade para criar novos laços de identidade entre empresa e empregados. Os sindicatos de trabalhadores, de maneira geral, tem encontrado muitas dificuldades diante da magnitude do desafio, hoje, da defesa do emprego e dos salários, num quadro de redução da massa de trabalhadores formalmente empregados e da modificação de seu perfil. Apesar do esforço de algumas entidades em compreender o processo mais geral em curso e redirecionar suas práticas, não tem sido simples, num contexto que tende a minar a Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 15 solidariedade, adotar uma visão de classe social que ultrapasse os limites da corporação de ofício e avance na interlocução com a sociedade (ANTUNES, 1996²). São poucas as experiências bem sucedidas, por exemplo, de incorporação do universo dos trabalhadores terceirizados à agenda sindical. Há também a questão dos trabalhadores do mercado informal, com maiores dificuldades ainda de desenvolver formas ou instâncias de organização que tragam suas questões para a agenda social. Os horizontes apontam para a diversidade dos movimentos sociais e para o crescimento das Organizações Não-Governamentais, ampliando o leque de questões em debate - gênero, etnias, homossexualismo, ambiente, entre outras - e para a possibilidade de atuação articulada entre elas. Como a Globalização e a Reestruturação Produtiva rebatem sobre o campo da saúde dos trabalhadores e do meio ambiente? Que tendências podem ser observadas? A saúde humana, hoje, é profundamente marcada pela forma como se vive, no Brasil e no mundo, o processo de Globalização e de Reestruturação Produtiva, mediado pelas mudanças urbanas, as transformações no processo de trabalho e a difusão ampliada dos riscos industriais-ambientais. 0 modo de vida desenhado por este modelo redefine os padrões de saúde-doença das populações: "A incorporação de milhares de novas substâncias químicas, o aumento das plantas industriais, dos volumes produzidos e transportados e da aplicação de diversas formas de energia trouxeram, indubitavelmente, a ampliação da grandeza e do alcance dos impactos sócio ambientais das atividades humanas nas sociedades contemporâneas. Assim, os padrões de produção e consumo passaram a definir, cada vez mais profundamente, tanto o estado das águas, do ar, dos solos, da fauna e flora, quanto as próprias condições da existência humana: seus espaços de moradia e de trabalho, seus fluxos migratórios, as situações de saúde e de morte." (FRANCO e DRUCK,1997: 25) Estas autoras apontam que, nos espaços urbano-industriais - que hoje concentram mais de dois terços da população, rompem-se as fronteiras entre o ambiente intra e extra-fabril, como demonstram os acidentes industriais de grande porte. Os riscos Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 16 gerados na atividade produtiva expandem seu raio de ação, movimentam-se pelo espaço geográfico por meio de dutovias e outros meios de transporte, ampliando a população a eles exposta. A biotecnologia e novos materiais geram novos meios de agressão aos mecanismos de regulação da biosfera e lesam os organismos humanos com efeitos cumulativos que podem resultar em mutagênese, teratogênese, carcinogênese (FRANCO e DRUCK, 1997). Por outro lado, as doenças infecto-contagiosas emergentes, como a AIDS, e as reemergentes, como a tuberculose, a dengue e o cólera, vem nos lembrar o duplo perfil de morbi-mortalidade dos países periféricos, onde elas se associam às doenças crônico-degenerativas e ao crescimento das causas externas, como a violência, os acidentes de trânsito e de trabalho e as intoxicações de origem ambiental ou ocupacional. É o registro, no corpo das pessoas, da perversa sobreposição de padrões de pobreza e miséria aos padrões "modernos" de desgaste da saúde (MINAYO, 1995). Assim, é possível identificar vários rebatimentos deste processo sobre a saúde que são comuns ao conjunto da classe trabalhadora. Outros, entretanto, devem ser compreendidos na especificidade da inserção do segmento de classe considerado naquele processo, como se vê a seguir. Tendências comuns ao conjunto dos trabalhadores Retrocesso nas Políticas Sociais, como tem sido visto na questão da Previdência Social ou do financiamento do Sistema Único de Saúde, com sérios impactos sobre a qualidade da atenção prestada à saúde da população. A disputa entre os governos pela instalação de plantas industriais, apresentadas à sociedade como soluções para o desemprego, na maioria das vezes não considera seus impactos sobre o meio ambiente e as condições de trabalho, podendo levar a maior degradação ambiental e à geração de mais situações de risco. Tendência ao deslocamento dos empreendimentos para cidades de menor porte, sem tradição industrial, ampliando os territórios expostos a tensores ambientais e a Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 17 riscos ocupacionais, sem a correspondente capacitação do poder público e dos organismos da sociedade civil para seu controle. Tendência à "privatização" do controle ambiental, relegado às leis do mercado e à iniciativa privada, sem participação do Estado ou da sociedade civil, como no caso dos sistemas de certificação ISO 14000 e 9000 (SOBRAL, 1997; VILELA & IGUTI, 1997). Flexibilização das relações de trabalho, com tendência a retrocessos dos direitos conquistados e reconhecidos na legislação trabalhista, como as formas de contratação e a jornada de trabalho, com a possibilidade de intensificação do desgaste dos trabalhadores. Terceirização - cresce o número de trabalhadores ligados ao setor de serviços, onde estão expostos a riscos ocupacionais mais relacionados à carga mental e psíquica, agentes ergonômicos etc. Introdução de novas matérias-primas, produtos, tecnologias e formas de organizar o trabalho ainda não suficientemente avaliados quanto aos seus efeitos nocivos à saúde, à segurança e ao ambiente. Maior dedicação de energia do trabalhador ao trabalho: exigência de qualificação permanente, de participação na construção da competitividade da empresa. Relações no trabalho e sociais mais competitivas. Quebra dos laços de solidariedade, maior individualismo, maior solidão. Maior dificuldade para a ação coletiva e sindical, quanto às iniciativas dos sujeitos em defesa da saúde no trabalho e do meio ambiente. Tendência ao crescimento da violência, pelo agravamento da questão social, com os seus reflexos sobre o perfil de morbi-mortalidade da população: assaltos, homicídios, dependência de drogas, gangs urbanas, delinqüência juvenil e acidentes de transito. Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 18 Tendências nas empresas de ponta No tocante às relações de trabalho, as exigências de qualidade neste setor tornam necessária maior adesão dos trabalhadores ao projeto da empresa, fazendo emergir a proposta da parceria. Abrem-se assim, para algumas categorias com maior tradição de organização, maiores possibilidades de conversa entre empresários e trabalhadores, reconhecendo, de um lado, a existência de identidades e interesse distintos, ao procurar espaços de negociação delimitados pelo interesse comum na manutenção do emprego/sobrevivência da empresa. Neste segmento, podem ser observados alguns avanços na contratação coletiva do trabalho, na negociação madura da redução e da flexibilização da jornada de trabalho, com ganhos para os trabalhadores na manutenção do emprego e não-redução do salário. Há alguma abertura para ultrapassar limites impostos pela CLT e pelos padrões tradicionais de relação: pode-se, por exemplo, negociar a introdução de inovações tecnológicas e organizacionais e as condições de trabalho (DIEESE, 1994). Entretanto, existem muitos problemas para este grupo de trabalhadores. Com a introdução de inovações tecnológicas e, em especial, de novas formas de organizar o trabalho, surge a exigência de um novo perfil do trabalhador. 0 saber já possuído por ele não interessa mais, há demanda de aquisição permanente de novos conhecimentos, somada à exigência de polivalência. Possibilidade/exigência de maior iniciativa e criatividade do trabalhador no processo de trabalho. Substituição do controle de chefias e hierarquias por novas formas de controle. Nem sempre a maior qualidade do produto e produtividade implicam a melhoria da qualidade de vida e da qualidade do trabalho. Tendência ao controle dos riscos ocupacionais mais "selvagens", com possível redução dos acidentes do trabalho, inclusive os fatais e das doenças profissionais clássicas. Entretanto, podem persistir exposições a riscos ocupacionais em baixas dosagens, levando a efeitos crônicos e de longa latência, de identificação mais difícil para os níveis atuais de desenvolvimento do conhecimento. Podem-se manifestar "outros efeitos" dos riscos ocupacionais já existentes, como os neurocomportamentais, reprodutivos e até o Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 19 câncer (DIAS e LINO, 1996). Podem surgir novos riscos e agravos em relação às novas formas de organizar o trabalho (stress, hipertensão arterial, LER, sofrimento psíquico, doenças mentais). Permanecer numa empresa após um "enxugamento" pode trazer experiências e sentimentos que questionam a identidade do trabalhador: que valor tenho para a empresa? Em que medida meus esforços e os dos colegas estão sendo reconhecidos? Até onde vai o compromisso da empresa conosco? 0 medo da demissão assola os trabalhadores e gera profunda insegurança quanto ao futuro. Ele sobrepõe-se à preocupação permanente em "garantir-se" no emprego, num clima de "salve-se quem puder" que deteriora as relações humanas no trabalho e submete os trabalhadores a um cotidiano estressante. Tendência à redução da jornada de trabalho, com repercussões sobre tempo de lazer, convivência familiar e social, hábitos culturais. Possibilidade de reflexo sobre o perfil de morbi-mortalidade: acentuar tendência já verificável de aumento das doenças mentais, psicossomáticas, cardiovasculares e crônico-degenerativas. Tendências na terceirização predatória Já no segmento das "terceiras" o que se observa é a implantação do padrão predatório de terceirização, deixando de cumprir até mesmo os preceitos da CLT e precarizando as relações e condições de trabalho. Várias categorias têm denunciado a proposta empresarial de parceria de mão única, voltada para a flexibilização de direitos sem negociação de ganhos também para os trabalhadores. 0 desemprego crescente pressiona o trabalhador empregado a aceitar... Os sindicatos vão se enfraquecendo, fragmentados entre diversas categorias/entidades numa mesma empresa. Condições de trabalho já precárias, agravadas pela redução de custos com pessoal, segurança, prevenção, treinamentos. Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 20 Tendência à redução dos benefícios sociais, como fornecimento de transporte, alimentação etc. Os convênios de assistência médica podem ser revistos, em favor de grupos que ofereçam menores preços, em detrimento da qualidade do serviço prestado. Há a possibilidade de suspender também este tipo de benefício, empurrando os trabalhadores para o sistema público, no qual a prestação de serviços encontra-se prejudicada pelas dificuldades de financiamento. Intensificação de ritmos de trabalho, prolongamento das jornadas, aumentando o tempo de exposição aos riscos ocupacionais e o desgaste dos trabalhadores. Exposição profissional a altas doses de agentes tóxicos, com efeitos agudos e de curta latência, paralela à exposição a baixas doses, com efeitos crônicos e de longa latência. Alta incidência de acidentes de trabalho, inclusive fatais, e das doenças profissionais clássicas (DIAS e LINO, 1996). Deterioração da qualidade de vida: redução do numero de horas de sono e repouso, baixa qualidade alimentar e de moradia. Possibilidade de reflexo sobre o perfil de morbi-mortalidade: manutenção ou aumento das doenças infecto-contagiosas, parasitárias e carenciais, superpondo-se as crônico-degenerativas e da violência, reforçando o duplo perfil epidemiológico. Excluídos 0 agravamento da questão social aponta para a deterioração progressiva das condições de sobrevida em todos os seus aspectos. A isto soma- se a limitação e a ineficiência das políticas sociais de mitigação da miséria. Taxas de mortalidade infantil elevadas, expectativa de vida inferior à dos outros grupos sociais, desnutrição, doenças infecto-contagiosas emergentes e reemergentes. Exposição a condições socioambientais mais precárias: moradia em áreas de risco, Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 21 vivência nos centros e periferias das grandes cidades, com seus riscos de poluição e violência, em particular para as mulheres e as crianças (prostituição, drogas, gravidez em adolescentes, doenças sexualmente transmissíveis etc.). Degradação intensa da dignidade humana, com repercussão na identidade dos indivíduos, na coesão das famílias, no futuro dos jovens. 0 sofrimento psíquico do desempregado: o constrangimento, a crise de identidade, a perda da auto-estima, a depressão e até o suicídio (SELIGMAN, 1997³). À guisa de conclusão: novas perguntas Não seria correto cair no determinismo tecnológico e execrar as novas tecnologias como os demônios responsáveis por nossos males. Os impactos das tecnologias dependem das políticas sociais que acompanham sua implantação (NEVES, 199l). Quais as nossas finalidades? Guattari nos interpela: "A do desemprego, da marginalidade opressiva, da solidão, da ociosidade, da angústia, da neurose, ou a da cultura, da criação, da pesquisa, da reinvenção do meio ambiente, do enriquecimento dos modos de vida e de sensibilidade" (GUATTARI, 1990). Se queremos usufruir coletivamente dos potenciais benefícios da tecnologia, teremos de encontrar e viabilizar respostas para muitas perguntas. Como garantir o sustento de milhões de trabalhadores tornados desnecessários ao processo produtivo? Como aproveitar estas possibilidades para melhorar a qualidade de vida no trabalho - enriquecendo seu sentido humano - e fora dele? Como construir a via da inclusão? Como dar sentido às nossas vidas sem a ética do trabalho, que tem nos regido há séculos? Há quem diga que estamos nos umbrais de uma nova era: privilégio estar vivo, testemunhar e poder influenciá-la! Se o devir é aberto, se os caminhos da História não estão predeterminados, então podemos participar no desenho do futuro: a perplexidade se transforma em desejo de descobrir jeitos de aproveitar destes avanços da modernidade para reinventar e construir, juntos, modos de vida mais Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 22 humanizados, mais solidários, mais ricos... "Nenhuma teoria da transformação político-social do mundo me comove, sequer, se não parte de uma compreensão do homem e da mulher enquanto seres fazedores da Historia e por ela feitos, seres da decisão, da ruptura da opção. A grande força sobre que deve alicerçar-se a nova rebeldia e a ética universal do ser humano e não a do mercado, insensível a todo reclamo das gentes e aberta apenas à gulodice do lucro. É a ética da solidariedade humana" (FREIRE, 1997) Referências bibliográficas BACELAR, Tânia. 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Sua pretensão é de relacionar de uma maneira holística o homem e seu ambiente ou, mais genericamente o sujeito e o objeto, fazendo uma ciência fenomenológica que extraia das essências a sua matéria prima. É sob esta perspectiva que serão encaminhadas as reflexões contidas neste texto. Antes de tudo cabe dizer que a fenomenologia e a geografia tem, em planos diferentes, objetivos convergentes: o de estudar a constituição do mundo. Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 25 Como a fenomenologia se propõe a efetuar este estudo? Ela procura levantar as experiências concretas do homem e encontrar nestas experiências uma orientação que não as limite a uma simples sucessão. Ela não se atém a estudar as experiências do conhecimento, ou da vida tais como se apresentam na história. Sua tarefa é de: "analisar as vivências intencionais da consciência para perceber como aí se produz o sentido dos fenômenos, o sentido do fenômeno global que se chama mundo" (DARTIGUES. 1973, 30). Análise que parte do princípio da intencionalidade, incluindo o mundo na consciência, caracterizando uma nova relação entre o sujeito e o objeto definida por sua correlação, que não se configura em um só objeto, mas no mundo inteiro, como ser-envolvido-no-mundo. A intencional idade torna possível a redução fenomenológica, a "colocação entre parênteses" da realidade como é concebida pelo senso comum. A redução fenomenológica nos remete às experiências e ao mundo originais, sem considerar as teorias que lhe foram acrescentadas pelas ciências. Nos colocando duas questões: o da constituição do mundo, que interessa diretamente aos que estudam a geografia; e o da distinção entre ciência fenomenológica e ciência positivista. A razão cartesiana baseia-se na dúvida metódica e atribui apenas às ciências naturais oque é racional, objetivo e científico. Ela sustenta que só os conceitos de quantidade são objetivos, daí a atribuição do que é racional à matemática e à física. Para a fenomenologia a razão objetiva se refere a existência humana. independentemente de que possa ser expressa em categorias de quantidade. A filosofia cartesiana, segundo a fenomenologia, provoca a matematização da natureza, iniciada por Galileu, e a ruptura entre o mundo da ciência e o mundo da vida. O projeto da fenomenologia é de reaproximar as ciências de nossas vidas, ações e projetos, a partir das experiências ante-predicativas (anteriores aos conceitos e aos juízos), ou seja, relativas à percepção do mundo e de seus objetos enquanto fundamentos dos conceitos. Deve-se aqui abrir um breve parêntese e distinguir a experiência do experimentalista (experiência sobre o fenômeno), da experiência do fenomenólogo (experiência do fenômeno). A primeira só tem sentido quando fundamentada na segunda. Assim, a Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 26 ciência empírica tem como fundamento o que a fenomenologia denomina de ciências essenciais ou eidéticas. Para chegar às essências a fenomenologia procede a variações imaginárias, que consistem em, no pensamento, fazer variar as características de um objeto ou realidade até que se obtenha o que é invariável - a possibilidade de designação deste fenômeno, ou seja, sua própria essência. As variações reais, por sua vez, derivam das experimentações, da pesquisa empírica e dedutiva. Este processo de variações imaginárias. denominado redução eidética, permite a distinção entre fatos e essências, onde o fato é colocado "entre parênteses" deixando que apareça a idéia. o sentido. As essências são tantas quantas forem as significações que possamos produzir. Seus veículos são a percepção, o pensamento, a memória e a imaginação, dando a estas significações um caráter universal, intersubjetivo e absoluto. Este modo de apreensão é o mesmo das ciências cartesianas: elas também iniciam por estabelecer uma rede de essências, de significados primitivos, que são confrontados com as experimentações. Há, pois, um relacionamento, que não é de simples sucessão, entre o processo eidético e o processo experimental. Neste contexto, a tarefa da fenomenologia é de estudar e classificar em "regiões" os diversos tipos de essência, ou seja, de proceder a uma ontologia regional. Ela foi definida por Husserl como: "...idéia de que há muitas atitudes no sujeito intencional, irredutíveis umas às outras. A intencional idade científica, artística, política. técnica, ética e religiosa é sempre um 'relacionamento' original e irredutível. Isso implica também que o 'mundo' como correlato da intencionalidade não é construído monisticamente .... Os 'mundos' que decorrem de uma atitude científica, artística, política, ética ou religiosa do sujeito intencional são esferas específicas do ser, 'regiões' nas quais os objetos concordam entre si por um específico ser-assim"(LUIJPEN, 1973, 178). Para Husserl essa meta seria atingida quando a individualidade fosse ultrapassada e se chegasse ao caráter plenamente objetivo deste "mundo", o que é conseguido quando se compreende a sua constituição para uma pluralidade de sujeitos - sua constituição intersubjetiva. A intersubjetividade acontece no momento em que o corpo, como elemento móvel, coloca-se em contato com o exterior e localiza o outro, comunicando-se com outros homens e conhecendo outras situações. Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 27 Vistas estas definições, fundamentais para a compreensão deste texto, vou me deter na geografia enquanto ciência das essências, e em conceitos que podem constituir a sua região, como os de paisagem e lugar, território e ambiente. Notem que nos parágrafos acima, sem falar especificamente da geografia, utilizei diversas palavras que tem como essência significados espaciais ou, como prefiro, geográficos, tais como: mundo, região e situação. Estes termos foram utilizados por filósofos e outros cientistas sociais, e por si mesmos demonstram como a geografia é uma ciência essencial ou eidética. Um problema que se coloca quando nos direcionamos para a fenomenologia é que não podemos nos restringir às denominações positivistas para as diversas ciências. A classificação cartesiana baseia-se em quantidades e métodos empíricos de mensuração. A ciência das essências se refere à existência humana e a nossa experiência do mundo. Há, ainda, a divisão entre essências exatas, que se relacionam indiretamente com a vivência, produzindo construções; e essências morfológicas, que exprimem nossa vivência e têm por base a sua descrição. As primeiras se referem à lógica dedutiva e à lógica das significações (gramatical); as outras se referem ao percebido, ao imaginário, à consciência, à essência dos objetos materiais, culturais, sociais, etc. Deste modo, no plano das essências exatas, posso concordar com o filósofo quando afirma que "todo objeto natural tem por essência ser espacial, e a geometria é a eidética do espaço" (GILES, 1975, 154). Mas, no plano das essências morfológicas, estudadas pela ontologia regional, a eidética do espaço é a geografia, e a sua essência pode ser definida pelo que DARDEL (1990) chamou de geographicité (que pode ser traduzido por geograficidade). A geograficidade não se refere ao espaço como constructo, ela se refere ao espaço geográfico que, como observa Dardel, "tem um horizonte, um modelado, cor, densidade .... Ele é sólido, líquido ou aéreo, largo ou estreito: ele limita e ele resiste" (DARDEL, 1990, 2). A geograficidade, enquanto essência, define a relação do serno-mundo, e não do ser-no-espaço. Isto é fácil de compreender a partir da consulta a qualquer dicionário, onde o espaço é definido como: "distância entre dois pontos, ou área ou volume entre limites determinados; ou, lugar ... cuja área pode conter alguma coisa; ou, extensão indefinida; ou, o próprio Universo". Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 28 A palavra "mundo" é fundamental para que se compreenda a relação entre a ciência geográfica essencial, ou fenomenológica, e a sua essência, que pode ser denominada geograficidade. Vejamos uma das definições para mundo: "... a percepção é sempre percepção da coisa total, compreendida num campo mais amplo, o qual por sua vez, é abrangido em um horizonte de significados mais distantes. O conjunto desse complicado sistema de sempre mutáveis significados 'próximos' e 'longínquos' ligados aos sempre mutáveis momentos de atualidade e potencialidade da percepção, eis o que se chama 'mundo' na fenomenologia." (LUIJPEN, 1973, 106). A partir desta definição podemos nos deter em um dos conceitos que estão em discussão neste texto: o de meio ambiente ou, como prefiro, de ambiente. O ambiente, como muito bem coloca Rapoport, pode ser definido como "qualquer condição ou influência situada fora do organismo, grupo ou sistema que se estuda" (RAPOPORT, 1978, 25). Tuan o define como: "As condições sob as quais qualquer pessoa ou coisa vive ou se desenvolve; a soma total de influências que modificam ou determinam o desenvolvimento da vida ou do caráter" (TUAN, 1965, 6). O próprio Tuan, no entanto, nos lembra que a palavra "environment" origina-se do francês "environnement" , onde tinha o significado do "ato de circunscrever" ou "daquilo que nos rodeia" - seria a paisagem? A palavra podia também equivaler a "monde ambiance" r como era utilizada por St-Hilaire e pelo" Oictionnaire de I'Académie Française", de 1884. Podemos ver que o termo "ambiente", em sua origem, tinha um sentido bem mais amplo. Possuía uma relação dialética com a palavra "mundo" r assim como com o termo "paisagem". Sua apropriação pelas ciências cartesianas e positivistas lhe impôs uma restrição: impediu-se que ele abarcasse ao mesmo tempo o sujeito e o objeto. O termo ambiente, para a geografia escrita em português, ficou com o sentido de "suporte físico imediato" ou de "sistema de objetos que percebemos de imediato a nossa volta". Os que se utilizam da língua portuguesa parecem ter sido os únicos a se dar conta de quão restrito pode ser o termo "ambiente". Associaram-no então à palavra "meio" , provavelmente via língua francesa, que há muito utiliza-se do termo "milieux" , ainda que também com a conotação de suporte físico. Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 29 Chatelin nos ensina que: "Meios e paisagens são formados desses objetos que todo mundo pode ver, que alguns estudam, e que todos utilizam de diversas maneiras: as árvores e as terras, as rochas e as colinas ... Pensar os meios e as paisagens, é empreender a reunificação ou de colocar todas as atitudes que se pode adotar, em face destes objetos. para perceber, compreender sentir e se exprimir" (CHATELlN. 1986, 1). A palavra "meio ambiente" amplia a escala: o "meio" é mais amplo do que o "ambiente". Mas, continua a se considerar apenas o suporte físico e os objetos, ou traços, que o identificam. Ao homem é reservado o papel de mero espectador: o que percebe, compreende, sente. Esta expressão "meio ambiente", assim como a de meio, a de ambiente, e as mais "sofisticadamente científicas", como ecossistema egeossistema, foi tomada de empréstimo pela geografia de outras ciências, notadamente da biologia, que tem o homem como um entre os milhões de seres vivos que são seu objeto de estudo. A geografia tem um termo que me parece muito mais rico e apropriado para o seu campo de estudo. Esta palavra incorpora ao suporte físico os traços que o trabalho humano, que o homem como agente, e não como mero espectador, imprime aos sítios onde vive. Mais do que isso, ela denota o potencial que um determinado suporte físico, a partir de suas características naturais, pode ter para o homem que se propõe a explorá-lo com as técnicas de que dispõe. Este é um dos conceitos essenciais da geografia: o conceito de "paisagem". A paisagem, assim como o lugar e a região, é um desses termos que permitem à geografia colocar-se como uma das ciências das essências nos moldes propostos pela fenomenologia. Ela nos remete para o "mundo" que, como coloca TUAN (1965), é um campo que se estrutura na relação do eu com o outro, o reino onde ocorre a nossa história, onde encontramos as coisas, os outros e a nós mesmos. Neste campo de relações o corpo representa a transição do "eu" para o mundo, ele está do lado do sujeito e, ao mesmo tempo, envolvido no mundo. O corpo constitui O ponto de vista do ser-no-mundo. Desta relação fundamental, que é com certeza, geográfica, devem brotar os conceitos essenciais a serem utilizados pelos geógrafos. Vejamos como o território pode vir a ser um deles. O "território" tornou-se um conceito científico a partir da etologia. Um ornitólogo estabeleceu a primeira definição de territorialidade: "a conduta Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 30 característica adotada por um organismo para tomar posse de um território e o defender contra os membros da própria espécie" (HOWARD, 1920; citado por BONNEMAISON, 1981,253). SACK (1983) afirma que a definição mais comum para territorialidade é mesmo a de defesa de uma área. Defender uma área, nos diz ele, apresenta-se como sendo uma meta em si mesma ou um meio para exercer controle específico sobre algum aspecto da ação humana. O próprio Sack não aceita esta definição, achando-a demasiado simplista. Para ele, a territorialidade baseia-se no princípio da ação pelo contato e todas as relações territoriais devem ser definidas no contexto social de um acesso diferenciado às coisas e às pessoas. A territorialidade é "a tentativa de um indivíduo ou grupo (x) de influenciar, afetar ou controlar objetos, pessoas e relacionamentos (y) pela delimitação e pela afirmação de seu controle sobre uma área geográfica. Esta área é o território" (SACK, 1983: 56). Esta definição nos coloca vários problemas ao ser analisada segundo os parâmetros da fenomenologia. Primeiramente porque, apesar de afastar-se da definição oriunda da etologia (adequada, talvez, aos animais, mas nunca aos seres humanos), ela se refere ao que RAPOPORT (1978) denomina de "ambiente percebido", que relacionase com as noções de "ambiente do comportamento" (enunciado por Tolman em 1948); "espaço vital" (como foi proposto por Lewin em 1951); ou de "Umwelt" (como sugeria Von Uexküll em 1959). Este "ambiente percebido" , como na definição de Sack, constitui-se a partir do espaço de ação das pessoas, restringindo o território as áreas que são objeto de sua atuação direta. Outra questão é que, centrando sua definição nas relações de poder e no acesso diferenciado às coisas e às pessoas, praticamente se exclui a possibilidade de grupos com organização estruturada em outras bases possuírem uma territorialidade ou um território. O próprio Sack admite que existem ações não-territoriais que se relacionam dialeticamente com as territoriais, mas não as define. Coloca-se, então, o problema de se, por exemplo, os povos tradicionais ou os povos nômades possuem territorialidade ou território a partir desta definição. Temos outro problema: o de que tanto os etólogos quanto Sack definem com facilidade apenas a territorialidade enquanto um processo social, mas a relacionam Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 31 apenas vagamente com uma "área geográfica", denominada "território" , onde este processo se desenrola. Uma ciência que tem como essência a geograficidade não pode tomar as definições dadas acima para território e para territorialidade como fenomenologicamente geográficas. Elas podem ser tratadas, no máximo, como uma interface com outras "regiões" afins de um mesmo campo essencial morfológico. Existem, no entanto, outras possibilidades de definição do território que são essencialmente geográficas. O primeiro passo, nos aponta Bonnemaison, é nos afastarmos da definição que a etologia deu para o território: qual seja, a de associálo a uma apropriação biológica de uma área que se torna exclusiva de determinados membros de uma espécie, a partir da delimitação de uma fronteira. Para ele, "as sociedades humanas têm uma concepção diferente do território. Ele não é forçosamente fechado, ele não é sempre um tecido espacial unido, ele não induz somente a um comportamento necessariamente estável" (BONNEMAISON, 1981, 253). O segundo passo, como nos aponta Lacasse (1996), é de relativisarmos as concepções de território, aceitando que elas possam acontecer em grupos sem governo constituído ou que não tenham políticas territoriais definidas. Lacasse, ao estudar os Innus (esquimós), observou que eles não conhecem a apropriação privada e não possuem em seu vocabulário termos como propriedade, posse ou direito de propriedade. Para os Innus, o território é a vida. Sua noção de território deriva da ordem costumeira, "que faz referência aos laços afetivos que eles mantêm com a terra. E, nesta ordem, a terra é o lugar de sua cultura" (LACASSE, 1996, 189). O território, para os Innus, é objeto de gestão, do qual eles são os guardiões. Esta concepção de território tem como base o "lugar" , este sim um conceito essencial para a formulação de um "mundo" pessoal ou intersubjetivo, e que portanto interessa aos que se propõem a fazer uma geografia fenomenológica. Voltemos a Bonnemaison. Ele observa que: "... um território, antes de ser uma fronteira, é um conjunto de lugares hierárquicos, conectados por uma rede de itinerários ... No interior deste espaço-território os grupos e as etnias vivem uma certa ligação entre o enraizamento e as viagens .... A territorialidade se situa na junção Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 32 destas duas atitudes: ela engloba ao mesmo tempo o que é fixação e o que é mobilidade ou, falando de outra forma, os itinerários e os lugares" (BONNEMAISON, 1981, 253-254). O autor vai mais longe, observando que a territorialidade é melhor compreendida através das relações sociais e culturais que o grupo mantém com esta trama de lugares e itinerários que constituem o seu território, onde os conceitos de apropriação biológica e o de fronteira têm validade, no mínimo, limitada. Para muitas culturas o território pode ser visto como um "arquipélago": "uma coleção de lugares denominados e apropriados geograficamente, dispersos e assentados em espaços de contornos indistintos, que são limitados não por linhas, mas por alguns pontos notáveis: rochedos, árvores, desníveis, etc." (BONNEMAISON, 1981,254). Outro ponto levantado pelo autor é o da importância em se distinguir as relações culturais das relações sociais. Ele nos diz: "O espaço social é produto, o espaço cultural é estímulo. O primeiro é concebido em termos de organização e de produção, o segundo em termos de significação e de relação simbólica. Um emoldura, o outro é o portador do sentido" (BONNEMAISON, 1981, 255). Concordamos com o autor de que a territorialidade não pode ser reduzida ao estudo do sistema territorial, ela é a expressão dos comportamentos vividos, ou se preferirmos, da constituição dos mundo pessoal e intersubjetivo, englobando a relação do território com o desconhecido - o espaço estrangeiro. Conclui-se que, tomando-se os lugares como constituintes essenciais do território, e procedendo-se à investigação dos modos intersubjetivos dessa constituição, estaremos nos proporcionando a tarefa de fazermos uma geografia voltada para a sua essência, a do estudo do espaço geográfico. No caso do território caberia à geografia, juntamente com outras ciências, delinear suas diferenças, a diversidade de suas identidades culturais. Se desprezarmos esta tarefa essencial da geografia, que é de delinear a constituição integral do "mundo", reduziremos nossa disciplina, no caso do estudo território, a um mero ramo da etologia. Estaremos então, destinados, enquanto tributários da ciência cartesiana, aos limites que o espaço impõe ao estudo das nações, dos estados, ou da ordenação mundial de fronteiras sejam elas econômicas, tecnológicas ou políticas. Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 33 Estaremos conceitualmente desarmados para uma análise das alternativas à um planeta uniformizado economicamente e culturalmente, ou seja, onde atitudes de aproximação com o mundo e com os outros são todas planejadas por quem detém a informação e o poder. Estaremos, enquanto estudiosos da geografia, sem argumentos para contrapor àqueles que vêem o território como uma correlação entre poderes determinada tão somente por algum sistema econômico, e com isso não saberemos educar os que nos sucederão para que respeitem aqueles que compreendem que o território deve ser gerido como um todo intersubjetivo, considerando toda a vida que há na Terra, considerando-a como um mundo. Bibliografia BONNEMAISON, Joel (1981): "Voyage Autour du Territoire". In: l'Espace géographique, 10 (4): 249-262. CHATELlN, Yvon (1986): "Avant-propos." In: BLANC-PAMARD et alii (eds.). Milieux et Paysages: essai sur diverses modalités de connaissance. Paris, Masson, p. 1-3. DARDEL, Eric (1990): I'Homme et la Terre - nature de la réalité géographique. Paris, Ed. CTHS, 199 p. (P ed. Paris, PUF, 1952). DARTIGUES, André (1973): O que é a Fenomenologia. Rio de Janeiro, Eldorado, 163 p. GILES, Thomas R. (1975): História do Existencialismo e da Fenomenologia. São Paulo, EPU/EDUSP, 2 v. 302 p. (v 1). LACASSE, Jean-Paul (1996): "Le Territoire dans I'Univers Innu d'Aujourd'hui". In: Cahiers de Géographie du Québec, 40 (11O): 185-204. LUIJPEN, Wilhelmus A. M. (1973): Introdução à Fenomenologia Existencial. São Paulo, EPU/EDUSP, 400 p. RAPOPORT, Amos (1978): Aspectos Humanos de la Forma Urbana: hacia uma confrontación de las ciencias sociales con el aiseôo de la forma urbana. Barcelona, Ed. Gustavo Gilli, 381 p. SACK. Robert D. (1983). "Hurnan Territoriality: A Theory". Anna/s of the Association of American Geographers, 73 (1): 54-74. TUAN, Yi-Fu. (1965). "Environment and World". In: ProtessionalGeographer, 17 (5): 6-7. Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 34 Ciência & Saúde Coletiva Print version ISSN 1413-8123 Ciênc. saúde coletiva vol.8 no.1 Rio de Janeiro 2003 doi: 10.1590/S1413-81232003000100024 SAÚDE E AMBIENTE NO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO Prof. Dr. Milton Santos (in memoriam) USP Conferência magna proferida no I Seminário Nacional Saúde e Ambiente no Processo de Desenvolvimento, em 12 de julho de 2000. No ano de 2002 perdemos nosso grande companheiro Milton Santos, intelectual brilhante, cuja obra seminal ultrapassou as fronteiras brasileiras e com certeza, influenciará ainda muitas gerações, na forma de pensar a geografia e a sociedade. A presença de Milton Santos na área da saúde se deveu muito a um movimento, que se intensificou na década de 1990, de articular os eventos e agravos aos Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 35 espaços socioculturais e econômicos nos quais acontecem. E também, se deve à clareza de seu pensamento sobre o lugar da ciência e da técnica na sociedade. Sua arguta capacidade crítica está presente no texto que vem abaixo, proferido em um dos eventos do Centenário da Fundação Oswaldo Cruz. A única justificativa para minha ousadia de estar aqui é o fato de que o que une as disciplinas todas é o mundo. E o mundo se havendo tornado acessível a todos nós, neste fim de século, fez que a filosofia se colocasse à disposição dos não filósofos, abrindo espaço para que a filosofia produzida em cada campo do saber seja operacional. Acredito que o convite que me foi feito vem do fato de que não sou outra coisa senão um geógrafo. Um geógrafo que se dedicou ao longo da vida, com a sorte de viver até o fim do século, às coisas do mundo, agora que o mundo decidiu colocar-se ao alcance da nossa mão. Isso me permite alguns atrevimentos. Primeiro, vai ser exatamente o de expor o que eu penso. O termo "meio ambiente" me incomoda profundamente. Não é uma questão corporativa; é que meio ambiente se constitui apenas uma metáfora, portanto não se pode teorizar a partir dessa noção. O que há é o meio, que por simplificação às vezes se chama meio ambiente, o que constitui também uma redução. Uma redução que, como a expressão está dizendo, limita o raciocínio e pode trazer um perigo de equívoco que desejamos ultrapassar: ou seja, desejamos sair de uma acepção puramente técnica do viver e alcançar essa visão global sem a qual o humanismo pode ficar no discurso e ser portador de uma moralidade. O que distingue a moralidade é que ela é o fundamento da política, e nada se resolve a partir do domínio da técnica sem que o dado político seja posto em primeiro lugar. Quando eu falo em política não estou me referindo à política com o "p" minúsculo da qual estamos desgraçadamente muito longe, mas àquela outra que é o desejo dos homens que pensam e que desejam e que pretendem, com o seu trabalho, melhorar o mundo para que melhore o seu país e o seu lugar. Na realidade, a geografia, minha disciplina, tem algumas responsabilidades nisso, porque trabalhamos durante um século a partir da vertente européia, com visões que, na realidade, mais prejudicam que iluminam o debate da história do presente. Uma dessas visões é a visão do território Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 36 freqüentemente confundida com a visão do ambiente. Na realidade, território também não é uma categoria analítica. A categoria analítica é o território usado pelos homens, tal qual ele é, isto é, o espaço vivido pelos homens, sendo também, o teatro da ação de todas as empresas, de todas as instituições. Desse espaço humanizado, as cidades são hoje a grande representação e a grande esperança. Eu queria fazer essa primeira consideração, pois ela se impõe para que não tenha eu que recorrer, cada vez, a uma nota de pé-de-página. A mensagem mais importante que gostaria de passar é que a busca da utopia é algo ancestral e companheiro do homem. O que distingue o ser humano dos outros animais não é o dedão, é exatamente o fato de que ele é portador de utopia. Eu sei que hoje se costuma ridicularizar quem fala em utopia, mas não me preocupo em insistir que sem ela não vale a pena viver, e sem ela também é impossível pensar, porque o pensamento não é produzido a partir do que houve, nem do que há. O pensamento portador de frutos é produzido a partir do que pode ser. É isso que nos reúne aqui, nesta sala, e é isso que reúne os homens de boa vontade em toda a parte. Ora, essa utopia secular, milenar, expressa de diferentes maneiras, pelas diferentes civilizações, codificadas pelos filósofos, tende a acabar com o século 20, que agora se esquiva dela graças ao fato de que o prometido casamento entre a técnica – isto é, modos de fazer – e a ciência – produção na mente dos modos de fazer a partir dos modos de ser – começa a se tornar algo impossível. Ora, os homens e mulheres, perdão, as mulheres e os homens que se ocupam da questão da saúde são, possivelmente, entre todos nós, aqueles que mais claramente se devotam à utopia, uma vez que cuidam do bem-estar e da dignidade da vida humana. Esses sonhos e essas visões que eles e elas portam foram capazes de transformar a esperança dos cientistas no começo do século numa coisa viável, num presente construído a partir do pensamento científico. A área da saúde é responsável por um belo momento da história da humanidade, belíssimo momento da história da ciência que buscou alicerçar as condições pelas Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 37 quais a vida se tornaria não apenas mais longa, mas também mais digna de viver. Essa busca de possibilidades da medicina se baseou numa ciência em que houve um encontro entre preocupações morais e preocupações científicas. A discussão presente na ética do trabalho do cientista não se imporia, como hoje, da forma que começa a se impor, exatamente porque o cientista era cauteloso diante do que produzia, difundia, propunha: a moral era a grande fiscal das realizações intelectuais. Isso também tinha relação com o fato de que o mercado que existia – já que o capitalismo, este breve momento da história da humanidade, dura 500 anos, por conseguinte, é mais velho do que a institucionalização da ciência – era circunscrito pelas fronteiras e regulado por um estado nacional. O mercado era um monstro domado, era um grande selvagem todavia domesticado. E as ideologias tinham livre curso, uma vez que as grandes revoluções foram presididas por grandes produções de idéias. As idéias filosóficas precediam a produções das idéias políticas, que precediam a produção da política. Por isso hoje também, talvez, devamos levar em conta que uma idéia que brota aqui ou ali, e parece frágil num primeiro momento, pode ter força. Esse é o único alento que têm os que trabalham intelectualmente: a consciência de que podem ficar sozinhos, porque sozinhos não estão, têm a companhia do futuro que ajudam a gestar através exatamente da produção de idéias generosas. As idéias libertárias e igualitárias e a ambição universalista levaram, depois da guerra, sobretudo, a que se tornassem gêmeas, as místicas do desenvolvimento e da civilização. É importante assinalar isso, porque, esse momento que tive a oportunidade de assistir e viver, batalhando com tantos outros na busca dessa civilização nova, desse desenvolvimento que ganha então uma expressão contraditória em relação ao crescimento econômico, essa distinção necessária entre os dois conceitos, é que vai marcar a história do mundo na metade do século 20. Esse momento, por outro lado, é muito rico porque permite aflorar uma grande quantidade de postulações que leva ao debate mais filosófico da questão da vida. É aí que incluo a saúde. Evidente que a saúde pode ser tratada do ponto de vista técnico, mas é importante que o seja também do ponto de vista filosófico, subordinando as práticas e os recursos. É preciso lembrar que a palavra Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 38 recurso não tem valor por si própria, ela é um termo do vocabulário da política. Cada vez que tratamos a questão dos recursos com autonomia, estamos abandonando a utopia, por conseguinte estamos renunciando a ser humanos. Ora, a questão da saúde, como a da alimentação e a do bem-estar, foi no primeiro momento tratada segundo critérios deterministas. Essa é uma das razões pelas quais a palavra ambiente me choca, me aborrece. Com freqüência ela conduz a uma deriva determinista e por isso creio ser preciso retomar o debate na sua raiz. Foi essa questão do determinismo que levou, por exemplo, à conceituação das chamadas doenças tropicais. Tive há alguns anos um privilégio, digamos assim, de haver ensinado na Universidade de Bordeaux, cujo Instituto de Geografia se chamava ou se chama Instituto de Geografia Tropical, como se houvesse uma ciência social tropical e uma ciência social temperada. São formas de raciocínio próprias ao racismo, mais ou menos velado, dos europeus e que estão presentes também na vida acadêmica e na produção intelectual. É como se houvesse uma vontade de dizer: "as culpas das suas dores são suas. Nós pretendemos aliviá-las mas vocês são como são". Essa idéia da geografia tropical foi que me conduziu a escrever um livro, do qual cada capítulo se tornou depois um novo livro, desmistificando o racismo implícito. Ele se chama O trabalho do geógrafo no Terceiro Mundo. E hoje, devo dizer isso agora, esse livro é a crítica que eu fazia à geografia ensinada naquela faculdade. Essa idéia de doenças tropicais que também levou a um certo paralelismo entre a noção de trópico e noção de uma higiene dificultada pela tropicalidade. Da mesma forma, a questão alimentar, que já então preocupava as pessoas de boa vontade, também era apontada como um problema e uma questão da regionalização. Ou seja, haveria regiões fadadas a ter fome e outras fadadas a ter abundância. Critiquei a dicotomia racista e preconceituosa que considerava normal e evidente que os europeus se organizassem inteligentemente, e nós, naturalmente, em parte em culpa de nossa tropicalidade e em parte devido a nossa precariedade intelectual, não poderíamos ultrapassar nossos limites. É aí que surge Josué de Castro, jamais suficientemente lembrado por nós. Ele teve a má sorte de morrer quando o Brasil era um país em pleno caminho para Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 39 um regime autoritário e morrer na França, que, nesse momento abandonava sua vocação universalista. Então ele se foi sem o brilho que se costuma dar aos grandes homens quando eles desaparecem. E até hoje nós não conseguimos resgatá-lo condignamente. Quero dizer que Josué de Castro sugeria uma mudança fundamental na visão do mundo e das coisas, inclusive na questão saúde, deslocando o problema do chamado ambiente e recolocando a questão no domínio da sociedade e da sociedade internacional. Razão pela qual ele acusava o Ocidente do que hoje acusamos nós, isto é, essa vontade deliberada de genocídio através da vontade de poder. Não é de estranhar que Josué de Castro não tenha tido o prêmio Nobel, geralmente outorgado a quem faz o possível para dar impressão que está cuidando da humanidade. A idéia da natureza natural iria nos perseguir permanentemente. A história comprova que a natureza natural tem um papel, evidentemente. Ninguém vai desconhecer, no entanto, que ele não é central na história; sobretudo hoje, cada vez menos. Ao mesmo tempo, a universidade era marcada pelo livre-pensar – coisa que cada vez é menos – e a cooperação internacional, em matéria de pensamento, era possível. Nós sabemos que hoje é quase impossível cooperar com os nossos colegas do Norte, por motivos que não vou analisar agora, porque as nossas universidades nos pedem que sejamos cada vez mais amiguinhos dos colegas de lá para aumentar os nossos títulos. Então somos convidados a um expediente de safadeza cotidiano para obter as promoções. Não sei o que acontece no Equador, Cuba, mas no Brasil é muito freqüente que o que você faz seja diferenciado pelas categorias "nacional" e "internacional". Ou seja, o que se faz aqui nunca é internacional? Equivocadamente os valores são atribuídos a quem poderia ser transferido para o Ministério do Turismo em vez de permanecer no Ministério da Educação ou da Ciência e Tecnologia. Essa época que estamos vivendo nos leva à necessidade de imbricação crescente de várias questões e a uma vontade de teorizar, que se mostra necessária em todos os domínios: teorizar a população, teorizar a urbanização, teorizar a nutrição, teorizar a saúde pública, teorizar o desenvolvimento. Essas teorias, tempos atrás, eram imbricadas umas com as outras porque o elo central era exatamente o mundo, que é a unidade de pensamento de problemas. Mas hoje tudo o que era baseado numa Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 40 solidariedade internacional e numa luta civilizatória deixou de existir. Daí a contribuição fundamental à questão da saúde, dada por desenvolvimentistas, terceiro-mundistas, antiimperialistas, no fim dos anos 60 e no começo dos anos 70. Perdoem-me os que são muito jovens, pois até eu "cometi" um livro, que não está traduzido para o português, que discute a questão da alimentação e da população, evidentemente passando pela questão da saúde, a partir de uma visão de um geógrafo. É dessa época também que se notam progressos médicos conducentes a uma melhor saúde individual e coletiva, havendo avanços, ainda que não homogêneos, na questão da prevenção, da informação e de uma tomada de consciência. Então, a ajuda internacional tinha um papel positivo. A partir dos anos 70, em grande parte, essa ajuda se deixa comandar por interesses das grandes potências. Basta ver o tratamento dado à questão da fome, na África subsaariana comandada pela política dos novos grandes impérios. Também é o mesmo caso do tratamento de diversas questões no subcontinente asiático, consideradas como ajuda internacional, mas tratadas de forma egoística, de tal maneira que as pessoas bem pensantes passaram, desde então, a desconfiar da palavra "ajuda". Mas também vivenciamos a timidez das idéias provenientes das instituições internacionais, a prudência com a qual os seus representantes tomam a palavra nas ocasiões que lhe são oferecidas, o escamoteamento da centralidade do problema social e político mundial, a prevalência dos enfoques tecnicistas que também dominam situações de grande relevo para a vida do ser humano, como é o caso também na própria medicina em todos os seus aspectos. Essa última mostra o distanciamento entre uma produção intelectual que se amplia e para a qual os recursos são abundantes, desde que, os esforços se dirijam nesta "direção vesga", e a realidade que avoluma problemas que necessitam de enfoques mais abrangentes. Naquele tempo gabávamo-nos dos efeitos das políticas, mas também dos efeitos do desenvolvimento sobre os índices vitais, mortalidade geral, mortalidade infantil, fertilidade, esperança de vida e nutrição. Buscávamos essa combinação entre minorias e condições gerais e efeitos do desenvolvimento sobre a vida individual e das famílias. Esses anos 70 marcam a emergência tímida e depois agressiva de aspectos chamados qualitativos. Mas todo mundo sabe que o qualitativo Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 41 rapidamente mostra-se com sua cara quantitativa, portando variáveis novas, dentre as quais a tecnociência que tem um papel desgraçadamente muito importante nas questões que interessam a área da saúde. Esses progressos da ciência e da técnica estimularam a produção pragmática, ou seja, vamos fazer assim para obter tal resultado. A tal ponto isso se generalizou que as formulações ditas gerais começam do resultado e não das causas, o que é sempre um empobrecimento do ponto de vista da posição do pensamento. Essa pragmática coloca os resultados à prova, como algo a desejar, mostrados como se fossem algo moral. Inclusive essa questão do meio ambiente freqüentemente é mal colocada, já que as dificuldades da maior parte da população não vêm do fato de estar aqui e ali, mas do fato de ser assim ou assado. Um saber e uma prática bem descolados de preocupações humanísticas são a principal marca do domínio da técnica sobre a ciência que estamos agora assistindo: é a técnica que também está ditando as escolhas possíveis dos remédios. É curioso que a nova ciência semi-imposta pela via da técnica, pelos portadores de uma filosofia pragmática, vem sobretudo dos Estados Unidos que hoje têm o comando absoluto do debate das questões, por exemplo de saúde, tanto do ponto de vista social quanto individual. Isso se dá em paralelismo com a busca de uma nova ordem da economia. Quando os progressos técnicos científicos ganham autonomia – e é ao que estamos assistindo hoje na vida acadêmica com profundas repercussões negativas na produção da política –, eles tenderiam a aconselhar ou justificar visões de buscas parciais, cada vez mais parciais; cada vez mais profundas e mais parciais, cada vez mais penetrantes e cada vez mais parciais; cada vez mais isoladas e cada vez mais autônomas. Dessa forma a produção de conhecimento ganha autonomia sobre a vontade de humanização da vida sobre o planeta. Sou apenas um observador das questões médicas; quem sou eu para ter um juízo definitivo ou mesmo próximo disso. A respeito disso confesso que tenho muito medo do que leio, sobretudo; sou um homem assustado porque chego à idade que tenho quase com a obrigação de ser também doente. Vejo-me cada dia cotejado com manchetes contraditórias dentro das mesmas revistas, dando conta do trabalho já Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 42 não tanto das universidades mas das empresas, ou então, das empresas dentro das universidades. A grande moda agora é pedir às universidades que perguntem às empresas que digam o que elas devem fazer. É considerado chique e permite ao CNPq se retirar do processo de financiamento. Só que, na produção de dados que têm relação com a vida, o resultado pode ser a corrupção da pesquisa e a desconfiança justificada em relação aos homens de ciência. Uma meia verdade serve a objetivos pragmáticos, mas uma meia verdade não é a verdade. E todas as meias verdades possíveis reunidas não produzem a verdade. As verdades parciais podem ser eficazes no interesse daqueles a quem interessem, mas não conduzem à verdade, e cedo ou tarde conduzirão a desastres. Tal é o caso do Brasil, cujo primeiro grande desastre vai se manifestar no setor da saúde. Aliás já está se mostrando, exatamente porque esse modelo foi aceito tranqüilamente pelo Estado e também por nós da universidade, por nós os cientistas que não levantamos suficientemente a voz para protestar. Isso tem que ser dito: essa "universidade de resultados" com esse autocontrole suicida, mas também assassino dos cientistas, dá prioridade à elaboração dos textos, ao poder e ao mercado, um círculo fechado. É evidente que as questões técnicas do "como fazer" são importantíssimas, mas que faço delas se não obtiver antes esse dia mais amplo de recolocá-las dentro de um quadro, no qual as coisas todas possam ser cotejadas, revistas, produzindo uma idéia generosa da convivência entre os homens, uma idéia generosa do que o mundo pode ser? Isso é responsabilidade nossa como intelectuais. A globalização vai deixando para trás as grandes questões civilizatórias, humanísticas; basta ver o debate que se dá no Brasil atual, e no qual a palavra civilização é quase obscena também para os adultos. Ou seja, não está proibida apenas aos menores de 14 ou 16 anos, é uma palavra que se tornou proibida neste país. É grave que esse reducionismo não seja apenas um dado do oficialismo, é também um dado das oposições. Eu ia dizendo das esquerdas, poderia insistir nisso somente acrescentando que ser esquerda hoje é de novo ser diferente de ser direita, só que a direita dá centralidade a isso que passamos a adorar, a moeda estável, o fim da inflação, os equilíbrios macroeconômicos, repetindo sempre o mesmo sem saber para que e por que. E a esquerda seria aquela parte da sociedade Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 43 preocupada com essa coisa tão insignificante, mas que configura a única justificativa real para que o mundo prossiga: o homem. A globalização veio sem que se viesse junto um mundo só. Busca-se abreviar o tempo do trabalho, mas não é para socializar o lazer, é pra fazê-lo ainda mais mercantil. Acredita-se que a técnica conduz ao desemprego. Que horror! A técnica jamais existiu historicamente sem a política. É um equívoco imaginar que se poderia conceber a presença histórica da técnica sem o paralelo da política. É a política que decide o que fazer da técnica: em todos os tempos foi assim. Inventam-se novas formas construtivas, mas não para humanizar a cidade. Ou seja, não é a cidade que é responsável pelos problemas, como tantas vezes se diz. A urbanização não é um mal. A urbanização permitiu avanços formidáveis em todas as áreas, inclusive da saúde. Não foi por causa da urbanização que os países subdesenvolvidos tiveram muitas dificuldades para enfrentar as questões de saúde, tanto do ponto de vista individual quanto do ponto de vista coletivo. É a maneira como organizamos a sociedade, separando os que podem e os que não podem viver em determinados lugares. Mas, em geral não queremos falar em mudanças sociais, queremos falar das mudanças dos organogramas. Daí esse enfoque tímido e de subserviência ao sistema e que, geralmente, dá prioridade ao que não tem, à falta e ao que deve ser suprido. Nos anos 60 e 70, a grande luta era para aumentar a produção alimentar. Aí, nos anos 70 houve os que toleraram a revolução verde. Agora há os que estão justificando os transgênicos, como se a questão da fome e todas as questões sociais fossem derivadas de soluções técnicas. Vimos que, primeiro a produção alimentar ultrapassou a necessidade alimentar do mundo tomado como um todo, basta ver o ardor com que os europeus arrancam as suas plantações alimentares para garantir o preço. Portanto, a questão não é técnica, é de economia política, de distribuição do poder e da riqueza. No caso das doenças, não são os anais dos congressos que determinam como elas vão ser tratadas e sim o poder econômico que privilegia uma parte da sociedade em detrimento da outra. A discussão que agora timidamente se dá no Brasil quanto à distribuição dos Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 44 remédios é bem explicativa dessa situação. Isso tem que ver, em grande parte, com o fato de que a técnica passou a ter comando sobre a ciência, e como a técnica é cada vez mais comandada pelo mercado, é também o mercado que comanda a ciência. Os estudiosos da área da saúde sabem disso melhor do que eu, porque a minha disciplina não me obriga a produzir produtos, somente idéias, enquanto eles são obrigados a produzir produtos-resultados. A cidade está ameaçada de privatização, o que vai ser um grande problema nas questões de saúde pública. Na nossa análise está faltando – na dos profissionais de saúde e na dos geógrafos – uma análise prospectiva desse processo de privatização que vai agravar ainda mais questões de saúde pública: a privatização da água, dos esgotos, e tudo mais que concerne à vida urbana. No mundo em que a cidade, tendo crescido de tamanho, tem nas empresas filiadas aos grandes bancos a solução para as questões urbanas, na medida em que são cegos para a vida social e para as questões humanitárias, os problemas vão se avolumar contra os que não podem pagar. Será que essa técnica, assim comandante da ciência, essa técnica assim comandada pelo mercado, esse mercado comandante da ciência decretaram uma vez por todas a maldição dos homens de ciência ou podem eles ainda erguer a sua cabeça, e dizer: não! Espero que essa famosa lista com que os congressos terminam inclua os grandes problemas de sociedade que em um país como Brasil têm gravidade irrecusável. Aí comparece o papel crítico e que tem de ser de grande valentia, das ciências humanas, e entre elas, das ciências sociais da saúde. É evidente que a estrutura da universidade atual é hostil a qualquer exercício do pensamento livre. Esse, talvez, seja o maior problema da universidade brasileira. Ou seja, o maior desmentido da universidade pública brasileira, que se quer pública, mas não chega a sê-lo e não o é. Considero que o pensamento que se elabora em nossas universidades públicas é cada vez menos público, porque cada vez menos livre. Por conseguinte, já que me convidaram, eu lhes venho fazer esse apelo, evidente que nem precisava fazê-lo, porque essas idéias estavam presentes nas mentes e nos corações. Todavia, é sempre bom que alguém venha e produza algum discurso de conjunto, oferecendo uma provocação que amplie as vozes e Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 45 que, eventualmente, as façam entendidas. As vozes não são entendidas quando se dirigem às autoridades, esse tempo acabou. As vozes têm de se dirigir à sociedade em geral, que se incumbe depois de impor aos ouvidos das autoridades. Ela condiz com o que profundamente sentem as pessoas. Quero falar sobre a esperança que os senhores me dão, e com a esperança me despeço. VULNERABILIDADES E RISCOS: entre Geografia e Demografia* Eduardo Marandola Jr.** Daniel Joseph Hogan*** Entre as diferentes tendências de estudo dos riscos, temos inúmeras ciências que se utilizam da mesma categoria de diversas formas, ligadas a seus próprios pressupostos ontológicos, mas que pouco se comunicam. Este estudo objetiva aproximar duas dessas áreas disciplinares, que têm demonstrado preocupações semelhantes e que podem enriquecer-se mutuamente: Geografia e Demografia. A primeira, uma das mais antigas a tomar o risco em sua dimensão ambiental, tem larga experiência no esforço de focar as dinâmicas sociais e naturais simultaneamente. A segunda enfrenta maiores dificuldades, por ter incorporado a dimensão ambiental a seu escopo científico bem mais recentemente. Além disso, Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 46 ambas têm trazido, em seu arcabouço conceitual, a vulnerabilidade como conceito complementar ao de risco. Os geógrafos a entendem de modo mais simbiótico, a relação sociedade-natureza. Os demógrafos conferem a ela um forte componente socioeconômico. Nesse sentido, a discussão conceitual acerca dos riscos e vulnerabilidades, procurando aproximar os dois campos, é uma forma de avançar conceitualmente e de enriquecer as várias perspectivas de trabalhos empíricos. Palavras-chave: Riscos. Perigos naturais. Vulnerabilidade sociodemográfica. População e ambiente Contexto da pesquisa Este trabalho faz parte de um esforço conceitual que temos perseguido no contexto de um projeto que envolve pesquisadores do Núcleo de Estudos de População (Nepo) e do Núcleo de Economia Social, Urbana e Regional (Nesur), ambos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Tal projeto tem como objetivo estudar as vulnerabilidades sociodemográficas das metrópoles do interior e litoral paulista (Campinas e Santos). Ao tomar o termo vulnerabilidade como mote principal, o projeto estribou-se, a priori, na bibliografia desenvolvida, sobretudo por pesquisadores latino-americanos que têm enfocado a dimensão social e demográfica da vulnerabilidade. Nosso interesse particular, no entanto, vai além dessas questões, ressaltando prioritariamente a dimensão ambiental da vulnerabilidade, a partir da relação população-ambiente. É nesse contexto que se insere o esforço conceitual de mapear e compreender as formas e os sentidos de como os diferentes pesquisadores empregam tal idéia, enfocando várias dimensões da vulnerabilidade a partir de seus quadros teórico-metodológicos e ontológicos. Localizar e entender o termo vulnerabilidade nas diversas abordagens científicas é um empreendimento que não pode ser realizado sem se considerar, simultaneamente, o conceito de risco. Isso se deve ao fato de a vulnerabilidade aparecer no contexto dos estudos sobre risco em sua dimensão ambiental, num primeiro momento, e só mais tarde no contexto socioeconômico. Na realidade, os primeiros estudos científicos envolvendo o conceito de risco possuíam uma forte orientação objetivista (empiricista-realista), tendo Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 47 como pressuposto o entendimento da realidade como um dado, ou seja, passível de mensuração. Essa noção de risco ainda possui grande eco em diferentes tradições de estudos. No entanto, com o tempo surgiram não apenas posições contrárias – como a subjetivista (idealista), que entendia que o risco existe apenas a partir da linguagem –, mas outras posturas que procuravam mesclar esses dois extremos. Entretanto, um marco crucial no desenvolvimento desses estudos é a discussão da Sociedade de Risco, inaugurada pela sociologia em meados da década de 80. Esses estudiosos deslocaram o debate de um local circunscrito no tempo e no espaço para o âmbito das macrotransformações sociais. Contudo, permanece um hiato entre essa análise contemporânea e os estudos anteriores, com algumas exceções importantes e esforços preliminares de conjunção. Esse texto se inscreve, portanto, num esforço continuado de ―cartografar‖ as tendências e abordagens de estudo dos riscos e vulnerabilidades, com o intuito de compor um quadro teórico-metodológico para embasar nossas pesquisas empíricas (do projeto maior, como um todo, e dos subprojetos inseridos em seu contexto, em particular). Isso significa dizer que, embora esse esforço tenha, a princípio, uma nítida orientação teórica, o seu objetivo final é o quadro metodológico que ainda se desenha à nossa frente. Em vista disso, temascomo os trabalhos dos geógrafos sobre os natural hazards (perigos naturais) – talvez entre os primeiros a estudar esses conceitos –, os diferentes enfoques historicamente utilizados no estudo do risco (percepção do risco, risco e cultura, análise de risco, eventos e sistemas ambientais) em perspectiva com as discussões recentes acerca da Sociedade de Risco e os dois principais horizontes de estudo da vulnerabilidade hoje (pobreza e desigualdade, de um lado, e a sua dimensão ambiental nas várias escalas, de outro) (Marandola Jr. e Hogan, 2004c) foram abordados de um ponto de vista teóricoconceitual, com foco em seus significados epistemológicos e ontológicos, bem como os pontos mais significativos das diversas abordagens. Por outro lado, há outras tradições de estudo do risco no contexto das ciências sociais, como as contribuições de Niklas Luhmann, Mary Douglas, Deborah Lupton e Caroline Moser, que ainda não foram consideradas (nem serão neste momento, em virtude do recorte teórico-metodológico), e merecerão nossa atenção (Luhmann, Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 48 1993; Douglas, 1966, 1992; Douglas e Wildavsky, 1982; Lupton, 1999; Moser, 1998, 2004). Agora, portanto, nosso foco se direciona aos geógrafos, que foram os primeiros a trazer a vulnerabilidade para o debate ambiental no contexto dos estudos sobre os riscos. Eles, como mencionado, têm colocado em relevo essas categorias no contexto de uma linha de investigação que se ocupa do estudo dos natural hazards (Marandola Jr. e Hogan, 2004a). O interesse dos geógrafos e dos demógrafos tem confluído, principalmente, com preocupações mais recentes destes últimos sobre as populações em situações de risco. Ambos passam a ocupar-se de estudos sobre enchentes e deslizamentos, entre outras situações em que o ambiente, conjugado a fatores socioeconômicos, expõe as populações a riscos, sobretudo nas cidades. É nesse contexto que vemos a pertinência de propor uma aproximação conceitual entre estes dois campos: geografia e demografia. A primeira é uma das pioneiras em trabalhar os riscos e as vulnerabilidades em sua dimensão ambiental, com um espesso edifício conceitual e uma larga tradição de trabalhos empíricos. A segunda só recentemente incorporou em uma parte de suas preocupações a dimensão ambiental, mas, no entanto, tem contribuído com estudos empíricos e preocupações confluentes em um universo teórico distinto dos geógrafos e ainda por ser mais bem desenhado. E ambas alinham-se às abordagens com forte orientação empírica, com preocupações diretas sobre espaços-tempos específicos e problemáticas relacionadas ao planejamento e à gestão. Faremos uma breve revisão de como o debate acerca dos riscos e das vulnerabilidades se desenvolveu e evoluiu entre os geógrafos, passando depois aos demógrafos. Tal abordagem incidirá sobre os estudos dos natural hazards, a principal linha de investigação entre os geógrafos que têm trabalhado os conceitos de risco e vulnerabilidade. Esse recorte é tanto circunstancial, em razão da dimensão deste texto, quanto metodológico, pois esta é a área de principal contato entre geografia e demografia neste campo, bem como é a base teórico-metodológica da qual muitos demógrafos têm se servido para ajudar a orientar seus trabalhos.1 No final, relacionamos os dois campos, procurando tecer um quadro comum para discussão dos conceitos e para operacionalizar nossas pesquisas, tendo como preocupação de fundo a relação população-ambiente. Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 49 Natural hazards: uma tradição geográfica Os estudos geográficos sobre risco receberam tratamento especial dos pesquisadores preocupados com fenômenos naturais que, em situações extremas, causavam danos e expunham as populações ao perigo. Os natural hazards, ou perigos naturais, 2 têm exigido grande esforço e apreensão por parte de pesquisadores envolvidos com ações de planejamento e gestão e com a relação do homem com seu ambiente. Entre esses perigos estão as enchentes, deslizamentos, tornados, erupções vulcânicas, furacões, vendavais, granizo, geadas, nevascas, desertificação, terremotos e assim por diante. São considerados perigos no momento em que causam dano às populações (Burton, Kates e White, 1978; Aneas de Castro, 2000). Como o estudo desses perigos sempre esteve num contexto de planejamento, em que havia áreas específicas em foco e perdas humanas, materiais e econômicas iminentes, o estudo sempre esteve imbuído da preocupação de não apenas entender a extensão e o dano que os perigos causariam àquelas populações. O prognóstico da probabilidade daqueles fenômenos ocorrerem era fundamental naquele contexto. Nesse sentido, os geógrafos desenvolveram largamente o que chamavam de risk assessment (avaliação do risco): avaliação do risco de ocorrer um perigo em determinado local. É evidente que a avaliação do risco não era algo exclusivo dos geógrafos. No entanto, eles desenvolveram metodologias específicas, abordando tanto as variáveis ambientais quanto as respostas coletivas e individuais das populações em risco. Nesse aspecto, destacam-se os trabalhos de Robert W. Kates, Risk assessment of environmental hazards (Kates, 1978) e de Anne White e Ian Burton, Environmental risk assessment (White e Burton, 1980), ambos no contexto do Scientific Committee on, importante organização científica que contribuiu muito nos estudos sobre as relações do homem com seu ambiente, principalmente nos anos 70 e 80. Tais metodologias orientaram diversos trabalhos de análise do risco no mundo todo. Nesses trabalhos seminais, os conceitos principais eram risco e perigo. O perigo era o fenômeno estudado e o risco, a perspectiva em que se colocava a abordagem do problema. Em vez de se utilizar o impacto como abordagem, imperava uma preocupação prognóstica que reclamava a minimização da incerteza, ou seja, a Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 50 mensuração das probabilidades de os perigos acontecerem era fundamental para diminuir a ocorrência e a intensidade dos desastres. Nesses primeiros estudos, a vulnerabilidade não aparece como conceito, mas como idéia subjacente à noção de capacidade de resposta. Tal idéia é central nas metodologias propostas, sendo parte integrante das pesquisas. Na importante obra avaliativa dessa linha de investigação, Ian Burton, Robert W. Kates e Gilbert F. White dão destaque a essa questão. Para os autores, a resposta ao perigo é a capacidade de diminuir as perdas e salvar vidas. ―Response to hazards is related both to perception of the phenomena themselves and to awareness of opportunities to make adjustments‖ (Burton, Kates e White 1978, p. 35). Os autores levantam assim a questão da percepção do risco como fundamental na resposta que as populações darão ao perigo. As respostas podem ser de curto, médio ou longo prazo. Assim, entre elas, os autores listam as ações de emergência, de evacuação de áreas e de prestação de auxílio às pessoas atingidas, a adaptação biológica e a adaptação cultural, assim como a capacidade de absorção dos perigos e os ajustamentos. O enfoque incide sobre as de médio e longo prazos, e entre estas as que são intencionais, ou seja, fruto de planejamento e decisão (escolhas). As adaptações biológica e cultural estão numa escala temporal anterior, em que as sociedades humanas, através da história, têm se adaptado aos diferentes perigos naturais. Essas adaptações ocorrem hoje em pequena escala, embora a cultural possa ser relacionada às mudanças de comportamento e valores, promovidas principalmente pelos novos riscos vividos nas cidades. No entanto, os ajustamentos é que são mais interessantes, pois envolvem as ações e escolhas, coletivas e individuais, que têm como conseqüência a diminuição do desajuste existente entre as populações e esses eventos da natureza (Burton, Kates e White, 1978). Eles podem ser tanto incidentais (atitudes que não têm o perigo em perspectiva, mas produzem em conseqüência a diminuição de seu dano ou risco) quanto frutos de decisão consciente, individual ou coletiva. ―Adjustments may be separated into those that are purposefully adopted and other activities and characteristics of individual behavior that sometimes are not primarily hazard-related but have the effect of reducing potential losses‖ (Burton, Kates e White, 1978, p. 40). É nesse quadro que se coloca a ampla gama de propostas de intervenção, Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 51 planejamento e gestão, bem como as políticas públicas que têm como objetivo diminuir as perdas (materiais e humanas) e aumentar a segurança. São igualmente importantes aqui as ações coletivas e individuais no âmbito das comunidades, da família e de outros círculos não-governamentais, mas que também agem para aumentar o ajuste ao perigo, diminuindo assim o risco e sua própria vulnerabilidade. Um outro conceito significativo neste contexto é a capacidade de absorção (absorptive capacity). Segundo os autores, como os perigos são eventos naturais que atingem diretamente os sistemas de uso humanos, as respostas têm de envolver aspectos tanto da vida econômica e social quanto dos sistemas naturais. E apesar do foco primário se dar sobre ajustamentos decididos, os autores destacam o papel dos ajustamentos incidentais, da adaptação cultural, que cria um nível de capacidade individual, e dos sistemas sociais para absorver os efeitos das flutuações ambientais extremas. Tal capacidade de absorção está, portanto, ligada diretamente aos ajustamentos, sendo fundamental para que, mesmo sofrendo as perdas, a sociedade, as pessoas e o sistema ambiental sejam capazes de absorver este impacto e se recuperar.3 Portanto, embora a vulnerabilidade já tivesse lugar nesses primeiros estudos,4 ela ganhará maior atenção no fim da década de 80 e nos anos 90. Isso ocorre quando as pesquisas deixam de se ocupar apenas com os perigos naturais, passando a enfocar também os perigos sociais e os tecnológicos. Além disso, os ―naturais‖ passam a ser vistos como ambientais, implicando que os perigos só podem ser compreendidos levando-se em conta o contexto natural e as formas pelas quais a sociedade tem se apropriado da natureza, produzindo perigos (Jones, 1993). Embora os geógrafos sempre tenham enfocado a dimensão humana simultaneamente à física (os perigos só existiam a partir do momento que houvesse populações atingidas), essas novas preocupações davam uma atenção mais direta a processos socioeconômicos e a problemas eminentemente sociais. A vulnerabilidade aparece agora em três contextos – social, tecnológico e ambiental – e sua importância vai crescendo gradativamente. Em vista disso, uma discussão que se torna relevante, em relação ao debate acerca da vulnerabilidade, é sua natureza ou, em outras palavras, suas causas e elementos constitutivos, pois, enquanto tinha seu foco nos fenômenos biofísicos, a vulnerabilidade poderia ser facilmente relacionada aos ecossistemas ou Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 52 aos ambientes. No entanto, com a ampliação das perspectivas de estudo, coloca-se a questão: a vulnerabilidade é um atributo definido pelas condicionantes ambientais (biofísicas – naturais) ou pelos recursos socioeconômicos, que conferem maior capacidade de resposta diante dos perigos? Segundo Susan Cutter, importante sistematizadora das diferentes abordagens sobre vulnerabilidade,5 essa riqueza se dá em virtude da própria diversidade de temas abordados, dos muitos espaços estudados (países em várias situações de desenvolvimento), bem como da própria orientação epistemológica (ecologia política, ecologia humana, ciência física, análise espacial) e suas conseqüentes práticas metodológicas. Essas diferenças resultarão, segundo a autora, em três posturas principais (Cutter, 1996, p. 530): 1. uma que se foca na probabilidade de exposição (biofísica ou tecnológica); 2. outra que se ocupa da probabilidade de conseqüências adversas (vulnerabilidade social); 3. e uma última que combina as duas anteriores. Essas três posições são representadas por três tendências denominadas pela autora de (1) vulnerabilidade como condição preexistente; (2) vulnerabilidade como resposta controlada (tempered response); e (3) vulnerabilidade como perigo do lugar (hazard of place). Na primeira, Cutter afirma que os estudos se caracterizam por focar a distribuição da condição perigosa, a ocupação humana em zonas perigosas (áreas costeiras, zonas sísmicas, planícies inundáveis) e o grau de perdas (de vida e propriedade) associado com a ocorrência de um evento particular (inundação, furacão, terremoto). Na aferição da vulnerabilidade nesses estudos, são consideradas magnitude, duração, impacto, freqüência e as características biofísicas gerais e da exposição ao fenômeno. Muitos dos primeiros estudos sobre vulnerabilidade e perigos naturais estavam centrados nessa perspectiva, como o de Hewitt e Burton (1971) e os trabalhos reunidos na seminal coletânea de Gilbert F. White (um dos mais destacados pioneiros e difusores dessa linha de investigação), como resultado dos trabalhos da Comissão sobre o Homem e o Ambiente, da União Geográfica Internacional (UGI), com colaboração de pesquisadores de vários países (White, 1974). O segundo grupo de estudos sobre vulnerabilidade, afirma Cutter, está ocupado com as respostas da sociedade, incluindo a resistência e resiliência social para Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 53 com os perigos. ―The nature of the hazardous event or condition is usually taken as a given, or at the very minimum viewed as a social construct not a biophysical condition‖ (Cutter, 1996, p.532-533). Esta tendência se concentra, portanto, na construção social da vulnerabilidade e em seus fatores culturais, econômicos, políticos e sociais, condicionantes das respostas individuais e coletivas. Tal propensão é a mais próxima dos trabalhos mais fecundos dos demógrafos, conforme veremos à frente. Mas é também nessa perspectiva que alguns geógrafos ocupados de perigos sociais têm trabalhado (Watts e Bohle, 1993; Oppong, 1998), além de alguns pesquisadores latino-americanos que têm tratado a vulnerabilidade sobretudo em sua dimensão social (García, 2003; Schmoisman e Márquez-Azúa, 2003). Por fim, Cutter destaca sua tendência de escolha, que é de fato a predominante atualmente. Vulnerabilidade como perigo do lugar é uma perspectiva mais conjuntiva que é, na avaliação da autora, a mais geograficamente centrada. Em tal perspectiva, [...] vulnerability is conceived as both a biophysical risk as well as a social response, but within a specific area or geographic domain. This can be geographic space, where vulnerable people and places are located, or social space, who in those places are most vulnerable. (Cutter, 1996, p. 533) Incorporam-se à mesma discussão a mensuração do risco biofísico (ambiental), a produção social do risco e as capacidades de resposta, tanto da sociedade (grupos sociais) quanto dos indivíduos. Nessa abordagem, encontraremos vários geógrafos trabalhando diferentes perigos. Keith Smith, por exemplo, em obra sobre Environmental hazards: assessing risk e reducing disaster, define seu conceito de vulnerabilidade, baseado em Timmerman (1981): The learning benefits of experience for future hazard reduction strategy will be nullified if the level of human vulnerability to disaster continues to rise faster than the degree of protection which can be offered. The concept of vulnerability implies a measure of risk combined with the level of social and economic ability to cope with the resulting event in order to resist major disruption or loss (Timmerman, 1981). In other words, vulnerability is the liability of a community to suffer stress, or the consequence of the failure of any protective devices, and may be defined as ‗the degree to which a system, or part of a system, may react adversely to the occurrence of a hazardous event‘ (Smith, 1992, p. 22). Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 54 O autor deixa claro assim que a vulnerabilidade, olhada por esse ângulo, não pode ser auferida apenas através de avaliações das dinâmicas naturais dos perigos em evidência, muito menos apenas pelo estudo dos recursos sociais para lidar com o perigo. Antes, é fundamental compreender a relação existente entre esses condicionantes, para evitar os dois enganos: supervalorizar os fatores ambientais ou a dinâmica social. Harold Brookfield externou essa preocupação. Segundo ele, enquanto alguns fenômenos têm suas causas facilmente identificadas (como as bombas atômicas – oriundas da ação humana), outros são mais complexos, tendo-se de atribuir pesos iguais às causas naturais e humanas. Brookfield (1999) afirma ainda que é freqüente a aferição de causas de maneira apressada, estabelecendo-se relações de causa e efeito de forma simplista, não raro subvalorizando os fatores ambientais. O autor entende a vulnerabilidade relacionada tanto à geografia de onde se encontra a comunidade estudada, quanto à sua situação econômica e política. Para ele, ―[...] there are both geophysical and human forces at work in the production of vulnerability to damage and of damage itself‖ (Brookfield, 1999, p. 7). O autor propõe assim que o estudo sobre a vulnerabilidade seja focado na resistência e sensibilidade do ambiente e não partindo da causa social da vulnerabilidade, pois uma abordagem assim, em sua opinião, pode acabar mascarando as causas naturais envolvidas no processo. Todo o esforço do autor é para recolocar a importância dos estudos das causas biofísicas dos perigos. Ele afirma que há muito mais causas físicas em mais casos do que se imagina. Essa preocupação é mais do que legítima, na medida em que, envolvidos num sistema com um modo de produção amplamente controlador, com implicações diretas e indiretas em todas as facetas de nossa vida, as ciências sociais em geral (e nelas se inclui a geografia) vivem uma tendência de minimizar fatores que não sejam socioeconômicos ou políticos. Embora não desejemos incentivar um esvaziamento político da discussão sobre vulnerabilidade, centrando-a nas discussões de suas determinantes ambientais, não podemos reduzi-la a elementos sociais. O alerta de Brookfield torna-se tanto mais relevante num cenário interdisciplinar e num esforço como esse de firmar um diálogo entre geografia e demografia. Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 55 Contudo, os termos desse diálogo estão, em grande parte, nos termos da discussão da terceira tendência apontada por Cutter, que busca não priorizar nenhum dos dois pólos. Muitos exemplos poderiam ser dados de estudos empíricos que têm utilizado essa orientação, procurando tanto considerar as implicações e condicionantes sociais na resposta a perigos, como enfatizar a natureza e a relevância desses fenômenos na capacidade de resposta dos diferentes grupos sociais (Gardner, 2002; Paulson, 1993; Naughton-Treves, 1997; Palm e Hodgson, 1993; Kolars, 1982; Ayoade, 1998; Liverman, 1990). Cutter (1996) elabora melhor essa abordagem através de uma figura, em que aparece claramente sua idéia do que seria o estudo da vulnerabilidade por uma perspectiva conjuntiva centrada no lugar (Figura 1). Esse modelo mostra as relações existentes entre o risco, as ações de mitigação (respostas e ajustamentos) e a vulnerabilidade do lugar, havendo a definição destes elementos nos termos da relação estabelecida entre eles. Ou seja, o aumento das ações mitigadoras poderá significar a diminuição do risco e, conseqüentemente, implicará a redução da vulnerabilidade do lugar. Por outro lado, o risco poderá aumentar se houver alterações no contexto geográfico ou na produção social, que poderão incorrer no aumento da vulnerabilidade biofísica e social (respectivamente) e da vulnerabilidade do lugar. Tal processo poderá ser iniciado também pelo aumento do perigo potencial, que tanto pode ser resultado quanto condicionante do aumento ou da diminuição da vulnerabilidade. Na parte de baixo da figura, Cutter deixa claro que propõe centrar os estudos sobre vulnerabilidade em um local circunscrito no espaço, mas sem desprezar a evolução temporal que imprime mudanças nos elementos desse esquema. Assim, a alteração dos termos da relação entre os elementos deve ser ponderada numa escala temporal satisfatória para que possam ser avaliadas as mudanças e colocadas em perspectiva. Não se pode considerar a situação como estática, congelada no tempo. As interações espaciais e sociais são ininterruptas e apenas aumentam a complexidade de nossa tarefa como pesquisadores de tentar compreendê-las e dar respostas às inquietações e problemáticas enfrentadas pela sociedade. De fato, buscar encontrar tais caminhos passa pela aplicação de modelos mais conjuntivos que aliem os conhecimentos das dinâmicas sociais e naturais. Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 56 A vulnerabilidade, como a têm entendido esses geógrafos, é uma característica intrínseca dos lugares definidos por esse conjunto de condicionantes ambientais e sociais, que devem ser estudados caso a caso para que se possa auferir onde um ou outro elemento tem maior relevância, e onde ambos agem simultaneamente e com a mesma intensidade na exposição das populações a riscos e perigos e na sua conseqüente vulnerabilidade. Elemento crucial nesse sentido é a noção da capacidade de resposta, tão associada à vulnerabilidade, bem como os ajustamentos e a capacidade de absorção. Todos esses são conceitos trabalhados mais ou menos pelos demógrafos, não apenas por aqueles ocupados da dimensão ambiental, mas também pelos focados na vulnerabilidade sociodemográfica. Procuraremos agora traçar a evolução do uso e entendimento dos conceitos de risco e vulnerabilidade na demografia, esforçando-nos em apontar a especificidade do uso que os demógrafos fazem deles, bem como os pontos de contato com a linha de estudo dos geógrafos. Riscos e vulnerabilidades: trajetória demográfica O risco na análise demográfica tradicional Tradicionalmente, a demografia utiliza-se da noção de risco associada às probabilidades de ocorrerem certos eventos da dinâmica demográfica. Esse risco é fruto de um cálculo matemático, que tem seus elementos definidos de acordo com a natureza de tal fenômeno. Calculam-se, principalmente, o risco de morte e o risco de contrair uma determinada doença. Geoge W. Barclay, em sua obra clássica, Techniques of population analysis, assim explica este uso tradicional de risco na análise demográfica: Both expressions [proportions dying and probability of dying] refer to the notion of the ‗risk‘ of death, which is a way of saying that people live continually exposed to some chance of dying, a chance that is precisely measurable. Everyone of course dies some time, but the prospect is uncertain at any given moment. The risk is the degree of uncertainty. The ‗proportion dying‘ and the ‗probability of death‘ both indicate how great the risk of dying is. The numerical value measuring this degree is also called a ‗mortality rate‘ (Barclay, 1958, p. 100). Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 57 O risco é, portanto, uma fração matemática expressa por um índice, que varia de 0,0 (impossibilidade de ocorrência) a 1,0 (absoluta certeza de ocorrência). Essa diferença ou gradação refere-se ao grau de certeza que se consegue inferir de que determinada pessoa (ou grupo populacional), em determinadas circunstâncias, irá contrair certa doença ou ter certo comportamento de natalidade/mortalidade. Barclay destaca, entre alguns dos passos para delimitação desses cálculos, a definição do universo, da faixa etária e do total de pessoas que têm possibilidade de morrer durante o intervalo. Assim, o universo é definido no número máximo possível de mortes, calculando-se com base nos fatores relevantes para aquela dinâmica o universo de oportunidades que podem matar durante aquele intervalo de tempo. No entanto, o autor mostra que há outras utilizações da noção de risco, como o risco de se casar, risco de ter filhos, risco de entrar em alguma atividade econômica, risco de ter algum tipo de doença mental. No entanto, destacando o caráter demográfico, Barclay enfatiza que o cálculo do risco a qualquer ocorrência deve ter seu universo bem delimitado, pois o risco de ter um filho, por exemplo, é bem diferente entre determinados grupos demográficos, como os abaixo de 10 anos, os de 20 a 40 e os de mais de 60 anos. O risco, nesse entendimento, é um elemento probabilístico estritamente neutro, não carregando uma carga negativa em si, como ocorre nos estudos dos geógrafos e como é encarado o risco, em geral, desde a entrada da modernidade (Giddens, 1991). Assim, fundamentais nessa tradição de estudos são a delimitação e o conhecimento dos fatores de risco. De fato, essa é uma tendência ainda presente e significativa dos estudos demográficos, principalmente os ligados à saúde. Vários estudos dedicados a compreender a relação da dinâmica e do comportamento demográfico com determinadas doenças têm se utilizado largamente dessa linha tradicional para identificar grupos demográficos de risco. Além disso, aumenta hoje a importância dada aos grupos de comportamento de risco, buscando-se ampliar a discussão e fugir de um certo ―determinismo‖. E também há uma maior atenção às diferentes percepções dos grupos acerca do risco, bem como de sua inserção cultural, material e simbólica na sociedade, o que influi diretamente em seus comportamentos e na Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 58 adoção ou não de atitudes preventivas (Monteiro, 2002; Connors, 1992; Paicheler, 1992). No entanto, algumas correlações são bastante claras e com ampla comprovação de estudos variados. Estes ganham maior legitimidade à medida que incorporam entre seus fatores não apenas elementos como natalidade, gênero e família, mas também as condições socioeconômicas dos pais e as dimensões da escolaridade, entre outros comportamentos e situações que não são diretamente fatores demográficos (Cruz e Leite, 2002; Saad e Potter, 1994; Barbosa e Andrade, 2000). Nesses estudos, portanto, procura-se a correlação entre os diversos fatores, por meio de técnicas diferenciadas de estatística para determinar quais deles constituem fatores de risco e quais podem ser descartados como irrelevantes. Ser um fator de risco significa, portanto, influir diretamente na probabilidade de ocorrência de determinado fenômeno. Ou seja, há uma correlação positiva. Grande parte desses estudos se prende a uma noção da realidade estritamente objetivista, entendida como um dado passível não apenas de mensuração, mas também de identificação de relações causais, mesmo que multifocais e multivariadas. Além disso, tais estudos nem sempre incorporavam, de uma maneira mais intensa, a capacidade que as pessoas e os grupos demográficos possuíam ou poderiam possuir para minimizar o risco a que estavam expostos, ou mesmo se eles teriam alguma chance de ―escapar‖ da probabilidade imposta pelo coeficiente dos fatores de risco. Nesse sentido, a epidemiologia, aliada à demografia, tem contribuído e trazido enriquecimentos à discussão de saúde, incorporando o conceito de vulnerabilidade – mesmo que de forma ainda imprecisa – como um passo além em relação ao conceito de comportamento de risco, conforme mostram Ayres et al. (1999). Tendo em perspectiva o caso específico da Aids, mas podendo ampliar o quadro para a epidemiologia em geral, esses autores se esforçaram em, acompanhando movimentos internacionais, traçar as possibilidades e enriquecimentos do conceito, apontando que um dos maiores desafios é ultrapassar a dimensão comportamental para a social, que leva em conta elementos sociais e demográficos. O conceito de vulnerabilidade não visa distinguir a probabilidade de um indivíduo qualquer se expor à Aids, mas busca fornecer elementos para avaliar Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 59 objetivamente as diferentes chances que cada indivíduo ou grupo populacional particular tem de se contaminar, dado o conjunto formado por certas características individuais e sociais de seu cotidiano, julgadas relevantes para a maior exposição ou menor chance de proteção diante do problema (Ayres et al., 1999, p. 65). Assim, Ayres et al. avançam do conceito de risco objetivo, quantitativo e comportamental, para uma análise ―quanti-quali‖, que incorpora elementos quantitativos objetivos a conjunturas sociodemográficas e programáticas. Um dos principais enriquecimentos conceituais é a biface vulnerabilidade-empowerment6 como duas faces do mesmo processo, que interagem na equação do risco e da saúde. Outro ponto fundamental é a ênfase nos processos coletivos, sociais e demográficos, e na face política da doença e do risco, influenciando a capacidade das pessoas e grupos de se protegerem e/ou se tratarem. No entanto, a conceituação de vulnerabilidade ainda continua em construção, amplamente utilizada embora pouco precisada na maior parte desses estudos. Quanto ao espectro maior dos trabalhos, a vulnerabilidade ainda não se tornou o conceito-chave, embora haja tendências importantes nesse sentido. E, apesar das críticas à persistência do uso de conceitos como fatores de risco ou até de grupos e comportamento de risco,7 ela persiste como significativa linha de investigação muito ligada à epidemiologia, que tem avançado no refinamento estatístico e na ampliação de suas bases teórico-metodológicas, enriquecendo os quadros que tem desenhado para a análise dos dados e das problemáticas colocadas em foco. Populações em situações de risco: um avanço conceitual Talvez esses sejam os caminhos iniciais, a partir da demografia, que conduziram as inquietações do Grupo de Trabalho sobre População e Meio Ambiente, da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (Abep), principalmente nos anos 90. Esse grupo tem papel fundamental no avanço conceitual e metodológico, no contexto da demografia, nos estudos sobre risco. Um dos conceitos centrais que foram discutidos entre esses pesquisadores foi o de populações em situação de risco. De fato, após alguns anos de discussões e pesquisas, o grupo publicou uma importante obra na qual podemos verificar o Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 60 amadurecimento desse debate e como o grupo, de maneira geral, encarava tal conceito e lhe concedeu operacionalidade.8 Daniel J. Hogan, fazendo uma ampla avaliação sobre o tema população e meio ambiente, identifica as populações em situações de risco entre as perspectivas para pesquisa em demografia nessa temática. Segundo o autor, é uma abordagem promissora, pois: Como as conseqüências da deterioração ambiental não são sentidas de forma igual entre grupos sociais nem uniformemente através do território, as categorias usuais para a análise demográfica nem sempre são capazes de revelar estas conseqüências (Hogan, 2000, p. 41). O autor chama a atenção para trabalhos que têm contribuído para a ampliação do entendimento dessa abordagem e que consideram os fatores biofísicos dos ambientes e sua inter-relação com a dinâmica demográfica. Exemplos disso são populações que ocupam várzeas de rios e áreas sujeitas a inundações em favelas, ou populações sujeitas a desastres naturais. Hogan procura aliar nessa abordagem, portanto, os elementos físicos dos ambientes onde as populações habitam com sua situação socioeconômica, quando relevantes. Haroldo da G. Torres, em A demografia do risco ambiental, faz as perguntas que estiveram na pauta do grupo: o que são riscos ambientais? Que tipo de população reside nas áreas de risco, como mensurá-la e como estudá-la? Percebemos, de imediato, um acréscimo importante à tradicional preocupação dos demógrafos, que é o componente ambiental. Ou seja, uma preocupação latente do grupo era superar a limitação que os componentes da dinâmica demográfica apresentam para compreender certos fenômenos, que têm uma carga do ambiente físico muito forte como ―fatores de risco‖. Torres (2000) não apenas discute teoricamente o conceito de risco ambiental, como também propõe e reflete sobre os embates existentes na sua operacionalização. O autor busca sair do lugar comum das discussões sobre risco, procurando elaborar um plano lógico para seu enfrentamento. Ele aponta quatro dificuldades e cinco passos desse plano. As dificuldades podem ser assim resumidas: 1. há substâncias conhecidas e não-conhecidas que podem ter exposto ou estar expondo as populações a riscos, conhecidos e não-conhecidos. Há riscos que Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 61 apenas serão conhecidos quando seus efeitos negativos já tiverem afetado muitas pessoas, às vezes com processos irreversíveis; 2. a noção do que é arriscado é definida historicamente, podendo transformar-se ao longo do tempo; 3. a percepção dos indivíduos e das famílias acerca do risco pode ser bastante diferente, por diversos fatores, mesmo que o risco seja relativamente conhecido; 4. a capacidade dos indivíduos ou grupos sociais de se proteger é afetada pelo nível de renda. Esses pontos que registram a dificuldade de lidar com os riscos têm, segundo o autor, forte influência espacial. Ou seja, a escala de análise, os recortes espaciais e a distribuição espacial dos fenômenos têm influência direta em como poderemos lidar com eles, bem como melhor compreendê-los em sua relação com a sociedade (Marandola Jr., 2004). Além disso, talvez a maior dificuldade, segundo Torres (2000, p. 64), seja a ―[...] identificação dos grupos sociais mais afetados por um determinado fenômeno ambiental que se queira estudar‖. Ciente dessa dificuldade inerente, o autor propõe os principais passos lógicos envolvidos na definição do que são as populações sujeitas a riscos ambientais: 1. identificação de uma fonte/fator potencialmente gerador de riscos ambientais; 2. construção de uma curva de riscos (real ou imaginária); 3. definição de um parâmetro de aceitabilidade do risco; 4. identificação da população sujeita a riscos; 5. identificação de graus de vulnerabilidade. Elemento fundamental intrínseco nesses passos é a característica que o estudo dos riscos adquire nessa perspectiva, qual seja, de se concentrar em uma área específica, em geral menos ampla do que aquela que a demografia está comumente acostumada a trabalhar. ―Para observar as características da população em situação de risco, [...] a demografia é chamada a pensar também na escala intra-urbana, em pequenos setores censitários, ou naquilo que em algum momento passou a chamar de demografia das pequenas áreas‖ (Torres, 2000, p. 63). Vemos assim que tais pesquisadores deram um grande passo em relação aos estudos tradicionais sobre o risco, apesar de observarmos nesse debate inicial um uso mais livre do termo ―risco‖, às vezes empregando a palavra para se Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 62 referir a ―perigo‖ ou a ―vulnerabilidade‖, além de ―risco‖ per si. Ao observar, porém, essas cinco etapas, a demografia em seu sentido tradicional atentaria apenas para a primeira, talvez incidindo sobre a quarta, mas apenas em virtude dos resultados demográficos da aplicação de seus modelos. Torres (2000, p. 67) reconhece, nessas cinco etapas, a necessidade de uma atividade interdisciplinar em que especialistas de outras áreas seriam cruciais, principalmente nas três primeiras. No entanto, a atividade dos demógrafos vinculados ao Grupo de Trabalho demonstra que eles têm aceitado este desafio, conforme observamos nas demais contribuições do livro (Taschner, 2000; Porto e Freitas, 2000), bem como em outros trabalhos mais recentes (Hogan et al., 2001; Hogan e Carmo, 2001; Torres e Marques; 2001).9 Por fim, Torres (2000, p. 69) lembra um elemento de fundamental importância, que tem a ver com as ―[...] características socioeconômicas das populações nas áreas de risco‖. Fatores como distribuição de renda, escolaridade, raça, tipo de ocupação, entre outros, segundo o autor, devem receber atenção juntamente com as variáveis demográficas clássicas. Essa relevância está na identificação de desigualdades ambientais, que revelam uma correlação forte entre áreas de risco ambiental e grupos de renda mais baixa e com consideráveis níveis de dificuldades sociais. Essa é uma questão fundamental que emerge tanto das preocupações desse grupo, quanto de outros setores da demografia, mais ligados à sociologia. Tanto Hogan quanto Torres mencionam a questão da vulnerabilidade, embora naquele momento não tenham desenvolvido suficientemente essa noção. No entanto, em ambos os casos, ela aparece como vinculada à situação socioeconômica e à capacidade de resposta (ou enfrentamento) diante dos riscos ambientais. Mas ela será amplamente desenvolvida em outro contexto e com alguns elementos constitutivos um pouco distintos da abordagem enfocada aqui. É sobre tal abordagem que nos deteremos a seguir. Vulnerabilidade sociodemográfica: um conceito latino-americano Essa outra tendência tem lugar no cenário latino-americano, ligada principalmente a pesquisadores do Centro Lationamericano y Caribeño de Demografia (Celade), divisão da Comisión Econômica para América Latina y el Caribe (Cepal), com ampla Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 63 repercussão internacional e um grande número de trabalhos comparativos. Apesar de também utilizarem o termo vulnerabilidade, o contexto teórico-metodológico desses pesquisadores é sensivelmente outro, o que resultará numa visão distinta, embora relacionada, da vulnerabilidade e dos riscos. Vejamos a origem desse debate e como tais pesquisadores têm tratado o termo. Em primeiro lugar, a tendência é considerar a vulnerabilidade ―[...] more as na analytical approach than as a conceptual category‖ (Cepal, 2002a, p. 1). Mas que perspectiva analítica? A maioria dos estudos está centrada na discussão das desigualdades sociodemográficas, vinculadas à pobreza e à problemática da exclusão social. Um documento da Cepal elaborado para sistematizar o conhecimento acerca da noção, conforme vem sendo utilizada por seus pesquisadores, ―[...] aims to apply a vulnerability-oriented approach to the analysis of the relations between population and development at the community, household and personal levels‖ (Cepal, 2002a, p. 1). Essa orientação irá ditar, evidentemente, o que os autores entendem por vulnerabilidade e sua aplicação teórico-metodológica. Nesse sentido, é dada ênfase ao estudo e à identificação de grupos vulneráveis, que são aqueles que apresentam características específicas que os tornam suscetíveis aos riscos. A delimitação desses grupos obedece aos componentes tanto da dinâmica demográfica quanto da dinâmica social. The use of the notion vulnerability to refer to specific groups of the population has a long history in social analysis and social policies. It is used, firstly, to identify groups which are in a situation of ‗social risk‘: i.e., groups made up of individuals who, because of factors typical of their domestic or community environment, are more likely to display anomic forms of conduct (aggressiveness, delinquency, drug addiction), to suffer different forms of harm by the action or omission of others (intrafamily violence, attacks in the street, malnutrition), or to display inadequate levels of performance in key areas for social inclusion (such as schooling, work or interpersonal relations) (Cepal, 2002a, p. 2). A pobreza e a mobilidade social (principalmente para baixo na pirâmide social) são, de fato, os motes principais que motivam esses pesquisadores. Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 64 Thus, lack of assets, their loss of value or inability to manage them properly form the distinctive sign of vulnerability to two social risks of capital importance: poverty, and downward economic and social mobility (Cepal, 2002a, p. 3). A esse respeito, há uma tendência de entender a vulnerabilidade como a suscetibilidade de sofrer perdas socioeconômicas, como no poder de compra, na capacidade de inserção social ou mesmo de emprego. A linha da pobreza tem sido encarada, às vezes, como um desses limites em que haveria maior vulnerabilidade (Celade, 1999; Cepal 2002b; Torres et al., 2003). A vulnerabilidade é entendida, portanto, a partir de três componentes: (1) a existência de um evento potencialmente adverso (risco), endógeno ou exógeno; (2) incapacidade de responder à situação, seja por causa da ineficiência de suas defesas, seja pela ausência de recursos que lhe dêem suporte; (3) inabilidade de se adaptar à situação gerada pela materialização do risco (Cepal, 2002a, p. 1). Essas etapas colocam a dinâmica em três momentos distintos: (1) há um evento potencial que poderá causar dano; (2) diante desse risco, as pessoas procuram os meios de se proteger e percebem que são incapazes de fazer isso, porque não há recursos ou meios para defendê-las; (3) quando o evento ocorre, ou materializa-se, as pessoas enfrentam o perigo e sofrem pela falta de habilidade para adaptar-se a ele, sofrendo danos e perdas. Tal perspectiva apresenta a vulnerabilidade de maneira essencialmente negativa, num sentido extremamente inescapável e inevitável. Confluente a esse esforço cepalino, Rubén Kaztman tem sido um dos principais pesquisadores a tratar da vulnerabilidade social, juntamente com um grupo de pesquisadores de Montevidéu (Uruguai) e de Córdoba (Argentina). A contribuição mais significativa desses autores tem sido sua leitura dos ativos e da estrutura de oportunidades. Essas duas noções enriquecem um quadro operacional de estudo da vulnerabilidade, na mesma perspectiva da Cepal. Em estudo comparativo entre Argentina e Uruguai, Kaztman et al. (1999) explicitam em que contexto aplicam os conceitos de vulnerabilidade e ativos, deixando mais claro ainda o horizonte de pesquisa: [Estes conceitos] se constituye o podría constituirse en teorías de alcance medio, no ya por su pretensión de recortar de um fenómeno macro un subgrupo y explicarlo, Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 65 sino porque pretende aproximarnos a La explicación del fenómeno de la pobreza en general, contribuyendo con un tipo de causa eficiente. En definitiva, procura ofrecer um cuerpo sistemático de conceptos y relaciones que expliquen parte de la varianza de la pobreza y del bienestar. Este modelo apoya su eje explicativo en los recursos com que cuentan los propios hogares para enfrentar las coyunturas externas (Kaztman et al., 1999, p. 2). Essa preocupação com a pobreza é que leva os autores a proporem o que chamam de ativos, que são uma estrutura profunda de recursos (capitais humano, social e físico) distribuídos desigualmente numa sociedade em diversos lugares. A distribuição desses ativos, as estratégias dos lugares para utilizá-los e as trocas que determinam a produção dos ativos, bem como o acesso diferenciado a eles, constituem a base analítica para o estudo da pobreza. A vulnerabilidade é entendida pelos autores como a menor disponibilidade, acesso ou capacidade de manejo desses ativos, componentes de uma dada estrutura de oportunidades (na qual se encontram os ativos), em que se aprofundam as desigualdades sociais, condicionando muitas vezes à marginalidade e à exclusão. Assim como o conceito de populações em situação de risco, a vulnerabilidade nessa perspectiva necessita, segundo os autores, recorrer a uma análise microssocial no nível das comunidades. Através dessa aproximação, permite-se também ver a segunda maior virtude de uma relação vulnerabilidade/ativos, que é a possibilidade de ―[...] incursionar en un aspecto clave, generalmente omitido, de la acción social intencional‖ (Kaztman et al., 1999, p. 4). Esse é um ponto-chave, pois é a perspectiva de ver a sociedade dando resposta à situação adversa em que se encontra. Há, evidentemente, outras formas de contextualizar a discussão da vulnerabilidade sociodemográfica. Muitos autores discutem a vulnerabilidade no contexto da cidadania e das identidades (Hopenhayn, 2002), dos direitos civis e da cidadania em contraposição à exclusão social (Kowarick, 2002); ou ainda das vulnerabilidades sociais a diferentes doenças relacionadas a construções simbólicas e representações sociais (Monteiro, 2002). Há, sem dúvida, uma ampla gama de discussões que ainda merecerão avaliação e debate mais detalhado. No entanto, tal entendimento sociodemográfico da vulnerabilidade mantém, em virtude de seu foco (a pobreza e a exclusão), um sentido de estado e não Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 66 de correspondência direta a elementos que causam riscos. A vulnerabilidade é vista de maneira mais permanente, entendendo-a como resultado das interações sociais maiores, não se estabelecendo relações causais mais diretas, como é o caso dos demógrafos (e dos geógrafos, como vimos) ocupados da vulnerabilidade em sua dimensão ambiental, conforme veremos a seguir. Vulnerabilidade socioambiental: aproximando-se da geografia Como apontado, já havia uma tendência dos pesquisadores ligados ao Grupo de Trabalho sobre População e Meio Ambiente em estudar a vulnerabilidade. E podemos afirmar que esse tem sido o degrau seguinte que tais estudiosos galgaram desde o amadurecimento do conceito de populações em situações de risco. Esse avanço tem duas matrizes principais: o estudo dos geógrafos sobre os perigos ambientais e o estudo dos demógrafos sobre a vulnerabilidade social. Em primeiro lugar, entre as referências iniciais sobre vulnerabilidade em sua dimensão ambiental, utilizada por esses pesquisadores, está a literatura geográfica. Essa confluência não se dá simplesmente por coincidência, mas por sobreposição de problemas de estudo. Assim como os geógrafos, os demógrafos viram-se diante de problemas como as enchentes, os deslizamentos e outros riscos que expunham as populações ao perigo (Hogan ET al., 2001). Em outros contextos, a reflexão sobre as dinâmicas de metropolização e a degradação ambiental em áreas densamente urbanizadas também reclamaram dos demógrafos a consideração mais detida dos elementos ambientais (biofísicos) que incidiam diretamente sobre determinadas populações, ora demograficamente localizadas, ora espacialmente delimitadas. Tal situação também trouxe à tona os conceitos trabalhados pelos geógrafos, que possuem orientação semelhante, devido à origem dos problemas estudados (Hogan e Carmo, 2001). Mas essa confluência não é exclusividade da literatura nacional. Encontramos, na bibliografia internacional, obras e trabalhos escritos sobre esse tema, convergindo o interesse dos demógrafos com o dos geógrafos, sob os auspícios dos perigos naturais (Blaikie et al., 1994; Satterthwaite, 1998; Ezra, 2002; Hunter, 2004). Por outro lado, em ambos os casos, a vulnerabilidade sociodemográfica também esteve presente por se entender, como os geógrafos, a vulnerabilidade não apenas Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 67 numa perspectiva ambiental (elementos biofísicos), mas por se relacionar à capacidade socioeconômica (os ativos e estrutura de oportunidades) das respectivas populações em dar resposta ao perigo. A noção de estrutura de oportunidades parece ter uma contribuição ainda a ser mais bem explorada nesses estudos, pois ela amplia o leque, não limitando tais ativos à situação socioeconômica. Então, numa situação de risco, entre os ativos que determinada população poderá articular para diminuir sua vulnerabilidade, poderão estar elementos do capital social que não têm vinculação com poder aquisitivo nem renda. São as redes de solidariedade, os sistemas de proteção comunitários e familiares, além de alternativas que não estão diretamente vinculadas à situação socioeconômica da população. Essa discussão não se restringe à América Latina, é evidente. O Global Science Panel on Population Environment (GSP), numa publicação recente que objetivava traçar uma avaliação do papel da população nas estratégias de desenvolvimento sustentável, incluiu algumas considerações sobre as populações vulneráveis. O GSP focalizou segmentos populacionais vulneráveis e como eles se relacionam no âmbito espacial (ambiental) e social. O texto englobou a pobreza e a degradação da saúde, bem como baixos níveis de educação, diferença de sexos, carência de acesso a recursos e serviços e localização geográfica desfavorável. Populations that are socially disadvantaged or lack political voice are also at greater risk. Particularly vulnerable populations include the poorest, least empowered segments, especially women and children. Vulnerable populations have limited capacity to protect themselves from current and future environmental hazards, such as polluted air and water and catastrophes, and the adverse consequences of largescale environmental change, such as land degradation, biodiversity loss, and climate change (GSP, 2002, p. 3). A diminuição da vulnerabilidade é vista, nesse aspecto, como crucial no aumento da sustentabilidade, acreditando-se que dotar as populações de capacidade de resposta a situações adversas a que são expostas (riscos sociais ou ambientais) resultará na melhoria de sua qualidade de vida e de sua inserção social. Quanto à dinâmica migratória, Lori M. Hunter deu fundamental contribuição ao estudo da relação dos perigos naturais e tecnológicos com os motivos das Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 68 migrações (Hunter, 2004). Ela procura revisitar a teoria migratória tradicional, incorporando a vulnerabilidade e o risco aos perigos como fundamentais para entender o fenômeno migratório em nossa sociedade contemporânea. A autora movimenta importante bibliografia, apoiando-se também nos estudos dos geógrafos sobre perigos ambientais, de um lado, e nas pesquisas demográficas sobre migração, de outro. Migration as a demographic process can be associated with environmental hazards in several ways. On the one hand, proximate environmental hazards might influence residential decision-making by shaping the desirability of particular locales. In this case, we might consider environmental hazards as factors shaping migration. On the other hand, migration can represent an exacerbating force with regard to environmental hazards as a result of increasing population density in vulnerable locales (Hunter, 2004, p. 4). Sua noção de vulnerabilidade, em razão de sua proximidade com o estudo dos geógrafos, está centrada nos locais, ou seja, pessoas em risco são pessoas vivendo em lugares vulneráveis a perigos. No entanto, não se trata de uma postura simplista. Hunter alia, numa mesma perspectiva, a dinâmica de eventos extremos (naturais e tecnológicos), a estrutura familiar (demográfica e social) e a percepção do risco (individual), para compreender o fenômeno migratório a fim de integrar as dinâmicas sociais (quem pode ou não escolher como e para onde migrar), ambientais (os fenômenos e danos físicos que atingem as pessoas e as famílias) e individuais (os elementos preceptivos e particulares que influem na vulnerabilidade e na tomada de decisão). É uma contribuição fundamental que busca uma perspectiva conjuntiva da multidimensão da realidade (Marandola Jr., 2004), apontando caminhos possíveis de um diálogo profícuo entre geografia e demografia. Tais caminhos já têm sido desbravados por outros autores, como Markos Ezra, em seus estudos sobre a vulnerabilidade ambiental e a migração na África (Ezra, 2002); ou mesmo estudos anteriores, como os de Hogan (1992; 1996) sobre a relação migração, ambiente e saúde, revelando facetas e componentes dessa dinâmica em conexão aos danos e degradações ambientais, principalmente a poluição, em conjunto com os reveses sociais. Embora ainda não estivessem incorporados claramente os conceitos de risco, perigo ou vulnerabilidade em sua análise, essas pesquisas já Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 69 possuíam as preocupações e orientações que guiariam os demógrafos ocupados com a relação população e ambiente nos próximos anos. Assim, a demografia partiu de uma noção estritamente objetivista e centrada nos elementos da dinâmica demográfica e evoluiu para uma perspectiva mais global, incorporando elementos socioeconômicos e ambientais. Esse caminho é um constante aproximar-se da geografia, da qual os demógrafos puderam extrair importantes noções e bases conceituais. O principal ponto de encontro é a preocupação que guia o trabalho desses geógrafos e demógrafos: as relações entre o homem e seu meio (geógrafos) e das populações com seu ambiente (demógrafos). Tais relações são, em muitos sentidos, maneiras particulares de se expressar acerca da mesma problemática, e por isso iremos, a partir dela, centrar nossa análise preliminar das perspectivas e possibilidades de aumentar o diálogo e contato entre essas duas disciplinas. População e ambiente: entre geografia e demografia A preocupação com a situação ambiental das populações em seus diferentes contextos geográficos é um foco comum entre esses pesquisadores. Para os geógrafos, o interesse parte do próprio espaço, que numa perspectiva holística incluiu as pessoas. Para os demógrafos, a preocupação parte das populações em si, estendendo-se ao ambiente enquanto ele é fundamental na delimitação das condições de vida dessas pessoas. Assim, os dois campos disciplinares encontramse preocupados e ocupados dos mesmos problemas, embora suas trajetórias, conforme buscamos mostrar neste texto, tenham sido diferenciadas. Em vista disso, que linhas podemos traçar quiçá conjuntivas dessas duas ciências? Traçamos um amplo painel de suas pesquisas que possuem aqui e acolá pontos de contato. Mas há um diálogo promissor de fato? Em primeiro lugar, devemos reforçar o caráter multidimensional e polissêmico das categorias risco, perigo e vulnerabilidade. As diferentes abordagens e perspectivas de estudo, muito mais amplas e díspares do que estas que abordamos aqui, tratam os termos em determinados contextos teórico-metodológicos e de abordagem analítica. Não há uma base conceitual comum, a qual os diversos campos tenham utilizado como matriz. Existem, sim, algumas posturas confluentes, principalmente quando há preocupações Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 70 semelhantes, como ocorre no caso da geografia e da demografia no campo dos estudos ambientais. Notamos essa convergência em vários pontos. Por exemplo, a exposição do problema das populações em situação de risco, feita por Hogan (2000), apresenta as mesmas indagações que moveram os trabalhos sobre os perigos naturais. O autor afirma ser necessário um enfoque que dê conta da amplitude dos perigos e dos riscos, tanto em sua dimensão ambiental quanto socioeconômica. Isso ocorre, também, em virtude de os demógrafos estarem estudando esses mesmos perigos, tendo como referência a linha de investigação específica dos geógrafos, embora não diretamente filiados a ela. Quando Torres (2000) expõe suas indagações, também há uma nítida referência à geografia, principalmente pela preocupação com os recortes espaciais, a escala de análise e a distribuição espacial dos fenômenos. Portanto, se, de um lado, os demógrafos têm importante referência no tratamento espacial das dinâmicas ambientais feito pelos geógrafos, de outro, estes também têm um amplo leque de discussões sócio-demográficas que merecem sua atenção, assim como ainda podem enriquecer a já presente abordagem da vulnerabilidade em seus estudos. Pensamos especialmente nos trabalhos sobre os ativos e a estrutura de oportunidades, que são conceitos com muito a contribuir num cenário de entendimento amplo acerca da vulnerabilidade, para além de sua dimensão sociodemográfica. Nesse sentido, aos ativos podemos incorporar elementos do ambiente físico, que também têm lugar nesta estrutura de oportunidades que as pessoas utilizam para lidar com os riscos, diminuindo sua vulnerabilidade. Por outro lado, os riscos e as vulnerabilidades também são elementos que influem na mobilidade espacial da população. Fugir do risco (busca de segurança) e de uma alta vulnerabilidade (procura de proteção) são motivos que estão entre os principais nas decisões das pessoas de se mudar, principalmente de uma parcela da população que tem condições para isso. Em certo sentido, esse mudar faz parte da estrutura de oportunidades dessas pessoas (e não faz da maioria), que procuram locais de moradia onde os elementos sociais e ambientais estejam num patamar entendido como de qualidade. Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 71 Tais exemplos mostram que necessitamos de entendimentos mais conjuntivos, reunindo numa mesma perspectiva conceitual os elementos sociodemográficos e os ambientais. A proposição de Cutter (Figura 1) parece atender a essa demanda, procurando estabelecer uma reciprocidade entre o contexto social e o espacial. Contudo, uma questão que merece maior atenção é o enfoque metodológico na análise por áreas (risco/vulnerabilidade de lugares/áreas) e na análise por pessoas (risco/vulnerabilidade de pessoas/famílias). Mais do que expressar as diferentes trajetórias de estudo das duas disciplinas, esses dois enfoques não são, hoje, sinônimos de geografia e demografia, respectivamente. Os geógrafos já há algum tempo vêm trabalhando com abordagens culturais e humanistas, que enfocam as relações de envolvimento, pertencimento e identidade de pessoas e coletividades, utilizando-se de abordagens qualitativas e metodologias de certa forma próximas da antropologia (principalmente com inspiração fenomenológica). Por outro lado, os demógrafos, em especial aqueles envolvidos com a problemática ambiental, têm se valido muito da análise por áreas, trabalhando inclusive com análise espacial, geoestatística e Sistemas de Informação Geográfica (SIGs). Nesse sentido, não vemos posições excludentes em tal diferença de enfoque. Na verdade, talvez essa seja outra faceta promissora do diálogo entre as disciplinas. Buscar conjugar essas abordagens amplia a capacidade de análise, aumentando as dimensões da vulnerabilidade que estão sendo colocadas em foco. Evidentemente, adotar a abordagem da ―vulnerabilidade do lugar‖, como proposta por Cutter, está mais afinada a trabalhos aprofundados, verticalizados em locais específicos. E é justamente nessas abordagens que o olhar focado nas pessoas/famílias pode tornar-se mais útil e revelador, por permitir maior detalhamento e aprofundamento da realidade vivida por aqueles que habitam determinado lugar. Por outro lado, o enfoque nas pessoas, numa perspectiva mais abrangente, permite abarcar um número maior de realidades espacialmente localizadas, mas que possuem diferenças demográficas (e também espaciais) significativas. Esse enfoque nos apresenta quadros gerais mais bem delineados (olhar horizontal), perdendo em conseqüência a perspectiva do lugar verticalizado. Da mesma maneira, é possível conjugar os dois enfoques, trazendo as informações das pessoas/famílias Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 72 em correspondência aos espaços que ocupam, bem como a relação existente entre eles na macroorganização socioespacial, seja da cidade, da metrópole, seja de uma região maior. Em vista disso, caminhamos para uma perspectiva ampla da vulnerabilidade e dos riscos, que não privilegie apenas o enfoque por áreas (o lugar) nem o das pessoas (famílias). A ambição maior é dotar os riscos/vulnerabilidades de um sentido multidimensional e transescalar (Marandola Jr., 2004), que nos permita trabalhar com os dois enfoques de forma confluente. Pretendemos assim lidar com os aspectos sociais, ambientais e demográficos ao mesmo tempo, que enfocamos a perspectiva da experiência – relacionada à construção sociocultural e à percepção do risco (Marandola Jr., 2005) – e as mudanças ambientais globais, procurando um elo que conecte processos aparentemente tão distintos, mas que na sua gênese ou orientação final possuem elos claros que apontam para o sentido geral do devir de nossa sociedade (Marandola Jr. e Hogan, 2004c). Podemos dizer, portanto, que nossa tendência é antropocêntrica no sentido de focarmos o risco/vulnerabilidade das pessoas/famílias, entendendo, porém, que para esta delimitação os fatores de diferentes dimensões são fundamentais; entre eles, o lugar, ou seja, o espaço (e todas as suas implicações) onde aquela pessoa/família vive. Não se trata de definir o risco ou a vulnerabilidade a priori, como uma condição in natura. O risco é resultado da relação perigo–vulnerabilidade, sendo cada um deles proveniente de outras equações que incluem as várias dimensões envolvidas na geração, enfrentamento e impacto do fenômeno. Nesse sentido, não é possível, numa perspectiva abrangente, tratar de aspectos isolados como, por exemplo, os fatores ambientais stricto sensu. O contexto geográfico e a produção social dos perigos, bem como os sistemas de proteção e insegurança que estão na base da configuração da vulnerabilidade, são diversos e apresentam um quadro bastante complexo de variáveis, condições e indeterminações que nos induzem a procurar formas de incluir os determinantes sociodemográficos juntamente com os espaço-ambientais, numa perspectiva histórica e geográfica suficientemente ampla para abarcar a variedade dos processos envolvidos. Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 73 Contudo, ainda enfrentamos várias dificuldades para realizar tal conjunção. Em vista disso, continuamos com a reflexão aberta, buscando melhores condições de realizar esse diálogo, à medida que lidamos com as dificuldades inerentes ao processo. Assim, para finalizar, listamos os principais pontos confluentes e de enriquecimento que acreditamos poder compor uma pauta de diálogo entre essas duas disciplinas, além dos já citados, com o objetivo de construir uma base conceitual que permita o diálogo mais estreito e profícuo entre os enfoques e as disciplinas. • Em ambas as disciplinas, o risco é entendido como uma noção probabilística que alerta para o perigo e reclama ação. Na demografia, iniciase como neutro, passando a ser essencialmente negativo nos estudos ambientais e sociais, enquanto sempre teve um sentido negativo entre os geógrafos. • Perigo é um evento que provoca dano. Ele está intimamente relacionado ao risco e à vulnerabilidade, mas não faz parte do vocabulário dos demógrafos. É comumente confundido com risco, e sua distinção enriquece o quadro conceitual e explicativo. • Os demógrafos destacam três componentes constitutivos da vulnerabilidade: (1) existência de um risco; (2) incapacidade de responder ao risco; (3) inabilidade de adaptar-se ao perigo. Esta posição dos demógrafos estabelece a vulnerabilidade como essencialmente negativa, ou seja, colocando-a como incapacidade e como inabilidade. Os geógrafos, embora concordem com essas três componentes, as encaram como características dos lugares (não apenas das pessoas) e tendem a entender a vulnerabilidade como o grau de capacidade de resposta e de habilidade de adaptação (ajuste). Os demógrafos inclinam-se a ver a vulnerabilidade como característica de populações menos favorecidas (menos recursos socioeconômicos), enquanto os geógrafos tendem a ter esta perspectiva mais marginal, por enfocarem as vulnerabilidades dos lugares. • A resiliência e a capacidade de absorção são conceitos que aparecem tanto na literatura dos geógrafos quanto dos demógrafos. Também são promissores e apresentam excelentes possibilidades analíticas a serem mais bem exploradas e delineadas neste contexto de pesquisas. Busca-se identificar mecanismos que promovam a interconectividade e a flexibilidade, fomentando uma resiliência mais robusta a impactos externos. A abordagem permitirá análises ao nível individual, familiar, comunitário ou estatal. Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 74 • Os ativos e estrutura de oportunidades são noções a serem exploradas e ampliadas, colocando-as no contexto de discussões mais amplas, para além da sua dimensão sociodemográfica. A incorporação de elementos do ambiente biofísico parece promissora para uso tanto de geógrafos quanto de demógrafos. • Os debates sobre cidadania, exclusão social e pobreza precisam incorporar também esta discussão da vulnerabilidade ambiental. Isso se deve ao fato de muitas das áreas onde residem os grupos sociodemograficamente vulneráveis serem de alta vulnerabilidade ambi-ental. Nesse aspecto, reforça-se a idéia de conceitos mais conjuntivos e amplos para enfocar a problemática da desigualdade ambiental ao lado da desigualdade social. • O estudo das percepções e construções socioculturais em torno do risco também é tema ainda não explorado em grande medida pelos demógrafos. Há alguns apontamentos nesse sentido, mas ainda é uma questão não enfrentada pelos pesquisadores. Tal lacuna é importante porque influi diretamente no resultado de políticas públicas ou esforços de prevenção, proteção e construção de estruturas de oportunidades. Na geografia, embora exista uma larga tradição de estudos sobre a percepção do risco e das experiências humanas em seus ambientes, ainda há que se buscar um maior esforço de confluência dessas abordagens de problemáticas biofísicas e sociodemográficas. Sem dúvida, é um grande desafio para ambas as disciplinas. • Não há um esforço sistemático por parte de ambas as disciplinas de relacionar os elementos estudados (ambientes e grupos demográficos) na dinâmica da Sociedade de Risco. Torres (2000) chega a reconhecer esse hiato e a dificuldade de fazer essa ligação. Contudo, ela é de enriquecimento mútuo e pode aumentar o universo explicativo dos fenômenos estudados, por estabelecer a ponte entre fenômenos circunscritos no espaço e dinâmicas maiores que estão na própria ordem da produção macrossocial da sociedade contemporânea. É uma agenda importante para ambas as disciplinas, que até permitirá, provavelmente, um elo teórico para o enquadramento das diferentes perspectivas de estudo da vulnerabilidade. • Será essencial incorporar explicitamente nessa discussão os perigos criados pelo homem, como também os aspectos sociais de perigos naturais. A pulverização de agrotóxicos, as áreas com solo contaminado por usos industriais Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 75 anteriores, a proximidade de linhas de transmissão de eletricidade ou de dutos de gás ou petróleo, etc. são perigos espacialmente localizados, cujas conseqüências são filtradas por vulnerabilidades distintas. Se o objetivo maior da pesquisa é pensar na qualidade de vida e na sustentabilidade, não caberá partir de uma distinção rígida entre perigos naturais e os man-made. Os estudos de perigos naturais produziram um arcabouço conceitual importante, mas que hoje terá que ser integrado nos trabalhos que relativizam a noção de ―naturais‖. • Paralelamente a esse esforço, será necessário buscar indicadores ―síntese‖ de perigos e vulnerabilidades. O comprometimento da qualidade de vida (de uma população, de um indivíduo, de um grupo doméstico ou de um lugar) e da sustentabilidade não poderá ser dimensionado por um simples somatório de perigos de enchente, de deslizamentos, de exposição a produtos químicos, etc. Um desafio metodológico significativo são os índices compostos de perigo, de risco e de vulnerabilidade (Cutter, 2003). Tal esforço não eliminará a utilidade de estudos setoriais, que continuarão a orientar políticas também setoriais. Mas aqui, como no planejamento ambiental em geral, as visões inte-gradas são indispensáveis, mesmo quando a intervenção necessária for setorial. As vantagens dessas linhas de pesquisa incluem o fato de dirigir a nossa atenção a outros fatores da pobreza, stricto sensu, e à adoção de perspectivas claramente inter e multidisciplinares, que podem enriquecer os quadros de análise e a compreensão destes fenômenos tão latentes e candentes em nossas cidades. Além disso, elas apresentam questões que perpassam vários campos de investigação contemporânea em diferentes ciências, que necessitam maior atenção e estudo por parte não apenas de geógrafos e demógrafos, mas de outros preocupados com as questões sociais e ambientais de maneira geral. Contudo, são apenas algumas questões e reflexões preliminares que merecerão refinamento ao longo do exercício deste diálogo entre geografia e demografia, nosso, em particular, e do grupo de pesquisa, em geral. Esse é um dos desafios que, esperamos, possa contribuir para o estudo da situação ambiental das populações que têm o risco como uma sombra negra que paira sobre suas vidas, em seus lares. O conhecimento das diferentes vulnerabilidades dessas populações pode contribuir para identificar os ativos de que estas precisam para conseguir dar Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 76 respostas mais adequadas aos perigos, melhorando assim sua perspectiva e qualidade de vida. Referências bibliográficas ANEAS DE CASTRO, S.D. Riesgos y peligros: una visión desde la geografía. Scripta Nova: Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. Barcelona, n. 60. Disponível em:
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br BIBLIOTECA PARA O CURSO DE PROJETOS E LICENCIAMENTO AMBIENTAL Selecionamos para você uma série de artigos, livros e endereços na Internet onde poderão ser realizadas consultas e encontradas as referências necessárias para a realização de seus trabalhos científicos, bem como, uma lista de sugestões de temas para futuras pesquisas na área. Primeiramente, relacionamos sites de primeira ordem, como: www.scielo.br www.anped.org.br www.dominiopublico.gov.br SUGESTÕES DE TEMAS 1. PROJETOS, PLANEJAMENTOS E LICENCIAMENTO AMBIENTAL; 2. INDICADORES DE QUALIDADE AMBIENTAL; 3. CERTIFICAÇÃO SÉRIE ISO 14000 - GESTÃO AMBIENTAL; 4. AUDITORIA E CERTIFICAÇÃO; 5. SISTEMA DE GESTÃO AMBIENTAL; 6. DIREITO E LEGISLAÇÃO AMBIENTAL; 7. RETIFICAÇÃO DE ÁREA E PARCELAMENTO DO SOLO; 8. GESTÃO DE RESÍDUOS; 9. MEIO AMBIENTE, DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE; 10.SAÚDE DOS TRABALHADORES E MEIO AMBIENTE EM TEMPOS DE GLOBALIZAÇÃO E REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA; 11.A GLOBALIZAÇÃO E A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA; 12.TECNOLOGIA E ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO; 13.NOVAS MODALIDADES DE TRABALHO E NOVAS RELAÇÕES DE TRABALHO; Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 2 14.MUNDIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO/DESTERRITORIALIZAÇÃO DO CAPITAL; 15.ESPECIALIZAÇÃO FLEXÍVEL; 16.FINANCEIRIZAÇÃO DA ECONOMIA; 17.EMERSÃO DE NOVOS ATORES GLOBAIS E CRISE DO ESTADO NACIONAL; 18.QUE CONSEQUÊNCIAS DESTE PROCESSO PODEM SER ESPERADAS E OBSERVADAS NO MUNDO DO TRABALHO?; 19.APROFUNDAMENTO DA FRAGMENTAÇÃO DA SOCIEDADE; 20.AGRAVAMENTO DA QUESTÃO SOCIAL, AMPLIAÇÃO DA EXCLUSÃO E AMEAÇA À COESÃO SOCIAL; 21.COMO A GLOBALIZAÇÃO E A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA REBATEM SOBRE O CAMPO DA SAÚDE DOS TRABALHADORES E DO MEIO AMBIENTE? Que Tendências Podem Ser Observadas?; 22.TENDÊNCIAS COMUNS AO CONJUNTO DOS TRABALHADORES; 23.TENDÊNCIAS NA TERCEIRIZAÇÃO PREDATÓRIA; 24.HERANÇA DE DIFERENCIAÇÃO E FUTURO DE FRAGMENTAÇÃO; 25.0 PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO E SEUS REBATIMENTOS NO ESTADO; 26.A GLOBALIZAÇÃO E O DESAFIO DA QUESTÃO SOCIAL; 27.GLOBALIZAÇÃO E A SAÚDE E SEGURANÇA DOS TRABALHADORES; 28.TRABALHO E REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA: 10 anos de linha de produção; 29.A DEGRADAÇÃO DO TRABALHO E OS RISCOS INDUSTRIAIS NO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO, REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E DAS POLÍTICAS NEOLIBERAIS 30.TRABALHO, RISCOS INDUSTRIAIS E MEIO AMBIENTE: rumo ao desenvolvimento sustentável? 31.GLOBALIZAÇÃO ÉTICA E SOLIDARIEDADE 32.DESAFIOS DA GLOBALIZAÇÃO 33.AS TRÊS ECOLOGIAS 34.ERA DOS EXTREMOS - O BREVE SÉCULO XX Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 3 35.A DESORDEM DO TRABALHO 36.OS MUITOS BRASIS - SAÚDE E POPULAÇÃO NA DÉCADA DE 80 37.MUDANÇAS TECNOLÓGICAS E ORGANIZACIONAIS E OS IMPACTOS SOBRE O TRABALHO E A QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL 38.REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E ESTRATÉGIAS NO MUNDO DO TRABALHO: as consequências para os trabalhadores 39.TECNOLOGIA E SAÚDE: um convívio sustentável? 40.GLOBALIZAÇÃO: em direção a um mundo só? 41.A GEOGRAFIA POLÍTICA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL 42.EM BUSCA DE NOVAS ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO 43.GLOBALIZAÇÃO E MEIO AMBIENTE 44.DESAFIOS DA GLOBALIZAÇÃO 45.UMA ANÁLISE CRÍTICA DA ISO 14000 46.UMA DISCUSSÃO FENOMENOLÓGICA SOBRE OS CONCEITOS DE PAISAGEM E LUGAR, TERRITÓRIO E MEIO AMBIENTE 47.SAÚDE E AMBIENTE NO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO 48.VULNERABILIDADES E RISCOS: entre geografia e demografia 49.RISCOS E VULNERABILIDADES: trajetória demográfica 50.POPULAÇÕES EM SITUAÇÕES DE RISCO: um avanço conceitual 51.VULNERABILIDADE SOCIODEMOGRÁFICA: um conceito latino-americano 52.VULNERABILIDADE SOCIOAMBIENTAL: aproximando-se da geografia 53.POPULAÇÃO E AMBIENTE: entre geografia e demografia 54.APLICAÇÃO DAS TÉCNICAS DOS RISCOS COMPETITIVOS À MORTALIDADE DO BRASIL E MACRORREGIÕES 55.MIGRAÇÃO, AMBIENTE E SAÚDE NAS CIDADES BRASILEIRAS 56.POPULAÇÃO, POBREZA E POLUIÇÃO EM CUBATÃO 57.POPULAÇÃO, MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO: verdades e contradições 58.A RELAÇÃO ENTRE POPULAÇÃO E AMBIENTE: desafios para a Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 4 demografia 59.POPULAÇÃO E MEIO AMBIENTE: debates e desafios 60.DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA POPULAÇÃO E SUSTENTABILIDADE: alternativas de urbanização 61.URBANIZAÇÃO E VULNERABILIDADE SÓCIO-AMBIENTAL: o caso de Campinas 62.MIGRAÇÃO E AMBIENTE NAS AGLOMERAÇÕES URBANAS 63.A CIDADANIA VULNERABILIZADA NA AMÉRICA LATINA 64.VIVER EM RISCO: sobre a vulnerabilidade no brasil urbano 65.VULNERABILIDADES E RISCOS NA METRÓPOLE: a perspectiva da experiência 66.O RISCO EM PERSPECTIVA: tendências e abordagens 67.VULNERABILIDADE: esboço para uma discussão conceitual 68. GÊNERO, SAÚDE E PROTEÇÃO ENTRE JOVENS: um perfil tradicional 69. INTERFACES: gênero, sexualidade e saúde reprodutiva 70. INDÚSTRIA QUÍMICA BRASILEIRA, ACIDENTES QUÍMICOS AMPLIADOS E VULNERABILIDADE SOCIAL 71. POPULAÇÃO E MEIO AMBIENTE: debates e desafios 72. UMA ANÁLISE DE RISCOS COMPETITIVOS SOBRE O USO DE MÉTODOS ANTICONCEPTIVOS NO NORDESTE 73. DEGRADAÇÃO AMBIENTAL EM FAVELAS DE SÃO PAULO 74. POPULAÇÃO E MEIO AMBIENTE: debates e desafios 75. A DEMOGRAFIA DO RISCO AMBIENTAL 76. REFLEXÕES SOBRE A HIPERPERIFERIA: novas e velhas faces da pobreza no entorno municipal 77. POBREZA E ESPAÇO: padrões de segregação 78. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E SEGURANÇA AMBIENTAL GLOBAL 79. COLOCANDO DADOS NO MAPA: a escolha da unidade espacial de agregaçäo e integraçäo de bases de dados em saúde e ambiente através do Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 5 geoprocessamento 80. MOBILIDADE POPULACIONAL E MEIO AMBIENTE 81. CIÊNCIAS SOCIAIS E MEIO AMBIENTE NO BRASIL: um balanço bibliográfico 82. POLÍTICAS E PLANEJAMENTO DO TURISMO NO BRASIL 83. TURISMO E MEIO AMBIENTE NO LITORAL PAULISTA DINÂMICA DA BALNEABILIDADE NAS PRAIAS 84. SAÚDE E MEIO AMBIENTE: ANÁLISE DE DIFERENCIAIS INTRAURBANOS, MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, BRASIL 85. A CONCEPÇÃO DE" ESPAÇO" NA INVESTIGAÇÃO EPIDEMIOLÓGICA 86. A INSURREIÇÃO DA ALDEIA GLOBAL CONTRA O PROCESSO CIVIL CLÁSSICO: apontamentos sobre a opressão ea libertação judiciais do meio ambiente e do consumidor 87. VULNERABILIDADES E RISCOS: entre geografia e demografia 88. CRESCIMENTO DEMOGRÁFICO E MEIO AMBIENTE 89. A GEOGRAFÍA MÉDICA E AS DOENÇAS INFECTOPARASITARIAS 90. CONTRIBUIÇÕES PARA A GESTÃO DA ZONA COSTEIRA DO BRASIL: elementos para uma geografia do litoral brasileiro 91. GÊNERO E MEIO AMBIENTE 92. ESTIMATIVAS DE PERDA DA ÁREA DO CERRADO BRASILEIRO 93. SAÚDE E AMBIENTE NO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO 94. ACESSO AOS SERVIÇOS DE SAÚDE: uma abordagem de geografia em saúde pública 95. DESCENTRALIZAÇÃO E MEIO AMBIENTE 96. A TEMÁTICA SAÚDE E AMBIENTE NO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DO CAMPO DA SAÚDE COLETIVA: aspectos históricos, conceituais e metodológicos 97. CONFLITOS CONCEITUAIS NOS ESTUDOS SOBRE MEIO AMBIENTE 98. HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE 99. O LITORAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO: uma caracterização físicoambiental Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 6 100. O CONCEITO DE ESPAÇO NA EPIDEMIOLOGIA DAS DOENÇAS INFECCIOSAS 101. OS (DES) CAMINHOS DO MEIO AMBIENTE 102. MEIO AMBIENTE E CIÊNCIAS HUMANAS 103. SAÚDE DOS TRABALHADORES E MEIO AMBIENTE EM TEMPOS DE GLOBALIZAÇÃO E REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA 104. GEOGRAFIA SOCIOAMBIENTAL 105. UMA DISCUSSÃO FENOMENOLÓGICA SOBRE OS CONCEITOS DE PAISAGEM E LUGAR, TERRITÓRIO E MEIO AMBIENTE 106. CIDADE E MEIO AMBIENTE: percepções e práticas 107. ESPAÇO GEOGRÁFICO UNO E MÚLTIPLO 108. A QUESTÃO DO MEIO AMBIENTE: desafios para a construção de uma perspectiva transdisciplinar ARTIGOS PARA LEITURA, ANÁLISE E UTILIZAÇÃO COMO FONTE OU REFERENCIA Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, 93/94: 9-20, dez.1998 SAÚDE DOS TRABALHADORES E MEIO AMBIENTE EM TEMPOS DE GLOBALIZAÇÃO E REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA Raquel Maria Rigotto Professora do Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina da Universidade do Ceará. RESUMO Quais os rebatimentos da Globalização e da Reestruturação Produtiva sobre a saúde dos trabalhadores e o meio ambiente? Para identificar as principais tendências neste sentido, este artigo apresenta algumas características daqueles macro-processos - como a incorporação de novas tecnologias e novas formas de Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 7 organizar o trabalho, a flexibilização e a focalização da produção, a desterritorialização do capital, a financeirização da economia, a emersão de novos atores globais e a crise do estado nacional, a assimetria. Descreve as conseqüências deste processo no mundo do trabalho, enfatiza a fragmentação da classe trabalhadora e o agravamento da exclusão social. Relaciona as mudanças urbanas, as transformações no processo de trabalho e a difusão ampliada dos riscos industriais-ambientais como mediadoras dos rebatimentos da Globalização e da Reestruturação Produtiva sobre a saúde humana e o meio ambiente. Palavras-chave: Globalização, Reestruturação produtiva, Saúde dos trabalhadores, Meio Ambiente. O CENÁRIO Contempla-se, como fruto da modernidade, nesta virada de milênio, o espetáculo dos avanços científicos e tecnológicos da civilização humana nos últimos duzentos ou trezentos anos. Nossos pais ou avós, que cruzaram este século que agora finda, testemunharam a difusão do uso da eletricidade, o surgimento do rádio e da televisão, a invasão dos motores à explosão, a bandeira americana sendo fincada no solo da Lua, o telefone e, ultimamente, a expansão da informática e da microeletrônica, revolucionando os conceitos de tempo e distância, a comunicação, a produção, os nossos modos de vida. A população mundial cresceu, a maioria é melhor alimentada, mais alta e mais pesada, mais longeva. Somos muito mais capazes de produzir bens e serviços. A humanidade é muito mais culta (HOBSBAWM, 1995). Testemunham-se, porém, também os limites do projeto moderno - centrado na racionalidade, na técnica e na ciência - para resolver problemas fundamentais da humanidade. Mesmo sabendo que a avalanche de números muitas vezes banaliza os problemas e oculta o sofrimento humano, vale lembrar que mais de um bilhão de pessoas vivem em pobreza absoluta, 900 milhões de adultos são analfabetos, 100 milhões de pessoas não tem casa, 150 milhões de crianças menores de 5 anos são desnutridas... (United Nations Development Programm / UNDP, 1990). Há ainda os problemas ambientais gerados pela sociedade urbano-industrial - como o efeito Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 8 estufa, a destruição da camada de ozônio, as chuvas ácidas, a produção de milhares de poluentes da água, do solo e do ar, o acúmulo de lixo tóxico e a exploração intensiva de recursos naturais não-renováveis - que colocam sob ameaça a sobrevivência do Planeta. A globalização e a reestruturação produtiva É exatamente neste cenário de modernização conservadora (MATTOSO, 1995) que surgem mudanças profundas na vida social e nos processos de trabalho, as quais vem sendo estudadas como Reestruturação Produtiva, ou Reconversão Econômica, ou Nova Ordem Econômica Mundial, ou Terceira Revolução Industrial. Falar em Terceira Revolução Industrial pode invocar em nosso imaginário uma paisagem arrojada e futurista: robôs, maquinas de comando numérico, manufaturas e desenhos ajudados por computador, programas de controle de qualidade, ISO 9000, reengenharia... Mas ela é mais que o fetiche tecnológico. Está claro que a Reestruturação Produtiva é um processo econômico, político e cultural em curso, de grande dinamismo e alta complexidade, acontece em escala planetária e em ritmo intenso, exigindo a inserção de todos. Estruturalmente vinculada à Globalização, estes dois processos tem sido conduzidos pelas forças hegemônicas em âmbito internacional, representando a mais recente configuração do capitalismo - a qual converte o sistema mundial em espaço de acumulação - apontando para profundas repercussões sobre a vida social (CARVALHO, 1997a). Dai a importância de estudar este processo, verificar suas reais dimensões; identificar, em essência, suas potencialidades, para buscar interferir nele. A seguir apresentam-se algumas das características ou tendências que já se configuram: Tecnologia e organização do trabalho Apropria-se dos avanços da microeletrônica e da incorporação da informática aos processos de produção para garantir produtos de melhor qualidade e maior competitividade no mercado. Modifica as rígidas formas Taylorista e Fordista de organizar o trabalho nas empresas, sob forte influência do modelo Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 9 Toyotista japonês, reduzindo os níveis hierárquicos, buscando mais iniciativa e participação do trabalhador no processo (FERREIRA, 1993). Novas modalidades de trabalho e novas relações de trabalho Expandem-se novas modalidades de trabalho, como o autônomo, o tempo parcial, o temporário, a domicilio etc. No campo das relações de trabalho, "verifica-se a implementação de políticas que visam impor ao empregado uma nova identidade, configurada na relação entre indivíduo-empresa e forjada através de diferentes estratégias de interação na disputa pela lealdade do trabalhador" (NEVES, s.d.). Mundialização da produção/desterritorialização do capital Desconcentra geograficamente a produção, aproveitando-se das facilidades de transporte oferecidas pela globalização: organiza a fabricação de componentes a partir de atividades em diversos países, usufruindo de vantagens comparativas no acesso a recursos naturais e matérias-primas, isenções oferecidas pelos governos, características da mão-de-obra local - qualificação, custo etc. (CARVALHO, 1997a). Focalização da produção A grande empresa tende a ser substituída por estabelecimento menor, que centra sua atividade naquilo que é a sua excelência (por exemplo, o motor do carro). As demais partes do processo produtivo são delegadas a outras empresas, as terceirizadas. Estas empresas, as vezes, são implantadas numa mesma área geográfica, formando um condomínio de empresas (GONÇALVES, s.d.). Especialização flexível A competitividade baseia-se na identificação e na produção de bens não padronizados, voltados para nichos de mercado ou atende, aparentemente, aos desejos do consumidor individual. Em oposição a produção de bens em massa, supõe uma planta industrial flexível, com máquinas universais programáveis e operadas por trabalhadores desespecializados, qualificados e polivalentes Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 10 (ANTUNES, 1996¹). Financeirização da economia Há um domínio do capital financeiro, operando como "dinheiro volátil", por meio de redes e circuitos informatizados globais, cerca de 1,4 trilhões de dólares por dia, em detrimento do investimento produtivo. Mesmo as corporações tipicamente industriais tem as aplicações financeiras como um elemento central do processo de acumulação (CARVALHO, l 997a). Emersão de novos atores globais e crise do Estado Nacional Articuladas ao neoliberalismo, estas transformações tem sido conduzidas pelos interesses diretos de novos e poderosos atores sociais, refletindo acelerada concentração do capital, como os 358 grandes conglomerados e grupos transnacionais que controlam 40% da riqueza mundial e controlam 80 a 90% das tecnologias. Com este poderio econômico e aproveitando-se das fragilidades dos sistemas de governo mundial, têm prescindido e até inibido a participação reguladora do Estado ou do conjunto da sociedade civil na definição e implantação de políticas (RATTNER, 1997), criando o que vem sendo denominado de crise dos estados nacionais. Assimetria Sob a cortina de um mundo globalizado, de uma suposta "aldeia global" homogeneizada pela superação dos limites do espaço/tempo, esconde-se um processo estruturalmente assimétrico. Ele designa papeis e limites específicos a cada povo/segmento ou país/região/localidade, mediante nova divisão internacional do trabalho, aprofundando as desigualdades inter e intranacionais. Os países industrializados passaram a ser exportadores de tecnologia cientifica e muitos "países subdesenvolvidos" passaram a ser os "novos países industrializados", num processo desigual tanto do ponto de vista socioeconômico quanto ambiental, no tocante à distribuição dos riscos ambientais e ocupacionais (RODRIGUES apud SOBRAL, 1997). 0 Brasil, como outros países periféricos, está buscando seu ajuste a esta nova ordem mundial, de acordo com o caminho prescrito pelo Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 11 Banco Mundial e o FMI no Consenso de Washington: privatização, redução do Estado, abertura comercial, desregulação dos mercados etc. Mas, por esta proposta, serão integrados apenas os setores, os pólos dinâmicos que podem atingir os padrões de competitividade exigidos. Para os demais, não há propostas, não há horizontes (BACELAR, 1997). Que conseqüências deste processo podem ser esperadas e observadas no mundo do trabalho? De fato, tendo como base concreta a incorporação de inovações tecnológicas e organizacionais à esfera produtiva, esta revolução abre possibilidades técnicas muito importantes, como é a fantástica ampliação da comunicação humana em tempo real, representada hoje pela Internet. Outro exemplo é a oportunidade de usar as novas tecnologias para eliminar o trabalho humano em funções insalubres, penosas ou destituídas de conteúdo significativo, libertando trabalhadores do sofrimento, da doença e da morte no trabalho. Mais do que isto: olhares otimistas sobre a trajetória histórica da humanidade tentam explorar neste processo a oportunidade de realização de parte da utopia moderna, rumo à emancipação dos seres humanos do jugo do trabalho: as máquinas trabalhariam enquanto as pessoas se dedicariam ao lazer, à preguiça, à criação, às artes, à vivência solidária. Mas a questão é mais complexa e precisa ser contemplada também por outros ângulos. A Reestruturação Produtiva rompe com a hegemonia do Estado e o capitalismo de bem-estar do pós-guerra e afeta o interior do processo produtivo, a divisão do trabalho, o mercado de trabalho, o papel dos sindicatos, as negociações coletivas. Estas mudanças estão ocorrendo sem rupturas significativas com a cultura da acumulação, da exploração irresponsável da natureza e injusta dos homens. Também não se tem verificado, na maioria dos países, a necessária regulação por parte do Estado: dar direcionalidade e racionalidade a este processo, buscando as melhores alternativas de inserção do país nesta nova ordem mundial, na perspectiva do conjunto de seus cidadãos. Tendem a prevalecer, até o momento, os interesses do capital de se rearranjar por maior competitividade, questionando direitos e conquistas dos trabalhadores e das sociedades democráticas (MATTOSO, 1995). Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 12 Surgem, assim, novos problemas para o mundo do trabalho: efeitos sobre o nível e composição dos empregos, sobre as qualificações requeridas ao trabalhador, o valor dos salários e sua relação com a massa de lucro apropriada pelas empresas, as condições de trabalho, a gestão e controle da mão-de-obra e as relações sindicais (DIEESE, 1994). Outras revoluções já chacoalharam o mundo do trabalho em nossa História. Esta última produz o desemprego estrutural, resultante da desregulação da concorrência e dos mercados, da ausência de políticas macroeconômicas apropriadas, dos efeitos da globalização financeira sobre o investimento e o crescimento econômico (MATTOSO, 1995). Como dimensão da insustentabilidade deste processo, evidencia-se a transformação de boa parte dos seres humanos que vivem do trabalho em redundantes: um bilhão de desempregados no mundo de hoje confundem- se com os excluídos do acesso e do gozo de direitos e benefícios sociais mínimos. Número crescente da população - brasileira e mundial - torna-se desnecessária para o processo produtivo, o que significa falta de acesso a bens e serviços públicos, à informação e à cultura e, na falta de políticas sociais eficientemente compensatórias, a fome e até a morte (RATTNER, 1996). Mais do que isto, consolida-se um brutal aprofundamento da fragmentação da classe trabalhadora, retalhando-a em segmentos com perfis de vida muito diferenciados, como se vê a seguir: * os empregados das empresas de ponta, * os empregados das "terceiras" , * o diversificado e crescente contingente dos trabalhadores no mercado informal e * os excluídos, não só do mercado de trabalho, mas também das políticas públicas, da identidade cultural, da participação e da representação política. Há, evidentemente, uma lógica que articula estes segmentos. Ao cenário de Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 13 modernidade e sofisticação tecnológica das empresas de ponta articula-se - não como efeito colateral indesejável, mas como um dos paradigmas constitutivos deste processo - o universo das "terceiras". Na maioria dos casos, em vez de representarem um esforço articulado entre a grande e a pequena empresa no sentido de qualificar fornecedores e aumentar a qualidade dos produtos - o padrão reestruturante de terceirização, consistem de estratégias restritivas de externalização das atividades para redução de custos via precarização das relações e condições de trabalho, somada à diminuição do nível de remuneração e na perda de parte dos benefícios sociais - o padrão predatório de terceirização (DIEESE, 1994). Faz também parte deste cenário o grande e diversificado grupo de trabalhadores do mercado informal, que inclui desde os trabalhadores ligados à indústria de calçados, por exemplo, e que desenvolvem suas atividades em casa; ou os de confecções ligados a "facções" ; os camelôs, lavadores e vigias de carros nas grandes cidades; as mulheres não remuneradas no seu trabalho cotidiano de cuidar das crianças, dos idosos, dos deficientes; as crianças obrigadas precocemente ao trabalho, e tantos outros, que chegam a se igualar com a população economicamente ativa inserida no mercado formal de trabalho, ou, em algumas regiões, superam-na. Para completar este quadro, qualificado como modernização conservadora exatamente por seus graves impactos sociais, é preciso ainda trazer à cena outro grupo de trabalhadores, de fronteiras nebulosas com o anterior, que é o dos excluídos, dos desempregados, dos sem-terra, dos jovens e idosos que não conseguem acesso ao mercado de trabalho, das famílias subjugadas ao trabalho escravo no ermo das carvoarias ou das plantações de cana, dos famintos das grandes cidades, das correntes migratórias em busca de trabalho. A eles vêm juntarse trabalhadores demitidos nos processos de enxugamento das empresas - não só os menos qualificados, mas também supervisores e chefias intermediárias; categorias que se extinguem - bancários, por exemplo, de 1.700.000 trabalhadores em 1990 para 400.000 em 1995 etc. Parece, assim, que mais duas características ou tendências devem ser Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 14 acrescentadas à Reestruturação Produtiva, pela forma como vem sendo conduzida em especial nos países periféricos: Aprofundamento da fragmentação da sociedade (CARVALHO, 1997b, NEVES, s.d.). Consolidam-se segmentos com pouca mobilidade entre si, com níveis de vida muito desiguais, ao tempo em que, pela ampliação estrutural do desemprego, condena parte considerável da população à condição de desnecessária ao mercado de trabalho e de consumo - os excluídos. Agravamento da questão social, ampliação da exclusão e ameaça à coesão social Agravam-se os mecanismos geradores de desigualdades entre os segmentos sociais, ao aprofundar o abismo entre ricos e pobres. Em 1991, um "quinto mais rico da população do mundo apropriava-se de 84,7% do PIB mundial, enquanto um quinto mais pobre estava reduzido a 1,4%. Em 30 anos, a disparidade das rendas entre estes dois extremos passou, de 30 por um, para 60 por um" (SACHS,1995). Este quadro aponta para o aumento da heterogeneidade no interior das macrorregiões, coexistindo áreas dinâmicas e "integradas" com outras estagnadas (BACELAR, 1997) - o que, somado aos diversos mecanismos de quebra dos laços de solidariedade de classe no mundo do trabalho, coloca em xeque a própria sociabilidade do sistema. Quanto à dinâmica política da sociedade, entram em rigoroso questionamento as formas tradicionais de representação e defesa de interesses. 0 setor privado aperfeiçoa seu desempenho na disputa pela adesão dos trabalhadores, apelando à sua subjetividade para criar novos laços de identidade entre empresa e empregados. Os sindicatos de trabalhadores, de maneira geral, tem encontrado muitas dificuldades diante da magnitude do desafio, hoje, da defesa do emprego e dos salários, num quadro de redução da massa de trabalhadores formalmente empregados e da modificação de seu perfil. Apesar do esforço de algumas entidades em compreender o processo mais geral em curso e redirecionar suas práticas, não tem sido simples, num contexto que tende a minar a Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 15 solidariedade, adotar uma visão de classe social que ultrapasse os limites da corporação de ofício e avance na interlocução com a sociedade (ANTUNES, 1996²). São poucas as experiências bem sucedidas, por exemplo, de incorporação do universo dos trabalhadores terceirizados à agenda sindical. Há também a questão dos trabalhadores do mercado informal, com maiores dificuldades ainda de desenvolver formas ou instâncias de organização que tragam suas questões para a agenda social. Os horizontes apontam para a diversidade dos movimentos sociais e para o crescimento das Organizações Não-Governamentais, ampliando o leque de questões em debate - gênero, etnias, homossexualismo, ambiente, entre outras - e para a possibilidade de atuação articulada entre elas. Como a Globalização e a Reestruturação Produtiva rebatem sobre o campo da saúde dos trabalhadores e do meio ambiente? Que tendências podem ser observadas? A saúde humana, hoje, é profundamente marcada pela forma como se vive, no Brasil e no mundo, o processo de Globalização e de Reestruturação Produtiva, mediado pelas mudanças urbanas, as transformações no processo de trabalho e a difusão ampliada dos riscos industriais-ambientais. 0 modo de vida desenhado por este modelo redefine os padrões de saúde-doença das populações: "A incorporação de milhares de novas substâncias químicas, o aumento das plantas industriais, dos volumes produzidos e transportados e da aplicação de diversas formas de energia trouxeram, indubitavelmente, a ampliação da grandeza e do alcance dos impactos sócio ambientais das atividades humanas nas sociedades contemporâneas. Assim, os padrões de produção e consumo passaram a definir, cada vez mais profundamente, tanto o estado das águas, do ar, dos solos, da fauna e flora, quanto as próprias condições da existência humana: seus espaços de moradia e de trabalho, seus fluxos migratórios, as situações de saúde e de morte." (FRANCO e DRUCK,1997: 25) Estas autoras apontam que, nos espaços urbano-industriais - que hoje concentram mais de dois terços da população, rompem-se as fronteiras entre o ambiente intra e extra-fabril, como demonstram os acidentes industriais de grande porte. Os riscos Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 16 gerados na atividade produtiva expandem seu raio de ação, movimentam-se pelo espaço geográfico por meio de dutovias e outros meios de transporte, ampliando a população a eles exposta. A biotecnologia e novos materiais geram novos meios de agressão aos mecanismos de regulação da biosfera e lesam os organismos humanos com efeitos cumulativos que podem resultar em mutagênese, teratogênese, carcinogênese (FRANCO e DRUCK, 1997). Por outro lado, as doenças infecto-contagiosas emergentes, como a AIDS, e as reemergentes, como a tuberculose, a dengue e o cólera, vem nos lembrar o duplo perfil de morbi-mortalidade dos países periféricos, onde elas se associam às doenças crônico-degenerativas e ao crescimento das causas externas, como a violência, os acidentes de trânsito e de trabalho e as intoxicações de origem ambiental ou ocupacional. É o registro, no corpo das pessoas, da perversa sobreposição de padrões de pobreza e miséria aos padrões "modernos" de desgaste da saúde (MINAYO, 1995). Assim, é possível identificar vários rebatimentos deste processo sobre a saúde que são comuns ao conjunto da classe trabalhadora. Outros, entretanto, devem ser compreendidos na especificidade da inserção do segmento de classe considerado naquele processo, como se vê a seguir. Tendências comuns ao conjunto dos trabalhadores Retrocesso nas Políticas Sociais, como tem sido visto na questão da Previdência Social ou do financiamento do Sistema Único de Saúde, com sérios impactos sobre a qualidade da atenção prestada à saúde da população. A disputa entre os governos pela instalação de plantas industriais, apresentadas à sociedade como soluções para o desemprego, na maioria das vezes não considera seus impactos sobre o meio ambiente e as condições de trabalho, podendo levar a maior degradação ambiental e à geração de mais situações de risco. Tendência ao deslocamento dos empreendimentos para cidades de menor porte, sem tradição industrial, ampliando os territórios expostos a tensores ambientais e a Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 17 riscos ocupacionais, sem a correspondente capacitação do poder público e dos organismos da sociedade civil para seu controle. Tendência à "privatização" do controle ambiental, relegado às leis do mercado e à iniciativa privada, sem participação do Estado ou da sociedade civil, como no caso dos sistemas de certificação ISO 14000 e 9000 (SOBRAL, 1997; VILELA & IGUTI, 1997). Flexibilização das relações de trabalho, com tendência a retrocessos dos direitos conquistados e reconhecidos na legislação trabalhista, como as formas de contratação e a jornada de trabalho, com a possibilidade de intensificação do desgaste dos trabalhadores. Terceirização - cresce o número de trabalhadores ligados ao setor de serviços, onde estão expostos a riscos ocupacionais mais relacionados à carga mental e psíquica, agentes ergonômicos etc. Introdução de novas matérias-primas, produtos, tecnologias e formas de organizar o trabalho ainda não suficientemente avaliados quanto aos seus efeitos nocivos à saúde, à segurança e ao ambiente. Maior dedicação de energia do trabalhador ao trabalho: exigência de qualificação permanente, de participação na construção da competitividade da empresa. Relações no trabalho e sociais mais competitivas. Quebra dos laços de solidariedade, maior individualismo, maior solidão. Maior dificuldade para a ação coletiva e sindical, quanto às iniciativas dos sujeitos em defesa da saúde no trabalho e do meio ambiente. Tendência ao crescimento da violência, pelo agravamento da questão social, com os seus reflexos sobre o perfil de morbi-mortalidade da população: assaltos, homicídios, dependência de drogas, gangs urbanas, delinqüência juvenil e acidentes de transito. Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 18 Tendências nas empresas de ponta No tocante às relações de trabalho, as exigências de qualidade neste setor tornam necessária maior adesão dos trabalhadores ao projeto da empresa, fazendo emergir a proposta da parceria. Abrem-se assim, para algumas categorias com maior tradição de organização, maiores possibilidades de conversa entre empresários e trabalhadores, reconhecendo, de um lado, a existência de identidades e interesse distintos, ao procurar espaços de negociação delimitados pelo interesse comum na manutenção do emprego/sobrevivência da empresa. Neste segmento, podem ser observados alguns avanços na contratação coletiva do trabalho, na negociação madura da redução e da flexibilização da jornada de trabalho, com ganhos para os trabalhadores na manutenção do emprego e não-redução do salário. Há alguma abertura para ultrapassar limites impostos pela CLT e pelos padrões tradicionais de relação: pode-se, por exemplo, negociar a introdução de inovações tecnológicas e organizacionais e as condições de trabalho (DIEESE, 1994). Entretanto, existem muitos problemas para este grupo de trabalhadores. Com a introdução de inovações tecnológicas e, em especial, de novas formas de organizar o trabalho, surge a exigência de um novo perfil do trabalhador. 0 saber já possuído por ele não interessa mais, há demanda de aquisição permanente de novos conhecimentos, somada à exigência de polivalência. Possibilidade/exigência de maior iniciativa e criatividade do trabalhador no processo de trabalho. Substituição do controle de chefias e hierarquias por novas formas de controle. Nem sempre a maior qualidade do produto e produtividade implicam a melhoria da qualidade de vida e da qualidade do trabalho. Tendência ao controle dos riscos ocupacionais mais "selvagens", com possível redução dos acidentes do trabalho, inclusive os fatais e das doenças profissionais clássicas. Entretanto, podem persistir exposições a riscos ocupacionais em baixas dosagens, levando a efeitos crônicos e de longa latência, de identificação mais difícil para os níveis atuais de desenvolvimento do conhecimento. Podem-se manifestar "outros efeitos" dos riscos ocupacionais já existentes, como os neurocomportamentais, reprodutivos e até o Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 19 câncer (DIAS e LINO, 1996). Podem surgir novos riscos e agravos em relação às novas formas de organizar o trabalho (stress, hipertensão arterial, LER, sofrimento psíquico, doenças mentais). Permanecer numa empresa após um "enxugamento" pode trazer experiências e sentimentos que questionam a identidade do trabalhador: que valor tenho para a empresa? Em que medida meus esforços e os dos colegas estão sendo reconhecidos? Até onde vai o compromisso da empresa conosco? 0 medo da demissão assola os trabalhadores e gera profunda insegurança quanto ao futuro. Ele sobrepõe-se à preocupação permanente em "garantir-se" no emprego, num clima de "salve-se quem puder" que deteriora as relações humanas no trabalho e submete os trabalhadores a um cotidiano estressante. Tendência à redução da jornada de trabalho, com repercussões sobre tempo de lazer, convivência familiar e social, hábitos culturais. Possibilidade de reflexo sobre o perfil de morbi-mortalidade: acentuar tendência já verificável de aumento das doenças mentais, psicossomáticas, cardiovasculares e crônico-degenerativas. Tendências na terceirização predatória Já no segmento das "terceiras" o que se observa é a implantação do padrão predatório de terceirização, deixando de cumprir até mesmo os preceitos da CLT e precarizando as relações e condições de trabalho. Várias categorias têm denunciado a proposta empresarial de parceria de mão única, voltada para a flexibilização de direitos sem negociação de ganhos também para os trabalhadores. 0 desemprego crescente pressiona o trabalhador empregado a aceitar... Os sindicatos vão se enfraquecendo, fragmentados entre diversas categorias/entidades numa mesma empresa. Condições de trabalho já precárias, agravadas pela redução de custos com pessoal, segurança, prevenção, treinamentos. Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 20 Tendência à redução dos benefícios sociais, como fornecimento de transporte, alimentação etc. Os convênios de assistência médica podem ser revistos, em favor de grupos que ofereçam menores preços, em detrimento da qualidade do serviço prestado. Há a possibilidade de suspender também este tipo de benefício, empurrando os trabalhadores para o sistema público, no qual a prestação de serviços encontra-se prejudicada pelas dificuldades de financiamento. Intensificação de ritmos de trabalho, prolongamento das jornadas, aumentando o tempo de exposição aos riscos ocupacionais e o desgaste dos trabalhadores. Exposição profissional a altas doses de agentes tóxicos, com efeitos agudos e de curta latência, paralela à exposição a baixas doses, com efeitos crônicos e de longa latência. Alta incidência de acidentes de trabalho, inclusive fatais, e das doenças profissionais clássicas (DIAS e LINO, 1996). Deterioração da qualidade de vida: redução do numero de horas de sono e repouso, baixa qualidade alimentar e de moradia. Possibilidade de reflexo sobre o perfil de morbi-mortalidade: manutenção ou aumento das doenças infecto-contagiosas, parasitárias e carenciais, superpondo-se as crônico-degenerativas e da violência, reforçando o duplo perfil epidemiológico. Excluídos 0 agravamento da questão social aponta para a deterioração progressiva das condições de sobrevida em todos os seus aspectos. A isto soma- se a limitação e a ineficiência das políticas sociais de mitigação da miséria. Taxas de mortalidade infantil elevadas, expectativa de vida inferior à dos outros grupos sociais, desnutrição, doenças infecto-contagiosas emergentes e reemergentes. Exposição a condições socioambientais mais precárias: moradia em áreas de risco, Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 21 vivência nos centros e periferias das grandes cidades, com seus riscos de poluição e violência, em particular para as mulheres e as crianças (prostituição, drogas, gravidez em adolescentes, doenças sexualmente transmissíveis etc.). Degradação intensa da dignidade humana, com repercussão na identidade dos indivíduos, na coesão das famílias, no futuro dos jovens. 0 sofrimento psíquico do desempregado: o constrangimento, a crise de identidade, a perda da auto-estima, a depressão e até o suicídio (SELIGMAN, 1997³). À guisa de conclusão: novas perguntas Não seria correto cair no determinismo tecnológico e execrar as novas tecnologias como os demônios responsáveis por nossos males. Os impactos das tecnologias dependem das políticas sociais que acompanham sua implantação (NEVES, 199l). Quais as nossas finalidades? Guattari nos interpela: "A do desemprego, da marginalidade opressiva, da solidão, da ociosidade, da angústia, da neurose, ou a da cultura, da criação, da pesquisa, da reinvenção do meio ambiente, do enriquecimento dos modos de vida e de sensibilidade" (GUATTARI, 1990). Se queremos usufruir coletivamente dos potenciais benefícios da tecnologia, teremos de encontrar e viabilizar respostas para muitas perguntas. Como garantir o sustento de milhões de trabalhadores tornados desnecessários ao processo produtivo? Como aproveitar estas possibilidades para melhorar a qualidade de vida no trabalho - enriquecendo seu sentido humano - e fora dele? Como construir a via da inclusão? Como dar sentido às nossas vidas sem a ética do trabalho, que tem nos regido há séculos? Há quem diga que estamos nos umbrais de uma nova era: privilégio estar vivo, testemunhar e poder influenciá-la! Se o devir é aberto, se os caminhos da História não estão predeterminados, então podemos participar no desenho do futuro: a perplexidade se transforma em desejo de descobrir jeitos de aproveitar destes avanços da modernidade para reinventar e construir, juntos, modos de vida mais Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 22 humanizados, mais solidários, mais ricos... "Nenhuma teoria da transformação político-social do mundo me comove, sequer, se não parte de uma compreensão do homem e da mulher enquanto seres fazedores da Historia e por ela feitos, seres da decisão, da ruptura da opção. A grande força sobre que deve alicerçar-se a nova rebeldia e a ética universal do ser humano e não a do mercado, insensível a todo reclamo das gentes e aberta apenas à gulodice do lucro. É a ética da solidariedade humana" (FREIRE, 1997) Referências bibliográficas BACELAR, Tânia. 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Sua pretensão é de relacionar de uma maneira holística o homem e seu ambiente ou, mais genericamente o sujeito e o objeto, fazendo uma ciência fenomenológica que extraia das essências a sua matéria prima. É sob esta perspectiva que serão encaminhadas as reflexões contidas neste texto. Antes de tudo cabe dizer que a fenomenologia e a geografia tem, em planos diferentes, objetivos convergentes: o de estudar a constituição do mundo. Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 25 Como a fenomenologia se propõe a efetuar este estudo? Ela procura levantar as experiências concretas do homem e encontrar nestas experiências uma orientação que não as limite a uma simples sucessão. Ela não se atém a estudar as experiências do conhecimento, ou da vida tais como se apresentam na história. Sua tarefa é de: "analisar as vivências intencionais da consciência para perceber como aí se produz o sentido dos fenômenos, o sentido do fenômeno global que se chama mundo" (DARTIGUES. 1973, 30). Análise que parte do princípio da intencionalidade, incluindo o mundo na consciência, caracterizando uma nova relação entre o sujeito e o objeto definida por sua correlação, que não se configura em um só objeto, mas no mundo inteiro, como ser-envolvido-no-mundo. A intencional idade torna possível a redução fenomenológica, a "colocação entre parênteses" da realidade como é concebida pelo senso comum. A redução fenomenológica nos remete às experiências e ao mundo originais, sem considerar as teorias que lhe foram acrescentadas pelas ciências. Nos colocando duas questões: o da constituição do mundo, que interessa diretamente aos que estudam a geografia; e o da distinção entre ciência fenomenológica e ciência positivista. A razão cartesiana baseia-se na dúvida metódica e atribui apenas às ciências naturais oque é racional, objetivo e científico. Ela sustenta que só os conceitos de quantidade são objetivos, daí a atribuição do que é racional à matemática e à física. Para a fenomenologia a razão objetiva se refere a existência humana. independentemente de que possa ser expressa em categorias de quantidade. A filosofia cartesiana, segundo a fenomenologia, provoca a matematização da natureza, iniciada por Galileu, e a ruptura entre o mundo da ciência e o mundo da vida. O projeto da fenomenologia é de reaproximar as ciências de nossas vidas, ações e projetos, a partir das experiências ante-predicativas (anteriores aos conceitos e aos juízos), ou seja, relativas à percepção do mundo e de seus objetos enquanto fundamentos dos conceitos. Deve-se aqui abrir um breve parêntese e distinguir a experiência do experimentalista (experiência sobre o fenômeno), da experiência do fenomenólogo (experiência do fenômeno). A primeira só tem sentido quando fundamentada na segunda. Assim, a Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 26 ciência empírica tem como fundamento o que a fenomenologia denomina de ciências essenciais ou eidéticas. Para chegar às essências a fenomenologia procede a variações imaginárias, que consistem em, no pensamento, fazer variar as características de um objeto ou realidade até que se obtenha o que é invariável - a possibilidade de designação deste fenômeno, ou seja, sua própria essência. As variações reais, por sua vez, derivam das experimentações, da pesquisa empírica e dedutiva. Este processo de variações imaginárias. denominado redução eidética, permite a distinção entre fatos e essências, onde o fato é colocado "entre parênteses" deixando que apareça a idéia. o sentido. As essências são tantas quantas forem as significações que possamos produzir. Seus veículos são a percepção, o pensamento, a memória e a imaginação, dando a estas significações um caráter universal, intersubjetivo e absoluto. Este modo de apreensão é o mesmo das ciências cartesianas: elas também iniciam por estabelecer uma rede de essências, de significados primitivos, que são confrontados com as experimentações. Há, pois, um relacionamento, que não é de simples sucessão, entre o processo eidético e o processo experimental. Neste contexto, a tarefa da fenomenologia é de estudar e classificar em "regiões" os diversos tipos de essência, ou seja, de proceder a uma ontologia regional. Ela foi definida por Husserl como: "...idéia de que há muitas atitudes no sujeito intencional, irredutíveis umas às outras. A intencional idade científica, artística, política. técnica, ética e religiosa é sempre um 'relacionamento' original e irredutível. Isso implica também que o 'mundo' como correlato da intencionalidade não é construído monisticamente .... Os 'mundos' que decorrem de uma atitude científica, artística, política, ética ou religiosa do sujeito intencional são esferas específicas do ser, 'regiões' nas quais os objetos concordam entre si por um específico ser-assim"(LUIJPEN, 1973, 178). Para Husserl essa meta seria atingida quando a individualidade fosse ultrapassada e se chegasse ao caráter plenamente objetivo deste "mundo", o que é conseguido quando se compreende a sua constituição para uma pluralidade de sujeitos - sua constituição intersubjetiva. A intersubjetividade acontece no momento em que o corpo, como elemento móvel, coloca-se em contato com o exterior e localiza o outro, comunicando-se com outros homens e conhecendo outras situações. Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 27 Vistas estas definições, fundamentais para a compreensão deste texto, vou me deter na geografia enquanto ciência das essências, e em conceitos que podem constituir a sua região, como os de paisagem e lugar, território e ambiente. Notem que nos parágrafos acima, sem falar especificamente da geografia, utilizei diversas palavras que tem como essência significados espaciais ou, como prefiro, geográficos, tais como: mundo, região e situação. Estes termos foram utilizados por filósofos e outros cientistas sociais, e por si mesmos demonstram como a geografia é uma ciência essencial ou eidética. Um problema que se coloca quando nos direcionamos para a fenomenologia é que não podemos nos restringir às denominações positivistas para as diversas ciências. A classificação cartesiana baseia-se em quantidades e métodos empíricos de mensuração. A ciência das essências se refere à existência humana e a nossa experiência do mundo. Há, ainda, a divisão entre essências exatas, que se relacionam indiretamente com a vivência, produzindo construções; e essências morfológicas, que exprimem nossa vivência e têm por base a sua descrição. As primeiras se referem à lógica dedutiva e à lógica das significações (gramatical); as outras se referem ao percebido, ao imaginário, à consciência, à essência dos objetos materiais, culturais, sociais, etc. Deste modo, no plano das essências exatas, posso concordar com o filósofo quando afirma que "todo objeto natural tem por essência ser espacial, e a geometria é a eidética do espaço" (GILES, 1975, 154). Mas, no plano das essências morfológicas, estudadas pela ontologia regional, a eidética do espaço é a geografia, e a sua essência pode ser definida pelo que DARDEL (1990) chamou de geographicité (que pode ser traduzido por geograficidade). A geograficidade não se refere ao espaço como constructo, ela se refere ao espaço geográfico que, como observa Dardel, "tem um horizonte, um modelado, cor, densidade .... Ele é sólido, líquido ou aéreo, largo ou estreito: ele limita e ele resiste" (DARDEL, 1990, 2). A geograficidade, enquanto essência, define a relação do serno-mundo, e não do ser-no-espaço. Isto é fácil de compreender a partir da consulta a qualquer dicionário, onde o espaço é definido como: "distância entre dois pontos, ou área ou volume entre limites determinados; ou, lugar ... cuja área pode conter alguma coisa; ou, extensão indefinida; ou, o próprio Universo". Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 28 A palavra "mundo" é fundamental para que se compreenda a relação entre a ciência geográfica essencial, ou fenomenológica, e a sua essência, que pode ser denominada geograficidade. Vejamos uma das definições para mundo: "... a percepção é sempre percepção da coisa total, compreendida num campo mais amplo, o qual por sua vez, é abrangido em um horizonte de significados mais distantes. O conjunto desse complicado sistema de sempre mutáveis significados 'próximos' e 'longínquos' ligados aos sempre mutáveis momentos de atualidade e potencialidade da percepção, eis o que se chama 'mundo' na fenomenologia." (LUIJPEN, 1973, 106). A partir desta definição podemos nos deter em um dos conceitos que estão em discussão neste texto: o de meio ambiente ou, como prefiro, de ambiente. O ambiente, como muito bem coloca Rapoport, pode ser definido como "qualquer condição ou influência situada fora do organismo, grupo ou sistema que se estuda" (RAPOPORT, 1978, 25). Tuan o define como: "As condições sob as quais qualquer pessoa ou coisa vive ou se desenvolve; a soma total de influências que modificam ou determinam o desenvolvimento da vida ou do caráter" (TUAN, 1965, 6). O próprio Tuan, no entanto, nos lembra que a palavra "environment" origina-se do francês "environnement" , onde tinha o significado do "ato de circunscrever" ou "daquilo que nos rodeia" - seria a paisagem? A palavra podia também equivaler a "monde ambiance" r como era utilizada por St-Hilaire e pelo" Oictionnaire de I'Académie Française", de 1884. Podemos ver que o termo "ambiente", em sua origem, tinha um sentido bem mais amplo. Possuía uma relação dialética com a palavra "mundo" r assim como com o termo "paisagem". Sua apropriação pelas ciências cartesianas e positivistas lhe impôs uma restrição: impediu-se que ele abarcasse ao mesmo tempo o sujeito e o objeto. O termo ambiente, para a geografia escrita em português, ficou com o sentido de "suporte físico imediato" ou de "sistema de objetos que percebemos de imediato a nossa volta". Os que se utilizam da língua portuguesa parecem ter sido os únicos a se dar conta de quão restrito pode ser o termo "ambiente". Associaram-no então à palavra "meio" , provavelmente via língua francesa, que há muito utiliza-se do termo "milieux" , ainda que também com a conotação de suporte físico. Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 29 Chatelin nos ensina que: "Meios e paisagens são formados desses objetos que todo mundo pode ver, que alguns estudam, e que todos utilizam de diversas maneiras: as árvores e as terras, as rochas e as colinas ... Pensar os meios e as paisagens, é empreender a reunificação ou de colocar todas as atitudes que se pode adotar, em face destes objetos. para perceber, compreender sentir e se exprimir" (CHATELlN. 1986, 1). A palavra "meio ambiente" amplia a escala: o "meio" é mais amplo do que o "ambiente". Mas, continua a se considerar apenas o suporte físico e os objetos, ou traços, que o identificam. Ao homem é reservado o papel de mero espectador: o que percebe, compreende, sente. Esta expressão "meio ambiente", assim como a de meio, a de ambiente, e as mais "sofisticadamente científicas", como ecossistema egeossistema, foi tomada de empréstimo pela geografia de outras ciências, notadamente da biologia, que tem o homem como um entre os milhões de seres vivos que são seu objeto de estudo. A geografia tem um termo que me parece muito mais rico e apropriado para o seu campo de estudo. Esta palavra incorpora ao suporte físico os traços que o trabalho humano, que o homem como agente, e não como mero espectador, imprime aos sítios onde vive. Mais do que isso, ela denota o potencial que um determinado suporte físico, a partir de suas características naturais, pode ter para o homem que se propõe a explorá-lo com as técnicas de que dispõe. Este é um dos conceitos essenciais da geografia: o conceito de "paisagem". A paisagem, assim como o lugar e a região, é um desses termos que permitem à geografia colocar-se como uma das ciências das essências nos moldes propostos pela fenomenologia. Ela nos remete para o "mundo" que, como coloca TUAN (1965), é um campo que se estrutura na relação do eu com o outro, o reino onde ocorre a nossa história, onde encontramos as coisas, os outros e a nós mesmos. Neste campo de relações o corpo representa a transição do "eu" para o mundo, ele está do lado do sujeito e, ao mesmo tempo, envolvido no mundo. O corpo constitui O ponto de vista do ser-no-mundo. Desta relação fundamental, que é com certeza, geográfica, devem brotar os conceitos essenciais a serem utilizados pelos geógrafos. Vejamos como o território pode vir a ser um deles. O "território" tornou-se um conceito científico a partir da etologia. Um ornitólogo estabeleceu a primeira definição de territorialidade: "a conduta Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 30 característica adotada por um organismo para tomar posse de um território e o defender contra os membros da própria espécie" (HOWARD, 1920; citado por BONNEMAISON, 1981,253). SACK (1983) afirma que a definição mais comum para territorialidade é mesmo a de defesa de uma área. Defender uma área, nos diz ele, apresenta-se como sendo uma meta em si mesma ou um meio para exercer controle específico sobre algum aspecto da ação humana. O próprio Sack não aceita esta definição, achando-a demasiado simplista. Para ele, a territorialidade baseia-se no princípio da ação pelo contato e todas as relações territoriais devem ser definidas no contexto social de um acesso diferenciado às coisas e às pessoas. A territorialidade é "a tentativa de um indivíduo ou grupo (x) de influenciar, afetar ou controlar objetos, pessoas e relacionamentos (y) pela delimitação e pela afirmação de seu controle sobre uma área geográfica. Esta área é o território" (SACK, 1983: 56). Esta definição nos coloca vários problemas ao ser analisada segundo os parâmetros da fenomenologia. Primeiramente porque, apesar de afastar-se da definição oriunda da etologia (adequada, talvez, aos animais, mas nunca aos seres humanos), ela se refere ao que RAPOPORT (1978) denomina de "ambiente percebido", que relacionase com as noções de "ambiente do comportamento" (enunciado por Tolman em 1948); "espaço vital" (como foi proposto por Lewin em 1951); ou de "Umwelt" (como sugeria Von Uexküll em 1959). Este "ambiente percebido" , como na definição de Sack, constitui-se a partir do espaço de ação das pessoas, restringindo o território as áreas que são objeto de sua atuação direta. Outra questão é que, centrando sua definição nas relações de poder e no acesso diferenciado às coisas e às pessoas, praticamente se exclui a possibilidade de grupos com organização estruturada em outras bases possuírem uma territorialidade ou um território. O próprio Sack admite que existem ações não-territoriais que se relacionam dialeticamente com as territoriais, mas não as define. Coloca-se, então, o problema de se, por exemplo, os povos tradicionais ou os povos nômades possuem territorialidade ou território a partir desta definição. Temos outro problema: o de que tanto os etólogos quanto Sack definem com facilidade apenas a territorialidade enquanto um processo social, mas a relacionam Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 31 apenas vagamente com uma "área geográfica", denominada "território" , onde este processo se desenrola. Uma ciência que tem como essência a geograficidade não pode tomar as definições dadas acima para território e para territorialidade como fenomenologicamente geográficas. Elas podem ser tratadas, no máximo, como uma interface com outras "regiões" afins de um mesmo campo essencial morfológico. Existem, no entanto, outras possibilidades de definição do território que são essencialmente geográficas. O primeiro passo, nos aponta Bonnemaison, é nos afastarmos da definição que a etologia deu para o território: qual seja, a de associálo a uma apropriação biológica de uma área que se torna exclusiva de determinados membros de uma espécie, a partir da delimitação de uma fronteira. Para ele, "as sociedades humanas têm uma concepção diferente do território. Ele não é forçosamente fechado, ele não é sempre um tecido espacial unido, ele não induz somente a um comportamento necessariamente estável" (BONNEMAISON, 1981, 253). O segundo passo, como nos aponta Lacasse (1996), é de relativisarmos as concepções de território, aceitando que elas possam acontecer em grupos sem governo constituído ou que não tenham políticas territoriais definidas. Lacasse, ao estudar os Innus (esquimós), observou que eles não conhecem a apropriação privada e não possuem em seu vocabulário termos como propriedade, posse ou direito de propriedade. Para os Innus, o território é a vida. Sua noção de território deriva da ordem costumeira, "que faz referência aos laços afetivos que eles mantêm com a terra. E, nesta ordem, a terra é o lugar de sua cultura" (LACASSE, 1996, 189). O território, para os Innus, é objeto de gestão, do qual eles são os guardiões. Esta concepção de território tem como base o "lugar" , este sim um conceito essencial para a formulação de um "mundo" pessoal ou intersubjetivo, e que portanto interessa aos que se propõem a fazer uma geografia fenomenológica. Voltemos a Bonnemaison. Ele observa que: "... um território, antes de ser uma fronteira, é um conjunto de lugares hierárquicos, conectados por uma rede de itinerários ... No interior deste espaço-território os grupos e as etnias vivem uma certa ligação entre o enraizamento e as viagens .... A territorialidade se situa na junção Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 32 destas duas atitudes: ela engloba ao mesmo tempo o que é fixação e o que é mobilidade ou, falando de outra forma, os itinerários e os lugares" (BONNEMAISON, 1981, 253-254). O autor vai mais longe, observando que a territorialidade é melhor compreendida através das relações sociais e culturais que o grupo mantém com esta trama de lugares e itinerários que constituem o seu território, onde os conceitos de apropriação biológica e o de fronteira têm validade, no mínimo, limitada. Para muitas culturas o território pode ser visto como um "arquipélago": "uma coleção de lugares denominados e apropriados geograficamente, dispersos e assentados em espaços de contornos indistintos, que são limitados não por linhas, mas por alguns pontos notáveis: rochedos, árvores, desníveis, etc." (BONNEMAISON, 1981,254). Outro ponto levantado pelo autor é o da importância em se distinguir as relações culturais das relações sociais. Ele nos diz: "O espaço social é produto, o espaço cultural é estímulo. O primeiro é concebido em termos de organização e de produção, o segundo em termos de significação e de relação simbólica. Um emoldura, o outro é o portador do sentido" (BONNEMAISON, 1981, 255). Concordamos com o autor de que a territorialidade não pode ser reduzida ao estudo do sistema territorial, ela é a expressão dos comportamentos vividos, ou se preferirmos, da constituição dos mundo pessoal e intersubjetivo, englobando a relação do território com o desconhecido - o espaço estrangeiro. Conclui-se que, tomando-se os lugares como constituintes essenciais do território, e procedendo-se à investigação dos modos intersubjetivos dessa constituição, estaremos nos proporcionando a tarefa de fazermos uma geografia voltada para a sua essência, a do estudo do espaço geográfico. No caso do território caberia à geografia, juntamente com outras ciências, delinear suas diferenças, a diversidade de suas identidades culturais. Se desprezarmos esta tarefa essencial da geografia, que é de delinear a constituição integral do "mundo", reduziremos nossa disciplina, no caso do estudo território, a um mero ramo da etologia. Estaremos então, destinados, enquanto tributários da ciência cartesiana, aos limites que o espaço impõe ao estudo das nações, dos estados, ou da ordenação mundial de fronteiras sejam elas econômicas, tecnológicas ou políticas. Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 33 Estaremos conceitualmente desarmados para uma análise das alternativas à um planeta uniformizado economicamente e culturalmente, ou seja, onde atitudes de aproximação com o mundo e com os outros são todas planejadas por quem detém a informação e o poder. Estaremos, enquanto estudiosos da geografia, sem argumentos para contrapor àqueles que vêem o território como uma correlação entre poderes determinada tão somente por algum sistema econômico, e com isso não saberemos educar os que nos sucederão para que respeitem aqueles que compreendem que o território deve ser gerido como um todo intersubjetivo, considerando toda a vida que há na Terra, considerando-a como um mundo. Bibliografia BONNEMAISON, Joel (1981): "Voyage Autour du Territoire". In: l'Espace géographique, 10 (4): 249-262. CHATELlN, Yvon (1986): "Avant-propos." In: BLANC-PAMARD et alii (eds.). Milieux et Paysages: essai sur diverses modalités de connaissance. Paris, Masson, p. 1-3. DARDEL, Eric (1990): I'Homme et la Terre - nature de la réalité géographique. Paris, Ed. CTHS, 199 p. (P ed. Paris, PUF, 1952). DARTIGUES, André (1973): O que é a Fenomenologia. Rio de Janeiro, Eldorado, 163 p. GILES, Thomas R. (1975): História do Existencialismo e da Fenomenologia. 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Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 34 Ciência & Saúde Coletiva Print version ISSN 1413-8123 Ciênc. saúde coletiva vol.8 no.1 Rio de Janeiro 2003 doi: 10.1590/S1413-81232003000100024 SAÚDE E AMBIENTE NO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO Prof. Dr. Milton Santos (in memoriam) USP Conferência magna proferida no I Seminário Nacional Saúde e Ambiente no Processo de Desenvolvimento, em 12 de julho de 2000. No ano de 2002 perdemos nosso grande companheiro Milton Santos, intelectual brilhante, cuja obra seminal ultrapassou as fronteiras brasileiras e com certeza, influenciará ainda muitas gerações, na forma de pensar a geografia e a sociedade. A presença de Milton Santos na área da saúde se deveu muito a um movimento, que se intensificou na década de 1990, de articular os eventos e agravos aos Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 35 espaços socioculturais e econômicos nos quais acontecem. E também, se deve à clareza de seu pensamento sobre o lugar da ciência e da técnica na sociedade. Sua arguta capacidade crítica está presente no texto que vem abaixo, proferido em um dos eventos do Centenário da Fundação Oswaldo Cruz. A única justificativa para minha ousadia de estar aqui é o fato de que o que une as disciplinas todas é o mundo. E o mundo se havendo tornado acessível a todos nós, neste fim de século, fez que a filosofia se colocasse à disposição dos não filósofos, abrindo espaço para que a filosofia produzida em cada campo do saber seja operacional. Acredito que o convite que me foi feito vem do fato de que não sou outra coisa senão um geógrafo. Um geógrafo que se dedicou ao longo da vida, com a sorte de viver até o fim do século, às coisas do mundo, agora que o mundo decidiu colocar-se ao alcance da nossa mão. Isso me permite alguns atrevimentos. Primeiro, vai ser exatamente o de expor o que eu penso. O termo "meio ambiente" me incomoda profundamente. Não é uma questão corporativa; é que meio ambiente se constitui apenas uma metáfora, portanto não se pode teorizar a partir dessa noção. O que há é o meio, que por simplificação às vezes se chama meio ambiente, o que constitui também uma redução. Uma redução que, como a expressão está dizendo, limita o raciocínio e pode trazer um perigo de equívoco que desejamos ultrapassar: ou seja, desejamos sair de uma acepção puramente técnica do viver e alcançar essa visão global sem a qual o humanismo pode ficar no discurso e ser portador de uma moralidade. O que distingue a moralidade é que ela é o fundamento da política, e nada se resolve a partir do domínio da técnica sem que o dado político seja posto em primeiro lugar. Quando eu falo em política não estou me referindo à política com o "p" minúsculo da qual estamos desgraçadamente muito longe, mas àquela outra que é o desejo dos homens que pensam e que desejam e que pretendem, com o seu trabalho, melhorar o mundo para que melhore o seu país e o seu lugar. Na realidade, a geografia, minha disciplina, tem algumas responsabilidades nisso, porque trabalhamos durante um século a partir da vertente européia, com visões que, na realidade, mais prejudicam que iluminam o debate da história do presente. Uma dessas visões é a visão do território Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 36 freqüentemente confundida com a visão do ambiente. Na realidade, território também não é uma categoria analítica. A categoria analítica é o território usado pelos homens, tal qual ele é, isto é, o espaço vivido pelos homens, sendo também, o teatro da ação de todas as empresas, de todas as instituições. Desse espaço humanizado, as cidades são hoje a grande representação e a grande esperança. Eu queria fazer essa primeira consideração, pois ela se impõe para que não tenha eu que recorrer, cada vez, a uma nota de pé-de-página. A mensagem mais importante que gostaria de passar é que a busca da utopia é algo ancestral e companheiro do homem. O que distingue o ser humano dos outros animais não é o dedão, é exatamente o fato de que ele é portador de utopia. Eu sei que hoje se costuma ridicularizar quem fala em utopia, mas não me preocupo em insistir que sem ela não vale a pena viver, e sem ela também é impossível pensar, porque o pensamento não é produzido a partir do que houve, nem do que há. O pensamento portador de frutos é produzido a partir do que pode ser. É isso que nos reúne aqui, nesta sala, e é isso que reúne os homens de boa vontade em toda a parte. Ora, essa utopia secular, milenar, expressa de diferentes maneiras, pelas diferentes civilizações, codificadas pelos filósofos, tende a acabar com o século 20, que agora se esquiva dela graças ao fato de que o prometido casamento entre a técnica – isto é, modos de fazer – e a ciência – produção na mente dos modos de fazer a partir dos modos de ser – começa a se tornar algo impossível. Ora, os homens e mulheres, perdão, as mulheres e os homens que se ocupam da questão da saúde são, possivelmente, entre todos nós, aqueles que mais claramente se devotam à utopia, uma vez que cuidam do bem-estar e da dignidade da vida humana. Esses sonhos e essas visões que eles e elas portam foram capazes de transformar a esperança dos cientistas no começo do século numa coisa viável, num presente construído a partir do pensamento científico. A área da saúde é responsável por um belo momento da história da humanidade, belíssimo momento da história da ciência que buscou alicerçar as condições pelas Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 37 quais a vida se tornaria não apenas mais longa, mas também mais digna de viver. Essa busca de possibilidades da medicina se baseou numa ciência em que houve um encontro entre preocupações morais e preocupações científicas. A discussão presente na ética do trabalho do cientista não se imporia, como hoje, da forma que começa a se impor, exatamente porque o cientista era cauteloso diante do que produzia, difundia, propunha: a moral era a grande fiscal das realizações intelectuais. Isso também tinha relação com o fato de que o mercado que existia – já que o capitalismo, este breve momento da história da humanidade, dura 500 anos, por conseguinte, é mais velho do que a institucionalização da ciência – era circunscrito pelas fronteiras e regulado por um estado nacional. O mercado era um monstro domado, era um grande selvagem todavia domesticado. E as ideologias tinham livre curso, uma vez que as grandes revoluções foram presididas por grandes produções de idéias. As idéias filosóficas precediam a produções das idéias políticas, que precediam a produção da política. Por isso hoje também, talvez, devamos levar em conta que uma idéia que brota aqui ou ali, e parece frágil num primeiro momento, pode ter força. Esse é o único alento que têm os que trabalham intelectualmente: a consciência de que podem ficar sozinhos, porque sozinhos não estão, têm a companhia do futuro que ajudam a gestar através exatamente da produção de idéias generosas. As idéias libertárias e igualitárias e a ambição universalista levaram, depois da guerra, sobretudo, a que se tornassem gêmeas, as místicas do desenvolvimento e da civilização. É importante assinalar isso, porque, esse momento que tive a oportunidade de assistir e viver, batalhando com tantos outros na busca dessa civilização nova, desse desenvolvimento que ganha então uma expressão contraditória em relação ao crescimento econômico, essa distinção necessária entre os dois conceitos, é que vai marcar a história do mundo na metade do século 20. Esse momento, por outro lado, é muito rico porque permite aflorar uma grande quantidade de postulações que leva ao debate mais filosófico da questão da vida. É aí que incluo a saúde. Evidente que a saúde pode ser tratada do ponto de vista técnico, mas é importante que o seja também do ponto de vista filosófico, subordinando as práticas e os recursos. É preciso lembrar que a palavra Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 38 recurso não tem valor por si própria, ela é um termo do vocabulário da política. Cada vez que tratamos a questão dos recursos com autonomia, estamos abandonando a utopia, por conseguinte estamos renunciando a ser humanos. Ora, a questão da saúde, como a da alimentação e a do bem-estar, foi no primeiro momento tratada segundo critérios deterministas. Essa é uma das razões pelas quais a palavra ambiente me choca, me aborrece. Com freqüência ela conduz a uma deriva determinista e por isso creio ser preciso retomar o debate na sua raiz. Foi essa questão do determinismo que levou, por exemplo, à conceituação das chamadas doenças tropicais. Tive há alguns anos um privilégio, digamos assim, de haver ensinado na Universidade de Bordeaux, cujo Instituto de Geografia se chamava ou se chama Instituto de Geografia Tropical, como se houvesse uma ciência social tropical e uma ciência social temperada. São formas de raciocínio próprias ao racismo, mais ou menos velado, dos europeus e que estão presentes também na vida acadêmica e na produção intelectual. É como se houvesse uma vontade de dizer: "as culpas das suas dores são suas. Nós pretendemos aliviá-las mas vocês são como são". Essa idéia da geografia tropical foi que me conduziu a escrever um livro, do qual cada capítulo se tornou depois um novo livro, desmistificando o racismo implícito. Ele se chama O trabalho do geógrafo no Terceiro Mundo. E hoje, devo dizer isso agora, esse livro é a crítica que eu fazia à geografia ensinada naquela faculdade. Essa idéia de doenças tropicais que também levou a um certo paralelismo entre a noção de trópico e noção de uma higiene dificultada pela tropicalidade. Da mesma forma, a questão alimentar, que já então preocupava as pessoas de boa vontade, também era apontada como um problema e uma questão da regionalização. Ou seja, haveria regiões fadadas a ter fome e outras fadadas a ter abundância. Critiquei a dicotomia racista e preconceituosa que considerava normal e evidente que os europeus se organizassem inteligentemente, e nós, naturalmente, em parte em culpa de nossa tropicalidade e em parte devido a nossa precariedade intelectual, não poderíamos ultrapassar nossos limites. É aí que surge Josué de Castro, jamais suficientemente lembrado por nós. Ele teve a má sorte de morrer quando o Brasil era um país em pleno caminho para Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 39 um regime autoritário e morrer na França, que, nesse momento abandonava sua vocação universalista. Então ele se foi sem o brilho que se costuma dar aos grandes homens quando eles desaparecem. E até hoje nós não conseguimos resgatá-lo condignamente. Quero dizer que Josué de Castro sugeria uma mudança fundamental na visão do mundo e das coisas, inclusive na questão saúde, deslocando o problema do chamado ambiente e recolocando a questão no domínio da sociedade e da sociedade internacional. Razão pela qual ele acusava o Ocidente do que hoje acusamos nós, isto é, essa vontade deliberada de genocídio através da vontade de poder. Não é de estranhar que Josué de Castro não tenha tido o prêmio Nobel, geralmente outorgado a quem faz o possível para dar impressão que está cuidando da humanidade. A idéia da natureza natural iria nos perseguir permanentemente. A história comprova que a natureza natural tem um papel, evidentemente. Ninguém vai desconhecer, no entanto, que ele não é central na história; sobretudo hoje, cada vez menos. Ao mesmo tempo, a universidade era marcada pelo livre-pensar – coisa que cada vez é menos – e a cooperação internacional, em matéria de pensamento, era possível. Nós sabemos que hoje é quase impossível cooperar com os nossos colegas do Norte, por motivos que não vou analisar agora, porque as nossas universidades nos pedem que sejamos cada vez mais amiguinhos dos colegas de lá para aumentar os nossos títulos. Então somos convidados a um expediente de safadeza cotidiano para obter as promoções. Não sei o que acontece no Equador, Cuba, mas no Brasil é muito freqüente que o que você faz seja diferenciado pelas categorias "nacional" e "internacional". Ou seja, o que se faz aqui nunca é internacional? Equivocadamente os valores são atribuídos a quem poderia ser transferido para o Ministério do Turismo em vez de permanecer no Ministério da Educação ou da Ciência e Tecnologia. Essa época que estamos vivendo nos leva à necessidade de imbricação crescente de várias questões e a uma vontade de teorizar, que se mostra necessária em todos os domínios: teorizar a população, teorizar a urbanização, teorizar a nutrição, teorizar a saúde pública, teorizar o desenvolvimento. Essas teorias, tempos atrás, eram imbricadas umas com as outras porque o elo central era exatamente o mundo, que é a unidade de pensamento de problemas. Mas hoje tudo o que era baseado numa Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 40 solidariedade internacional e numa luta civilizatória deixou de existir. Daí a contribuição fundamental à questão da saúde, dada por desenvolvimentistas, terceiro-mundistas, antiimperialistas, no fim dos anos 60 e no começo dos anos 70. Perdoem-me os que são muito jovens, pois até eu "cometi" um livro, que não está traduzido para o português, que discute a questão da alimentação e da população, evidentemente passando pela questão da saúde, a partir de uma visão de um geógrafo. É dessa época também que se notam progressos médicos conducentes a uma melhor saúde individual e coletiva, havendo avanços, ainda que não homogêneos, na questão da prevenção, da informação e de uma tomada de consciência. Então, a ajuda internacional tinha um papel positivo. A partir dos anos 70, em grande parte, essa ajuda se deixa comandar por interesses das grandes potências. Basta ver o tratamento dado à questão da fome, na África subsaariana comandada pela política dos novos grandes impérios. Também é o mesmo caso do tratamento de diversas questões no subcontinente asiático, consideradas como ajuda internacional, mas tratadas de forma egoística, de tal maneira que as pessoas bem pensantes passaram, desde então, a desconfiar da palavra "ajuda". Mas também vivenciamos a timidez das idéias provenientes das instituições internacionais, a prudência com a qual os seus representantes tomam a palavra nas ocasiões que lhe são oferecidas, o escamoteamento da centralidade do problema social e político mundial, a prevalência dos enfoques tecnicistas que também dominam situações de grande relevo para a vida do ser humano, como é o caso também na própria medicina em todos os seus aspectos. Essa última mostra o distanciamento entre uma produção intelectual que se amplia e para a qual os recursos são abundantes, desde que, os esforços se dirijam nesta "direção vesga", e a realidade que avoluma problemas que necessitam de enfoques mais abrangentes. Naquele tempo gabávamo-nos dos efeitos das políticas, mas também dos efeitos do desenvolvimento sobre os índices vitais, mortalidade geral, mortalidade infantil, fertilidade, esperança de vida e nutrição. Buscávamos essa combinação entre minorias e condições gerais e efeitos do desenvolvimento sobre a vida individual e das famílias. Esses anos 70 marcam a emergência tímida e depois agressiva de aspectos chamados qualitativos. Mas todo mundo sabe que o qualitativo Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 41 rapidamente mostra-se com sua cara quantitativa, portando variáveis novas, dentre as quais a tecnociência que tem um papel desgraçadamente muito importante nas questões que interessam a área da saúde. Esses progressos da ciência e da técnica estimularam a produção pragmática, ou seja, vamos fazer assim para obter tal resultado. A tal ponto isso se generalizou que as formulações ditas gerais começam do resultado e não das causas, o que é sempre um empobrecimento do ponto de vista da posição do pensamento. Essa pragmática coloca os resultados à prova, como algo a desejar, mostrados como se fossem algo moral. Inclusive essa questão do meio ambiente freqüentemente é mal colocada, já que as dificuldades da maior parte da população não vêm do fato de estar aqui e ali, mas do fato de ser assim ou assado. Um saber e uma prática bem descolados de preocupações humanísticas são a principal marca do domínio da técnica sobre a ciência que estamos agora assistindo: é a técnica que também está ditando as escolhas possíveis dos remédios. É curioso que a nova ciência semi-imposta pela via da técnica, pelos portadores de uma filosofia pragmática, vem sobretudo dos Estados Unidos que hoje têm o comando absoluto do debate das questões, por exemplo de saúde, tanto do ponto de vista social quanto individual. Isso se dá em paralelismo com a busca de uma nova ordem da economia. Quando os progressos técnicos científicos ganham autonomia – e é ao que estamos assistindo hoje na vida acadêmica com profundas repercussões negativas na produção da política –, eles tenderiam a aconselhar ou justificar visões de buscas parciais, cada vez mais parciais; cada vez mais profundas e mais parciais, cada vez mais penetrantes e cada vez mais parciais; cada vez mais isoladas e cada vez mais autônomas. Dessa forma a produção de conhecimento ganha autonomia sobre a vontade de humanização da vida sobre o planeta. Sou apenas um observador das questões médicas; quem sou eu para ter um juízo definitivo ou mesmo próximo disso. A respeito disso confesso que tenho muito medo do que leio, sobretudo; sou um homem assustado porque chego à idade que tenho quase com a obrigação de ser também doente. Vejo-me cada dia cotejado com manchetes contraditórias dentro das mesmas revistas, dando conta do trabalho já Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 42 não tanto das universidades mas das empresas, ou então, das empresas dentro das universidades. A grande moda agora é pedir às universidades que perguntem às empresas que digam o que elas devem fazer. É considerado chique e permite ao CNPq se retirar do processo de financiamento. Só que, na produção de dados que têm relação com a vida, o resultado pode ser a corrupção da pesquisa e a desconfiança justificada em relação aos homens de ciência. Uma meia verdade serve a objetivos pragmáticos, mas uma meia verdade não é a verdade. E todas as meias verdades possíveis reunidas não produzem a verdade. As verdades parciais podem ser eficazes no interesse daqueles a quem interessem, mas não conduzem à verdade, e cedo ou tarde conduzirão a desastres. Tal é o caso do Brasil, cujo primeiro grande desastre vai se manifestar no setor da saúde. Aliás já está se mostrando, exatamente porque esse modelo foi aceito tranqüilamente pelo Estado e também por nós da universidade, por nós os cientistas que não levantamos suficientemente a voz para protestar. Isso tem que ser dito: essa "universidade de resultados" com esse autocontrole suicida, mas também assassino dos cientistas, dá prioridade à elaboração dos textos, ao poder e ao mercado, um círculo fechado. É evidente que as questões técnicas do "como fazer" são importantíssimas, mas que faço delas se não obtiver antes esse dia mais amplo de recolocá-las dentro de um quadro, no qual as coisas todas possam ser cotejadas, revistas, produzindo uma idéia generosa da convivência entre os homens, uma idéia generosa do que o mundo pode ser? Isso é responsabilidade nossa como intelectuais. A globalização vai deixando para trás as grandes questões civilizatórias, humanísticas; basta ver o debate que se dá no Brasil atual, e no qual a palavra civilização é quase obscena também para os adultos. Ou seja, não está proibida apenas aos menores de 14 ou 16 anos, é uma palavra que se tornou proibida neste país. É grave que esse reducionismo não seja apenas um dado do oficialismo, é também um dado das oposições. Eu ia dizendo das esquerdas, poderia insistir nisso somente acrescentando que ser esquerda hoje é de novo ser diferente de ser direita, só que a direita dá centralidade a isso que passamos a adorar, a moeda estável, o fim da inflação, os equilíbrios macroeconômicos, repetindo sempre o mesmo sem saber para que e por que. E a esquerda seria aquela parte da sociedade Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 43 preocupada com essa coisa tão insignificante, mas que configura a única justificativa real para que o mundo prossiga: o homem. A globalização veio sem que se viesse junto um mundo só. Busca-se abreviar o tempo do trabalho, mas não é para socializar o lazer, é pra fazê-lo ainda mais mercantil. Acredita-se que a técnica conduz ao desemprego. Que horror! A técnica jamais existiu historicamente sem a política. É um equívoco imaginar que se poderia conceber a presença histórica da técnica sem o paralelo da política. É a política que decide o que fazer da técnica: em todos os tempos foi assim. Inventam-se novas formas construtivas, mas não para humanizar a cidade. Ou seja, não é a cidade que é responsável pelos problemas, como tantas vezes se diz. A urbanização não é um mal. A urbanização permitiu avanços formidáveis em todas as áreas, inclusive da saúde. Não foi por causa da urbanização que os países subdesenvolvidos tiveram muitas dificuldades para enfrentar as questões de saúde, tanto do ponto de vista individual quanto do ponto de vista coletivo. É a maneira como organizamos a sociedade, separando os que podem e os que não podem viver em determinados lugares. Mas, em geral não queremos falar em mudanças sociais, queremos falar das mudanças dos organogramas. Daí esse enfoque tímido e de subserviência ao sistema e que, geralmente, dá prioridade ao que não tem, à falta e ao que deve ser suprido. Nos anos 60 e 70, a grande luta era para aumentar a produção alimentar. Aí, nos anos 70 houve os que toleraram a revolução verde. Agora há os que estão justificando os transgênicos, como se a questão da fome e todas as questões sociais fossem derivadas de soluções técnicas. Vimos que, primeiro a produção alimentar ultrapassou a necessidade alimentar do mundo tomado como um todo, basta ver o ardor com que os europeus arrancam as suas plantações alimentares para garantir o preço. Portanto, a questão não é técnica, é de economia política, de distribuição do poder e da riqueza. No caso das doenças, não são os anais dos congressos que determinam como elas vão ser tratadas e sim o poder econômico que privilegia uma parte da sociedade em detrimento da outra. A discussão que agora timidamente se dá no Brasil quanto à distribuição dos Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 44 remédios é bem explicativa dessa situação. Isso tem que ver, em grande parte, com o fato de que a técnica passou a ter comando sobre a ciência, e como a técnica é cada vez mais comandada pelo mercado, é também o mercado que comanda a ciência. Os estudiosos da área da saúde sabem disso melhor do que eu, porque a minha disciplina não me obriga a produzir produtos, somente idéias, enquanto eles são obrigados a produzir produtos-resultados. A cidade está ameaçada de privatização, o que vai ser um grande problema nas questões de saúde pública. Na nossa análise está faltando – na dos profissionais de saúde e na dos geógrafos – uma análise prospectiva desse processo de privatização que vai agravar ainda mais questões de saúde pública: a privatização da água, dos esgotos, e tudo mais que concerne à vida urbana. No mundo em que a cidade, tendo crescido de tamanho, tem nas empresas filiadas aos grandes bancos a solução para as questões urbanas, na medida em que são cegos para a vida social e para as questões humanitárias, os problemas vão se avolumar contra os que não podem pagar. Será que essa técnica, assim comandante da ciência, essa técnica assim comandada pelo mercado, esse mercado comandante da ciência decretaram uma vez por todas a maldição dos homens de ciência ou podem eles ainda erguer a sua cabeça, e dizer: não! Espero que essa famosa lista com que os congressos terminam inclua os grandes problemas de sociedade que em um país como Brasil têm gravidade irrecusável. Aí comparece o papel crítico e que tem de ser de grande valentia, das ciências humanas, e entre elas, das ciências sociais da saúde. É evidente que a estrutura da universidade atual é hostil a qualquer exercício do pensamento livre. Esse, talvez, seja o maior problema da universidade brasileira. Ou seja, o maior desmentido da universidade pública brasileira, que se quer pública, mas não chega a sê-lo e não o é. Considero que o pensamento que se elabora em nossas universidades públicas é cada vez menos público, porque cada vez menos livre. Por conseguinte, já que me convidaram, eu lhes venho fazer esse apelo, evidente que nem precisava fazê-lo, porque essas idéias estavam presentes nas mentes e nos corações. Todavia, é sempre bom que alguém venha e produza algum discurso de conjunto, oferecendo uma provocação que amplie as vozes e Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 45 que, eventualmente, as façam entendidas. As vozes não são entendidas quando se dirigem às autoridades, esse tempo acabou. As vozes têm de se dirigir à sociedade em geral, que se incumbe depois de impor aos ouvidos das autoridades. Ela condiz com o que profundamente sentem as pessoas. Quero falar sobre a esperança que os senhores me dão, e com a esperança me despeço. VULNERABILIDADES E RISCOS: entre Geografia e Demografia* Eduardo Marandola Jr.** Daniel Joseph Hogan*** Entre as diferentes tendências de estudo dos riscos, temos inúmeras ciências que se utilizam da mesma categoria de diversas formas, ligadas a seus próprios pressupostos ontológicos, mas que pouco se comunicam. Este estudo objetiva aproximar duas dessas áreas disciplinares, que têm demonstrado preocupações semelhantes e que podem enriquecer-se mutuamente: Geografia e Demografia. A primeira, uma das mais antigas a tomar o risco em sua dimensão ambiental, tem larga experiência no esforço de focar as dinâmicas sociais e naturais simultaneamente. A segunda enfrenta maiores dificuldades, por ter incorporado a dimensão ambiental a seu escopo científico bem mais recentemente. Além disso, Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 46 ambas têm trazido, em seu arcabouço conceitual, a vulnerabilidade como conceito complementar ao de risco. Os geógrafos a entendem de modo mais simbiótico, a relação sociedade-natureza. Os demógrafos conferem a ela um forte componente socioeconômico. Nesse sentido, a discussão conceitual acerca dos riscos e vulnerabilidades, procurando aproximar os dois campos, é uma forma de avançar conceitualmente e de enriquecer as várias perspectivas de trabalhos empíricos. Palavras-chave: Riscos. Perigos naturais. Vulnerabilidade sociodemográfica. População e ambiente Contexto da pesquisa Este trabalho faz parte de um esforço conceitual que temos perseguido no contexto de um projeto que envolve pesquisadores do Núcleo de Estudos de População (Nepo) e do Núcleo de Economia Social, Urbana e Regional (Nesur), ambos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Tal projeto tem como objetivo estudar as vulnerabilidades sociodemográficas das metrópoles do interior e litoral paulista (Campinas e Santos). Ao tomar o termo vulnerabilidade como mote principal, o projeto estribou-se, a priori, na bibliografia desenvolvida, sobretudo por pesquisadores latino-americanos que têm enfocado a dimensão social e demográfica da vulnerabilidade. Nosso interesse particular, no entanto, vai além dessas questões, ressaltando prioritariamente a dimensão ambiental da vulnerabilidade, a partir da relação população-ambiente. É nesse contexto que se insere o esforço conceitual de mapear e compreender as formas e os sentidos de como os diferentes pesquisadores empregam tal idéia, enfocando várias dimensões da vulnerabilidade a partir de seus quadros teórico-metodológicos e ontológicos. Localizar e entender o termo vulnerabilidade nas diversas abordagens científicas é um empreendimento que não pode ser realizado sem se considerar, simultaneamente, o conceito de risco. Isso se deve ao fato de a vulnerabilidade aparecer no contexto dos estudos sobre risco em sua dimensão ambiental, num primeiro momento, e só mais tarde no contexto socioeconômico. Na realidade, os primeiros estudos científicos envolvendo o conceito de risco possuíam uma forte orientação objetivista (empiricista-realista), tendo Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 47 como pressuposto o entendimento da realidade como um dado, ou seja, passível de mensuração. Essa noção de risco ainda possui grande eco em diferentes tradições de estudos. No entanto, com o tempo surgiram não apenas posições contrárias – como a subjetivista (idealista), que entendia que o risco existe apenas a partir da linguagem –, mas outras posturas que procuravam mesclar esses dois extremos. Entretanto, um marco crucial no desenvolvimento desses estudos é a discussão da Sociedade de Risco, inaugurada pela sociologia em meados da década de 80. Esses estudiosos deslocaram o debate de um local circunscrito no tempo e no espaço para o âmbito das macrotransformações sociais. Contudo, permanece um hiato entre essa análise contemporânea e os estudos anteriores, com algumas exceções importantes e esforços preliminares de conjunção. Esse texto se inscreve, portanto, num esforço continuado de ―cartografar‖ as tendências e abordagens de estudo dos riscos e vulnerabilidades, com o intuito de compor um quadro teórico-metodológico para embasar nossas pesquisas empíricas (do projeto maior, como um todo, e dos subprojetos inseridos em seu contexto, em particular). Isso significa dizer que, embora esse esforço tenha, a princípio, uma nítida orientação teórica, o seu objetivo final é o quadro metodológico que ainda se desenha à nossa frente. Em vista disso, temascomo os trabalhos dos geógrafos sobre os natural hazards (perigos naturais) – talvez entre os primeiros a estudar esses conceitos –, os diferentes enfoques historicamente utilizados no estudo do risco (percepção do risco, risco e cultura, análise de risco, eventos e sistemas ambientais) em perspectiva com as discussões recentes acerca da Sociedade de Risco e os dois principais horizontes de estudo da vulnerabilidade hoje (pobreza e desigualdade, de um lado, e a sua dimensão ambiental nas várias escalas, de outro) (Marandola Jr. e Hogan, 2004c) foram abordados de um ponto de vista teóricoconceitual, com foco em seus significados epistemológicos e ontológicos, bem como os pontos mais significativos das diversas abordagens. Por outro lado, há outras tradições de estudo do risco no contexto das ciências sociais, como as contribuições de Niklas Luhmann, Mary Douglas, Deborah Lupton e Caroline Moser, que ainda não foram consideradas (nem serão neste momento, em virtude do recorte teórico-metodológico), e merecerão nossa atenção (Luhmann, Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 48 1993; Douglas, 1966, 1992; Douglas e Wildavsky, 1982; Lupton, 1999; Moser, 1998, 2004). Agora, portanto, nosso foco se direciona aos geógrafos, que foram os primeiros a trazer a vulnerabilidade para o debate ambiental no contexto dos estudos sobre os riscos. Eles, como mencionado, têm colocado em relevo essas categorias no contexto de uma linha de investigação que se ocupa do estudo dos natural hazards (Marandola Jr. e Hogan, 2004a). O interesse dos geógrafos e dos demógrafos tem confluído, principalmente, com preocupações mais recentes destes últimos sobre as populações em situações de risco. Ambos passam a ocupar-se de estudos sobre enchentes e deslizamentos, entre outras situações em que o ambiente, conjugado a fatores socioeconômicos, expõe as populações a riscos, sobretudo nas cidades. É nesse contexto que vemos a pertinência de propor uma aproximação conceitual entre estes dois campos: geografia e demografia. A primeira é uma das pioneiras em trabalhar os riscos e as vulnerabilidades em sua dimensão ambiental, com um espesso edifício conceitual e uma larga tradição de trabalhos empíricos. A segunda só recentemente incorporou em uma parte de suas preocupações a dimensão ambiental, mas, no entanto, tem contribuído com estudos empíricos e preocupações confluentes em um universo teórico distinto dos geógrafos e ainda por ser mais bem desenhado. E ambas alinham-se às abordagens com forte orientação empírica, com preocupações diretas sobre espaços-tempos específicos e problemáticas relacionadas ao planejamento e à gestão. Faremos uma breve revisão de como o debate acerca dos riscos e das vulnerabilidades se desenvolveu e evoluiu entre os geógrafos, passando depois aos demógrafos. Tal abordagem incidirá sobre os estudos dos natural hazards, a principal linha de investigação entre os geógrafos que têm trabalhado os conceitos de risco e vulnerabilidade. Esse recorte é tanto circunstancial, em razão da dimensão deste texto, quanto metodológico, pois esta é a área de principal contato entre geografia e demografia neste campo, bem como é a base teórico-metodológica da qual muitos demógrafos têm se servido para ajudar a orientar seus trabalhos.1 No final, relacionamos os dois campos, procurando tecer um quadro comum para discussão dos conceitos e para operacionalizar nossas pesquisas, tendo como preocupação de fundo a relação população-ambiente. Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 49 Natural hazards: uma tradição geográfica Os estudos geográficos sobre risco receberam tratamento especial dos pesquisadores preocupados com fenômenos naturais que, em situações extremas, causavam danos e expunham as populações ao perigo. Os natural hazards, ou perigos naturais, 2 têm exigido grande esforço e apreensão por parte de pesquisadores envolvidos com ações de planejamento e gestão e com a relação do homem com seu ambiente. Entre esses perigos estão as enchentes, deslizamentos, tornados, erupções vulcânicas, furacões, vendavais, granizo, geadas, nevascas, desertificação, terremotos e assim por diante. São considerados perigos no momento em que causam dano às populações (Burton, Kates e White, 1978; Aneas de Castro, 2000). Como o estudo desses perigos sempre esteve num contexto de planejamento, em que havia áreas específicas em foco e perdas humanas, materiais e econômicas iminentes, o estudo sempre esteve imbuído da preocupação de não apenas entender a extensão e o dano que os perigos causariam àquelas populações. O prognóstico da probabilidade daqueles fenômenos ocorrerem era fundamental naquele contexto. Nesse sentido, os geógrafos desenvolveram largamente o que chamavam de risk assessment (avaliação do risco): avaliação do risco de ocorrer um perigo em determinado local. É evidente que a avaliação do risco não era algo exclusivo dos geógrafos. No entanto, eles desenvolveram metodologias específicas, abordando tanto as variáveis ambientais quanto as respostas coletivas e individuais das populações em risco. Nesse aspecto, destacam-se os trabalhos de Robert W. Kates, Risk assessment of environmental hazards (Kates, 1978) e de Anne White e Ian Burton, Environmental risk assessment (White e Burton, 1980), ambos no contexto do Scientific Committee on, importante organização científica que contribuiu muito nos estudos sobre as relações do homem com seu ambiente, principalmente nos anos 70 e 80. Tais metodologias orientaram diversos trabalhos de análise do risco no mundo todo. Nesses trabalhos seminais, os conceitos principais eram risco e perigo. O perigo era o fenômeno estudado e o risco, a perspectiva em que se colocava a abordagem do problema. Em vez de se utilizar o impacto como abordagem, imperava uma preocupação prognóstica que reclamava a minimização da incerteza, ou seja, a Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 50 mensuração das probabilidades de os perigos acontecerem era fundamental para diminuir a ocorrência e a intensidade dos desastres. Nesses primeiros estudos, a vulnerabilidade não aparece como conceito, mas como idéia subjacente à noção de capacidade de resposta. Tal idéia é central nas metodologias propostas, sendo parte integrante das pesquisas. Na importante obra avaliativa dessa linha de investigação, Ian Burton, Robert W. Kates e Gilbert F. White dão destaque a essa questão. Para os autores, a resposta ao perigo é a capacidade de diminuir as perdas e salvar vidas. ―Response to hazards is related both to perception of the phenomena themselves and to awareness of opportunities to make adjustments‖ (Burton, Kates e White 1978, p. 35). Os autores levantam assim a questão da percepção do risco como fundamental na resposta que as populações darão ao perigo. As respostas podem ser de curto, médio ou longo prazo. Assim, entre elas, os autores listam as ações de emergência, de evacuação de áreas e de prestação de auxílio às pessoas atingidas, a adaptação biológica e a adaptação cultural, assim como a capacidade de absorção dos perigos e os ajustamentos. O enfoque incide sobre as de médio e longo prazos, e entre estas as que são intencionais, ou seja, fruto de planejamento e decisão (escolhas). As adaptações biológica e cultural estão numa escala temporal anterior, em que as sociedades humanas, através da história, têm se adaptado aos diferentes perigos naturais. Essas adaptações ocorrem hoje em pequena escala, embora a cultural possa ser relacionada às mudanças de comportamento e valores, promovidas principalmente pelos novos riscos vividos nas cidades. No entanto, os ajustamentos é que são mais interessantes, pois envolvem as ações e escolhas, coletivas e individuais, que têm como conseqüência a diminuição do desajuste existente entre as populações e esses eventos da natureza (Burton, Kates e White, 1978). Eles podem ser tanto incidentais (atitudes que não têm o perigo em perspectiva, mas produzem em conseqüência a diminuição de seu dano ou risco) quanto frutos de decisão consciente, individual ou coletiva. ―Adjustments may be separated into those that are purposefully adopted and other activities and characteristics of individual behavior that sometimes are not primarily hazard-related but have the effect of reducing potential losses‖ (Burton, Kates e White, 1978, p. 40). É nesse quadro que se coloca a ampla gama de propostas de intervenção, Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 51 planejamento e gestão, bem como as políticas públicas que têm como objetivo diminuir as perdas (materiais e humanas) e aumentar a segurança. São igualmente importantes aqui as ações coletivas e individuais no âmbito das comunidades, da família e de outros círculos não-governamentais, mas que também agem para aumentar o ajuste ao perigo, diminuindo assim o risco e sua própria vulnerabilidade. Um outro conceito significativo neste contexto é a capacidade de absorção (absorptive capacity). Segundo os autores, como os perigos são eventos naturais que atingem diretamente os sistemas de uso humanos, as respostas têm de envolver aspectos tanto da vida econômica e social quanto dos sistemas naturais. E apesar do foco primário se dar sobre ajustamentos decididos, os autores destacam o papel dos ajustamentos incidentais, da adaptação cultural, que cria um nível de capacidade individual, e dos sistemas sociais para absorver os efeitos das flutuações ambientais extremas. Tal capacidade de absorção está, portanto, ligada diretamente aos ajustamentos, sendo fundamental para que, mesmo sofrendo as perdas, a sociedade, as pessoas e o sistema ambiental sejam capazes de absorver este impacto e se recuperar.3 Portanto, embora a vulnerabilidade já tivesse lugar nesses primeiros estudos,4 ela ganhará maior atenção no fim da década de 80 e nos anos 90. Isso ocorre quando as pesquisas deixam de se ocupar apenas com os perigos naturais, passando a enfocar também os perigos sociais e os tecnológicos. Além disso, os ―naturais‖ passam a ser vistos como ambientais, implicando que os perigos só podem ser compreendidos levando-se em conta o contexto natural e as formas pelas quais a sociedade tem se apropriado da natureza, produzindo perigos (Jones, 1993). Embora os geógrafos sempre tenham enfocado a dimensão humana simultaneamente à física (os perigos só existiam a partir do momento que houvesse populações atingidas), essas novas preocupações davam uma atenção mais direta a processos socioeconômicos e a problemas eminentemente sociais. A vulnerabilidade aparece agora em três contextos – social, tecnológico e ambiental – e sua importância vai crescendo gradativamente. Em vista disso, uma discussão que se torna relevante, em relação ao debate acerca da vulnerabilidade, é sua natureza ou, em outras palavras, suas causas e elementos constitutivos, pois, enquanto tinha seu foco nos fenômenos biofísicos, a vulnerabilidade poderia ser facilmente relacionada aos ecossistemas ou Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 52 aos ambientes. No entanto, com a ampliação das perspectivas de estudo, coloca-se a questão: a vulnerabilidade é um atributo definido pelas condicionantes ambientais (biofísicas – naturais) ou pelos recursos socioeconômicos, que conferem maior capacidade de resposta diante dos perigos? Segundo Susan Cutter, importante sistematizadora das diferentes abordagens sobre vulnerabilidade,5 essa riqueza se dá em virtude da própria diversidade de temas abordados, dos muitos espaços estudados (países em várias situações de desenvolvimento), bem como da própria orientação epistemológica (ecologia política, ecologia humana, ciência física, análise espacial) e suas conseqüentes práticas metodológicas. Essas diferenças resultarão, segundo a autora, em três posturas principais (Cutter, 1996, p. 530): 1. uma que se foca na probabilidade de exposição (biofísica ou tecnológica); 2. outra que se ocupa da probabilidade de conseqüências adversas (vulnerabilidade social); 3. e uma última que combina as duas anteriores. Essas três posições são representadas por três tendências denominadas pela autora de (1) vulnerabilidade como condição preexistente; (2) vulnerabilidade como resposta controlada (tempered response); e (3) vulnerabilidade como perigo do lugar (hazard of place). Na primeira, Cutter afirma que os estudos se caracterizam por focar a distribuição da condição perigosa, a ocupação humana em zonas perigosas (áreas costeiras, zonas sísmicas, planícies inundáveis) e o grau de perdas (de vida e propriedade) associado com a ocorrência de um evento particular (inundação, furacão, terremoto). Na aferição da vulnerabilidade nesses estudos, são consideradas magnitude, duração, impacto, freqüência e as características biofísicas gerais e da exposição ao fenômeno. Muitos dos primeiros estudos sobre vulnerabilidade e perigos naturais estavam centrados nessa perspectiva, como o de Hewitt e Burton (1971) e os trabalhos reunidos na seminal coletânea de Gilbert F. White (um dos mais destacados pioneiros e difusores dessa linha de investigação), como resultado dos trabalhos da Comissão sobre o Homem e o Ambiente, da União Geográfica Internacional (UGI), com colaboração de pesquisadores de vários países (White, 1974). O segundo grupo de estudos sobre vulnerabilidade, afirma Cutter, está ocupado com as respostas da sociedade, incluindo a resistência e resiliência social para Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 53 com os perigos. ―The nature of the hazardous event or condition is usually taken as a given, or at the very minimum viewed as a social construct not a biophysical condition‖ (Cutter, 1996, p.532-533). Esta tendência se concentra, portanto, na construção social da vulnerabilidade e em seus fatores culturais, econômicos, políticos e sociais, condicionantes das respostas individuais e coletivas. Tal propensão é a mais próxima dos trabalhos mais fecundos dos demógrafos, conforme veremos à frente. Mas é também nessa perspectiva que alguns geógrafos ocupados de perigos sociais têm trabalhado (Watts e Bohle, 1993; Oppong, 1998), além de alguns pesquisadores latino-americanos que têm tratado a vulnerabilidade sobretudo em sua dimensão social (García, 2003; Schmoisman e Márquez-Azúa, 2003). Por fim, Cutter destaca sua tendência de escolha, que é de fato a predominante atualmente. Vulnerabilidade como perigo do lugar é uma perspectiva mais conjuntiva que é, na avaliação da autora, a mais geograficamente centrada. Em tal perspectiva, [...] vulnerability is conceived as both a biophysical risk as well as a social response, but within a specific area or geographic domain. This can be geographic space, where vulnerable people and places are located, or social space, who in those places are most vulnerable. (Cutter, 1996, p. 533) Incorporam-se à mesma discussão a mensuração do risco biofísico (ambiental), a produção social do risco e as capacidades de resposta, tanto da sociedade (grupos sociais) quanto dos indivíduos. Nessa abordagem, encontraremos vários geógrafos trabalhando diferentes perigos. Keith Smith, por exemplo, em obra sobre Environmental hazards: assessing risk e reducing disaster, define seu conceito de vulnerabilidade, baseado em Timmerman (1981): The learning benefits of experience for future hazard reduction strategy will be nullified if the level of human vulnerability to disaster continues to rise faster than the degree of protection which can be offered. The concept of vulnerability implies a measure of risk combined with the level of social and economic ability to cope with the resulting event in order to resist major disruption or loss (Timmerman, 1981). In other words, vulnerability is the liability of a community to suffer stress, or the consequence of the failure of any protective devices, and may be defined as ‗the degree to which a system, or part of a system, may react adversely to the occurrence of a hazardous event‘ (Smith, 1992, p. 22). Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 54 O autor deixa claro assim que a vulnerabilidade, olhada por esse ângulo, não pode ser auferida apenas através de avaliações das dinâmicas naturais dos perigos em evidência, muito menos apenas pelo estudo dos recursos sociais para lidar com o perigo. Antes, é fundamental compreender a relação existente entre esses condicionantes, para evitar os dois enganos: supervalorizar os fatores ambientais ou a dinâmica social. Harold Brookfield externou essa preocupação. Segundo ele, enquanto alguns fenômenos têm suas causas facilmente identificadas (como as bombas atômicas – oriundas da ação humana), outros são mais complexos, tendo-se de atribuir pesos iguais às causas naturais e humanas. Brookfield (1999) afirma ainda que é freqüente a aferição de causas de maneira apressada, estabelecendo-se relações de causa e efeito de forma simplista, não raro subvalorizando os fatores ambientais. O autor entende a vulnerabilidade relacionada tanto à geografia de onde se encontra a comunidade estudada, quanto à sua situação econômica e política. Para ele, ―[...] there are both geophysical and human forces at work in the production of vulnerability to damage and of damage itself‖ (Brookfield, 1999, p. 7). O autor propõe assim que o estudo sobre a vulnerabilidade seja focado na resistência e sensibilidade do ambiente e não partindo da causa social da vulnerabilidade, pois uma abordagem assim, em sua opinião, pode acabar mascarando as causas naturais envolvidas no processo. Todo o esforço do autor é para recolocar a importância dos estudos das causas biofísicas dos perigos. Ele afirma que há muito mais causas físicas em mais casos do que se imagina. Essa preocupação é mais do que legítima, na medida em que, envolvidos num sistema com um modo de produção amplamente controlador, com implicações diretas e indiretas em todas as facetas de nossa vida, as ciências sociais em geral (e nelas se inclui a geografia) vivem uma tendência de minimizar fatores que não sejam socioeconômicos ou políticos. Embora não desejemos incentivar um esvaziamento político da discussão sobre vulnerabilidade, centrando-a nas discussões de suas determinantes ambientais, não podemos reduzi-la a elementos sociais. O alerta de Brookfield torna-se tanto mais relevante num cenário interdisciplinar e num esforço como esse de firmar um diálogo entre geografia e demografia. Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 55 Contudo, os termos desse diálogo estão, em grande parte, nos termos da discussão da terceira tendência apontada por Cutter, que busca não priorizar nenhum dos dois pólos. Muitos exemplos poderiam ser dados de estudos empíricos que têm utilizado essa orientação, procurando tanto considerar as implicações e condicionantes sociais na resposta a perigos, como enfatizar a natureza e a relevância desses fenômenos na capacidade de resposta dos diferentes grupos sociais (Gardner, 2002; Paulson, 1993; Naughton-Treves, 1997; Palm e Hodgson, 1993; Kolars, 1982; Ayoade, 1998; Liverman, 1990). Cutter (1996) elabora melhor essa abordagem através de uma figura, em que aparece claramente sua idéia do que seria o estudo da vulnerabilidade por uma perspectiva conjuntiva centrada no lugar (Figura 1). Esse modelo mostra as relações existentes entre o risco, as ações de mitigação (respostas e ajustamentos) e a vulnerabilidade do lugar, havendo a definição destes elementos nos termos da relação estabelecida entre eles. Ou seja, o aumento das ações mitigadoras poderá significar a diminuição do risco e, conseqüentemente, implicará a redução da vulnerabilidade do lugar. Por outro lado, o risco poderá aumentar se houver alterações no contexto geográfico ou na produção social, que poderão incorrer no aumento da vulnerabilidade biofísica e social (respectivamente) e da vulnerabilidade do lugar. Tal processo poderá ser iniciado também pelo aumento do perigo potencial, que tanto pode ser resultado quanto condicionante do aumento ou da diminuição da vulnerabilidade. Na parte de baixo da figura, Cutter deixa claro que propõe centrar os estudos sobre vulnerabilidade em um local circunscrito no espaço, mas sem desprezar a evolução temporal que imprime mudanças nos elementos desse esquema. Assim, a alteração dos termos da relação entre os elementos deve ser ponderada numa escala temporal satisfatória para que possam ser avaliadas as mudanças e colocadas em perspectiva. Não se pode considerar a situação como estática, congelada no tempo. As interações espaciais e sociais são ininterruptas e apenas aumentam a complexidade de nossa tarefa como pesquisadores de tentar compreendê-las e dar respostas às inquietações e problemáticas enfrentadas pela sociedade. De fato, buscar encontrar tais caminhos passa pela aplicação de modelos mais conjuntivos que aliem os conhecimentos das dinâmicas sociais e naturais. Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 56 A vulnerabilidade, como a têm entendido esses geógrafos, é uma característica intrínseca dos lugares definidos por esse conjunto de condicionantes ambientais e sociais, que devem ser estudados caso a caso para que se possa auferir onde um ou outro elemento tem maior relevância, e onde ambos agem simultaneamente e com a mesma intensidade na exposição das populações a riscos e perigos e na sua conseqüente vulnerabilidade. Elemento crucial nesse sentido é a noção da capacidade de resposta, tão associada à vulnerabilidade, bem como os ajustamentos e a capacidade de absorção. Todos esses são conceitos trabalhados mais ou menos pelos demógrafos, não apenas por aqueles ocupados da dimensão ambiental, mas também pelos focados na vulnerabilidade sociodemográfica. Procuraremos agora traçar a evolução do uso e entendimento dos conceitos de risco e vulnerabilidade na demografia, esforçando-nos em apontar a especificidade do uso que os demógrafos fazem deles, bem como os pontos de contato com a linha de estudo dos geógrafos. Riscos e vulnerabilidades: trajetória demográfica O risco na análise demográfica tradicional Tradicionalmente, a demografia utiliza-se da noção de risco associada às probabilidades de ocorrerem certos eventos da dinâmica demográfica. Esse risco é fruto de um cálculo matemático, que tem seus elementos definidos de acordo com a natureza de tal fenômeno. Calculam-se, principalmente, o risco de morte e o risco de contrair uma determinada doença. Geoge W. Barclay, em sua obra clássica, Techniques of population analysis, assim explica este uso tradicional de risco na análise demográfica: Both expressions [proportions dying and probability of dying] refer to the notion of the ‗risk‘ of death, which is a way of saying that people live continually exposed to some chance of dying, a chance that is precisely measurable. Everyone of course dies some time, but the prospect is uncertain at any given moment. The risk is the degree of uncertainty. The ‗proportion dying‘ and the ‗probability of death‘ both indicate how great the risk of dying is. The numerical value measuring this degree is also called a ‗mortality rate‘ (Barclay, 1958, p. 100). Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 57 O risco é, portanto, uma fração matemática expressa por um índice, que varia de 0,0 (impossibilidade de ocorrência) a 1,0 (absoluta certeza de ocorrência). Essa diferença ou gradação refere-se ao grau de certeza que se consegue inferir de que determinada pessoa (ou grupo populacional), em determinadas circunstâncias, irá contrair certa doença ou ter certo comportamento de natalidade/mortalidade. Barclay destaca, entre alguns dos passos para delimitação desses cálculos, a definição do universo, da faixa etária e do total de pessoas que têm possibilidade de morrer durante o intervalo. Assim, o universo é definido no número máximo possível de mortes, calculando-se com base nos fatores relevantes para aquela dinâmica o universo de oportunidades que podem matar durante aquele intervalo de tempo. No entanto, o autor mostra que há outras utilizações da noção de risco, como o risco de se casar, risco de ter filhos, risco de entrar em alguma atividade econômica, risco de ter algum tipo de doença mental. No entanto, destacando o caráter demográfico, Barclay enfatiza que o cálculo do risco a qualquer ocorrência deve ter seu universo bem delimitado, pois o risco de ter um filho, por exemplo, é bem diferente entre determinados grupos demográficos, como os abaixo de 10 anos, os de 20 a 40 e os de mais de 60 anos. O risco, nesse entendimento, é um elemento probabilístico estritamente neutro, não carregando uma carga negativa em si, como ocorre nos estudos dos geógrafos e como é encarado o risco, em geral, desde a entrada da modernidade (Giddens, 1991). Assim, fundamentais nessa tradição de estudos são a delimitação e o conhecimento dos fatores de risco. De fato, essa é uma tendência ainda presente e significativa dos estudos demográficos, principalmente os ligados à saúde. Vários estudos dedicados a compreender a relação da dinâmica e do comportamento demográfico com determinadas doenças têm se utilizado largamente dessa linha tradicional para identificar grupos demográficos de risco. Além disso, aumenta hoje a importância dada aos grupos de comportamento de risco, buscando-se ampliar a discussão e fugir de um certo ―determinismo‖. E também há uma maior atenção às diferentes percepções dos grupos acerca do risco, bem como de sua inserção cultural, material e simbólica na sociedade, o que influi diretamente em seus comportamentos e na Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 58 adoção ou não de atitudes preventivas (Monteiro, 2002; Connors, 1992; Paicheler, 1992). No entanto, algumas correlações são bastante claras e com ampla comprovação de estudos variados. Estes ganham maior legitimidade à medida que incorporam entre seus fatores não apenas elementos como natalidade, gênero e família, mas também as condições socioeconômicas dos pais e as dimensões da escolaridade, entre outros comportamentos e situações que não são diretamente fatores demográficos (Cruz e Leite, 2002; Saad e Potter, 1994; Barbosa e Andrade, 2000). Nesses estudos, portanto, procura-se a correlação entre os diversos fatores, por meio de técnicas diferenciadas de estatística para determinar quais deles constituem fatores de risco e quais podem ser descartados como irrelevantes. Ser um fator de risco significa, portanto, influir diretamente na probabilidade de ocorrência de determinado fenômeno. Ou seja, há uma correlação positiva. Grande parte desses estudos se prende a uma noção da realidade estritamente objetivista, entendida como um dado passível não apenas de mensuração, mas também de identificação de relações causais, mesmo que multifocais e multivariadas. Além disso, tais estudos nem sempre incorporavam, de uma maneira mais intensa, a capacidade que as pessoas e os grupos demográficos possuíam ou poderiam possuir para minimizar o risco a que estavam expostos, ou mesmo se eles teriam alguma chance de ―escapar‖ da probabilidade imposta pelo coeficiente dos fatores de risco. Nesse sentido, a epidemiologia, aliada à demografia, tem contribuído e trazido enriquecimentos à discussão de saúde, incorporando o conceito de vulnerabilidade – mesmo que de forma ainda imprecisa – como um passo além em relação ao conceito de comportamento de risco, conforme mostram Ayres et al. (1999). Tendo em perspectiva o caso específico da Aids, mas podendo ampliar o quadro para a epidemiologia em geral, esses autores se esforçaram em, acompanhando movimentos internacionais, traçar as possibilidades e enriquecimentos do conceito, apontando que um dos maiores desafios é ultrapassar a dimensão comportamental para a social, que leva em conta elementos sociais e demográficos. O conceito de vulnerabilidade não visa distinguir a probabilidade de um indivíduo qualquer se expor à Aids, mas busca fornecer elementos para avaliar Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 59 objetivamente as diferentes chances que cada indivíduo ou grupo populacional particular tem de se contaminar, dado o conjunto formado por certas características individuais e sociais de seu cotidiano, julgadas relevantes para a maior exposição ou menor chance de proteção diante do problema (Ayres et al., 1999, p. 65). Assim, Ayres et al. avançam do conceito de risco objetivo, quantitativo e comportamental, para uma análise ―quanti-quali‖, que incorpora elementos quantitativos objetivos a conjunturas sociodemográficas e programáticas. Um dos principais enriquecimentos conceituais é a biface vulnerabilidade-empowerment6 como duas faces do mesmo processo, que interagem na equação do risco e da saúde. Outro ponto fundamental é a ênfase nos processos coletivos, sociais e demográficos, e na face política da doença e do risco, influenciando a capacidade das pessoas e grupos de se protegerem e/ou se tratarem. No entanto, a conceituação de vulnerabilidade ainda continua em construção, amplamente utilizada embora pouco precisada na maior parte desses estudos. Quanto ao espectro maior dos trabalhos, a vulnerabilidade ainda não se tornou o conceito-chave, embora haja tendências importantes nesse sentido. E, apesar das críticas à persistência do uso de conceitos como fatores de risco ou até de grupos e comportamento de risco,7 ela persiste como significativa linha de investigação muito ligada à epidemiologia, que tem avançado no refinamento estatístico e na ampliação de suas bases teórico-metodológicas, enriquecendo os quadros que tem desenhado para a análise dos dados e das problemáticas colocadas em foco. Populações em situações de risco: um avanço conceitual Talvez esses sejam os caminhos iniciais, a partir da demografia, que conduziram as inquietações do Grupo de Trabalho sobre População e Meio Ambiente, da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (Abep), principalmente nos anos 90. Esse grupo tem papel fundamental no avanço conceitual e metodológico, no contexto da demografia, nos estudos sobre risco. Um dos conceitos centrais que foram discutidos entre esses pesquisadores foi o de populações em situação de risco. De fato, após alguns anos de discussões e pesquisas, o grupo publicou uma importante obra na qual podemos verificar o Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 60 amadurecimento desse debate e como o grupo, de maneira geral, encarava tal conceito e lhe concedeu operacionalidade.8 Daniel J. Hogan, fazendo uma ampla avaliação sobre o tema população e meio ambiente, identifica as populações em situações de risco entre as perspectivas para pesquisa em demografia nessa temática. Segundo o autor, é uma abordagem promissora, pois: Como as conseqüências da deterioração ambiental não são sentidas de forma igual entre grupos sociais nem uniformemente através do território, as categorias usuais para a análise demográfica nem sempre são capazes de revelar estas conseqüências (Hogan, 2000, p. 41). O autor chama a atenção para trabalhos que têm contribuído para a ampliação do entendimento dessa abordagem e que consideram os fatores biofísicos dos ambientes e sua inter-relação com a dinâmica demográfica. Exemplos disso são populações que ocupam várzeas de rios e áreas sujeitas a inundações em favelas, ou populações sujeitas a desastres naturais. Hogan procura aliar nessa abordagem, portanto, os elementos físicos dos ambientes onde as populações habitam com sua situação socioeconômica, quando relevantes. Haroldo da G. Torres, em A demografia do risco ambiental, faz as perguntas que estiveram na pauta do grupo: o que são riscos ambientais? Que tipo de população reside nas áreas de risco, como mensurá-la e como estudá-la? Percebemos, de imediato, um acréscimo importante à tradicional preocupação dos demógrafos, que é o componente ambiental. Ou seja, uma preocupação latente do grupo era superar a limitação que os componentes da dinâmica demográfica apresentam para compreender certos fenômenos, que têm uma carga do ambiente físico muito forte como ―fatores de risco‖. Torres (2000) não apenas discute teoricamente o conceito de risco ambiental, como também propõe e reflete sobre os embates existentes na sua operacionalização. O autor busca sair do lugar comum das discussões sobre risco, procurando elaborar um plano lógico para seu enfrentamento. Ele aponta quatro dificuldades e cinco passos desse plano. As dificuldades podem ser assim resumidas: 1. há substâncias conhecidas e não-conhecidas que podem ter exposto ou estar expondo as populações a riscos, conhecidos e não-conhecidos. Há riscos que Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 61 apenas serão conhecidos quando seus efeitos negativos já tiverem afetado muitas pessoas, às vezes com processos irreversíveis; 2. a noção do que é arriscado é definida historicamente, podendo transformar-se ao longo do tempo; 3. a percepção dos indivíduos e das famílias acerca do risco pode ser bastante diferente, por diversos fatores, mesmo que o risco seja relativamente conhecido; 4. a capacidade dos indivíduos ou grupos sociais de se proteger é afetada pelo nível de renda. Esses pontos que registram a dificuldade de lidar com os riscos têm, segundo o autor, forte influência espacial. Ou seja, a escala de análise, os recortes espaciais e a distribuição espacial dos fenômenos têm influência direta em como poderemos lidar com eles, bem como melhor compreendê-los em sua relação com a sociedade (Marandola Jr., 2004). Além disso, talvez a maior dificuldade, segundo Torres (2000, p. 64), seja a ―[...] identificação dos grupos sociais mais afetados por um determinado fenômeno ambiental que se queira estudar‖. Ciente dessa dificuldade inerente, o autor propõe os principais passos lógicos envolvidos na definição do que são as populações sujeitas a riscos ambientais: 1. identificação de uma fonte/fator potencialmente gerador de riscos ambientais; 2. construção de uma curva de riscos (real ou imaginária); 3. definição de um parâmetro de aceitabilidade do risco; 4. identificação da população sujeita a riscos; 5. identificação de graus de vulnerabilidade. Elemento fundamental intrínseco nesses passos é a característica que o estudo dos riscos adquire nessa perspectiva, qual seja, de se concentrar em uma área específica, em geral menos ampla do que aquela que a demografia está comumente acostumada a trabalhar. ―Para observar as características da população em situação de risco, [...] a demografia é chamada a pensar também na escala intra-urbana, em pequenos setores censitários, ou naquilo que em algum momento passou a chamar de demografia das pequenas áreas‖ (Torres, 2000, p. 63). Vemos assim que tais pesquisadores deram um grande passo em relação aos estudos tradicionais sobre o risco, apesar de observarmos nesse debate inicial um uso mais livre do termo ―risco‖, às vezes empregando a palavra para se Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 62 referir a ―perigo‖ ou a ―vulnerabilidade‖, além de ―risco‖ per si. Ao observar, porém, essas cinco etapas, a demografia em seu sentido tradicional atentaria apenas para a primeira, talvez incidindo sobre a quarta, mas apenas em virtude dos resultados demográficos da aplicação de seus modelos. Torres (2000, p. 67) reconhece, nessas cinco etapas, a necessidade de uma atividade interdisciplinar em que especialistas de outras áreas seriam cruciais, principalmente nas três primeiras. No entanto, a atividade dos demógrafos vinculados ao Grupo de Trabalho demonstra que eles têm aceitado este desafio, conforme observamos nas demais contribuições do livro (Taschner, 2000; Porto e Freitas, 2000), bem como em outros trabalhos mais recentes (Hogan et al., 2001; Hogan e Carmo, 2001; Torres e Marques; 2001).9 Por fim, Torres (2000, p. 69) lembra um elemento de fundamental importância, que tem a ver com as ―[...] características socioeconômicas das populações nas áreas de risco‖. Fatores como distribuição de renda, escolaridade, raça, tipo de ocupação, entre outros, segundo o autor, devem receber atenção juntamente com as variáveis demográficas clássicas. Essa relevância está na identificação de desigualdades ambientais, que revelam uma correlação forte entre áreas de risco ambiental e grupos de renda mais baixa e com consideráveis níveis de dificuldades sociais. Essa é uma questão fundamental que emerge tanto das preocupações desse grupo, quanto de outros setores da demografia, mais ligados à sociologia. Tanto Hogan quanto Torres mencionam a questão da vulnerabilidade, embora naquele momento não tenham desenvolvido suficientemente essa noção. No entanto, em ambos os casos, ela aparece como vinculada à situação socioeconômica e à capacidade de resposta (ou enfrentamento) diante dos riscos ambientais. Mas ela será amplamente desenvolvida em outro contexto e com alguns elementos constitutivos um pouco distintos da abordagem enfocada aqui. É sobre tal abordagem que nos deteremos a seguir. Vulnerabilidade sociodemográfica: um conceito latino-americano Essa outra tendência tem lugar no cenário latino-americano, ligada principalmente a pesquisadores do Centro Lationamericano y Caribeño de Demografia (Celade), divisão da Comisión Econômica para América Latina y el Caribe (Cepal), com ampla Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 63 repercussão internacional e um grande número de trabalhos comparativos. Apesar de também utilizarem o termo vulnerabilidade, o contexto teórico-metodológico desses pesquisadores é sensivelmente outro, o que resultará numa visão distinta, embora relacionada, da vulnerabilidade e dos riscos. Vejamos a origem desse debate e como tais pesquisadores têm tratado o termo. Em primeiro lugar, a tendência é considerar a vulnerabilidade ―[...] more as na analytical approach than as a conceptual category‖ (Cepal, 2002a, p. 1). Mas que perspectiva analítica? A maioria dos estudos está centrada na discussão das desigualdades sociodemográficas, vinculadas à pobreza e à problemática da exclusão social. Um documento da Cepal elaborado para sistematizar o conhecimento acerca da noção, conforme vem sendo utilizada por seus pesquisadores, ―[...] aims to apply a vulnerability-oriented approach to the analysis of the relations between population and development at the community, household and personal levels‖ (Cepal, 2002a, p. 1). Essa orientação irá ditar, evidentemente, o que os autores entendem por vulnerabilidade e sua aplicação teórico-metodológica. Nesse sentido, é dada ênfase ao estudo e à identificação de grupos vulneráveis, que são aqueles que apresentam características específicas que os tornam suscetíveis aos riscos. A delimitação desses grupos obedece aos componentes tanto da dinâmica demográfica quanto da dinâmica social. The use of the notion vulnerability to refer to specific groups of the population has a long history in social analysis and social policies. It is used, firstly, to identify groups which are in a situation of ‗social risk‘: i.e., groups made up of individuals who, because of factors typical of their domestic or community environment, are more likely to display anomic forms of conduct (aggressiveness, delinquency, drug addiction), to suffer different forms of harm by the action or omission of others (intrafamily violence, attacks in the street, malnutrition), or to display inadequate levels of performance in key areas for social inclusion (such as schooling, work or interpersonal relations) (Cepal, 2002a, p. 2). A pobreza e a mobilidade social (principalmente para baixo na pirâmide social) são, de fato, os motes principais que motivam esses pesquisadores. Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 64 Thus, lack of assets, their loss of value or inability to manage them properly form the distinctive sign of vulnerability to two social risks of capital importance: poverty, and downward economic and social mobility (Cepal, 2002a, p. 3). A esse respeito, há uma tendência de entender a vulnerabilidade como a suscetibilidade de sofrer perdas socioeconômicas, como no poder de compra, na capacidade de inserção social ou mesmo de emprego. A linha da pobreza tem sido encarada, às vezes, como um desses limites em que haveria maior vulnerabilidade (Celade, 1999; Cepal 2002b; Torres et al., 2003). A vulnerabilidade é entendida, portanto, a partir de três componentes: (1) a existência de um evento potencialmente adverso (risco), endógeno ou exógeno; (2) incapacidade de responder à situação, seja por causa da ineficiência de suas defesas, seja pela ausência de recursos que lhe dêem suporte; (3) inabilidade de se adaptar à situação gerada pela materialização do risco (Cepal, 2002a, p. 1). Essas etapas colocam a dinâmica em três momentos distintos: (1) há um evento potencial que poderá causar dano; (2) diante desse risco, as pessoas procuram os meios de se proteger e percebem que são incapazes de fazer isso, porque não há recursos ou meios para defendê-las; (3) quando o evento ocorre, ou materializa-se, as pessoas enfrentam o perigo e sofrem pela falta de habilidade para adaptar-se a ele, sofrendo danos e perdas. Tal perspectiva apresenta a vulnerabilidade de maneira essencialmente negativa, num sentido extremamente inescapável e inevitável. Confluente a esse esforço cepalino, Rubén Kaztman tem sido um dos principais pesquisadores a tratar da vulnerabilidade social, juntamente com um grupo de pesquisadores de Montevidéu (Uruguai) e de Córdoba (Argentina). A contribuição mais significativa desses autores tem sido sua leitura dos ativos e da estrutura de oportunidades. Essas duas noções enriquecem um quadro operacional de estudo da vulnerabilidade, na mesma perspectiva da Cepal. Em estudo comparativo entre Argentina e Uruguai, Kaztman et al. (1999) explicitam em que contexto aplicam os conceitos de vulnerabilidade e ativos, deixando mais claro ainda o horizonte de pesquisa: [Estes conceitos] se constituye o podría constituirse en teorías de alcance medio, no ya por su pretensión de recortar de um fenómeno macro un subgrupo y explicarlo, Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 65 sino porque pretende aproximarnos a La explicación del fenómeno de la pobreza en general, contribuyendo con un tipo de causa eficiente. En definitiva, procura ofrecer um cuerpo sistemático de conceptos y relaciones que expliquen parte de la varianza de la pobreza y del bienestar. Este modelo apoya su eje explicativo en los recursos com que cuentan los propios hogares para enfrentar las coyunturas externas (Kaztman et al., 1999, p. 2). Essa preocupação com a pobreza é que leva os autores a proporem o que chamam de ativos, que são uma estrutura profunda de recursos (capitais humano, social e físico) distribuídos desigualmente numa sociedade em diversos lugares. A distribuição desses ativos, as estratégias dos lugares para utilizá-los e as trocas que determinam a produção dos ativos, bem como o acesso diferenciado a eles, constituem a base analítica para o estudo da pobreza. A vulnerabilidade é entendida pelos autores como a menor disponibilidade, acesso ou capacidade de manejo desses ativos, componentes de uma dada estrutura de oportunidades (na qual se encontram os ativos), em que se aprofundam as desigualdades sociais, condicionando muitas vezes à marginalidade e à exclusão. Assim como o conceito de populações em situação de risco, a vulnerabilidade nessa perspectiva necessita, segundo os autores, recorrer a uma análise microssocial no nível das comunidades. Através dessa aproximação, permite-se também ver a segunda maior virtude de uma relação vulnerabilidade/ativos, que é a possibilidade de ―[...] incursionar en un aspecto clave, generalmente omitido, de la acción social intencional‖ (Kaztman et al., 1999, p. 4). Esse é um ponto-chave, pois é a perspectiva de ver a sociedade dando resposta à situação adversa em que se encontra. Há, evidentemente, outras formas de contextualizar a discussão da vulnerabilidade sociodemográfica. Muitos autores discutem a vulnerabilidade no contexto da cidadania e das identidades (Hopenhayn, 2002), dos direitos civis e da cidadania em contraposição à exclusão social (Kowarick, 2002); ou ainda das vulnerabilidades sociais a diferentes doenças relacionadas a construções simbólicas e representações sociais (Monteiro, 2002). Há, sem dúvida, uma ampla gama de discussões que ainda merecerão avaliação e debate mais detalhado. No entanto, tal entendimento sociodemográfico da vulnerabilidade mantém, em virtude de seu foco (a pobreza e a exclusão), um sentido de estado e não Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 66 de correspondência direta a elementos que causam riscos. A vulnerabilidade é vista de maneira mais permanente, entendendo-a como resultado das interações sociais maiores, não se estabelecendo relações causais mais diretas, como é o caso dos demógrafos (e dos geógrafos, como vimos) ocupados da vulnerabilidade em sua dimensão ambiental, conforme veremos a seguir. Vulnerabilidade socioambiental: aproximando-se da geografia Como apontado, já havia uma tendência dos pesquisadores ligados ao Grupo de Trabalho sobre População e Meio Ambiente em estudar a vulnerabilidade. E podemos afirmar que esse tem sido o degrau seguinte que tais estudiosos galgaram desde o amadurecimento do conceito de populações em situações de risco. Esse avanço tem duas matrizes principais: o estudo dos geógrafos sobre os perigos ambientais e o estudo dos demógrafos sobre a vulnerabilidade social. Em primeiro lugar, entre as referências iniciais sobre vulnerabilidade em sua dimensão ambiental, utilizada por esses pesquisadores, está a literatura geográfica. Essa confluência não se dá simplesmente por coincidência, mas por sobreposição de problemas de estudo. Assim como os geógrafos, os demógrafos viram-se diante de problemas como as enchentes, os deslizamentos e outros riscos que expunham as populações ao perigo (Hogan ET al., 2001). Em outros contextos, a reflexão sobre as dinâmicas de metropolização e a degradação ambiental em áreas densamente urbanizadas também reclamaram dos demógrafos a consideração mais detida dos elementos ambientais (biofísicos) que incidiam diretamente sobre determinadas populações, ora demograficamente localizadas, ora espacialmente delimitadas. Tal situação também trouxe à tona os conceitos trabalhados pelos geógrafos, que possuem orientação semelhante, devido à origem dos problemas estudados (Hogan e Carmo, 2001). Mas essa confluência não é exclusividade da literatura nacional. Encontramos, na bibliografia internacional, obras e trabalhos escritos sobre esse tema, convergindo o interesse dos demógrafos com o dos geógrafos, sob os auspícios dos perigos naturais (Blaikie et al., 1994; Satterthwaite, 1998; Ezra, 2002; Hunter, 2004). Por outro lado, em ambos os casos, a vulnerabilidade sociodemográfica também esteve presente por se entender, como os geógrafos, a vulnerabilidade não apenas Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 67 numa perspectiva ambiental (elementos biofísicos), mas por se relacionar à capacidade socioeconômica (os ativos e estrutura de oportunidades) das respectivas populações em dar resposta ao perigo. A noção de estrutura de oportunidades parece ter uma contribuição ainda a ser mais bem explorada nesses estudos, pois ela amplia o leque, não limitando tais ativos à situação socioeconômica. Então, numa situação de risco, entre os ativos que determinada população poderá articular para diminuir sua vulnerabilidade, poderão estar elementos do capital social que não têm vinculação com poder aquisitivo nem renda. São as redes de solidariedade, os sistemas de proteção comunitários e familiares, além de alternativas que não estão diretamente vinculadas à situação socioeconômica da população. Essa discussão não se restringe à América Latina, é evidente. O Global Science Panel on Population Environment (GSP), numa publicação recente que objetivava traçar uma avaliação do papel da população nas estratégias de desenvolvimento sustentável, incluiu algumas considerações sobre as populações vulneráveis. O GSP focalizou segmentos populacionais vulneráveis e como eles se relacionam no âmbito espacial (ambiental) e social. O texto englobou a pobreza e a degradação da saúde, bem como baixos níveis de educação, diferença de sexos, carência de acesso a recursos e serviços e localização geográfica desfavorável. Populations that are socially disadvantaged or lack political voice are also at greater risk. Particularly vulnerable populations include the poorest, least empowered segments, especially women and children. Vulnerable populations have limited capacity to protect themselves from current and future environmental hazards, such as polluted air and water and catastrophes, and the adverse consequences of largescale environmental change, such as land degradation, biodiversity loss, and climate change (GSP, 2002, p. 3). A diminuição da vulnerabilidade é vista, nesse aspecto, como crucial no aumento da sustentabilidade, acreditando-se que dotar as populações de capacidade de resposta a situações adversas a que são expostas (riscos sociais ou ambientais) resultará na melhoria de sua qualidade de vida e de sua inserção social. Quanto à dinâmica migratória, Lori M. Hunter deu fundamental contribuição ao estudo da relação dos perigos naturais e tecnológicos com os motivos das Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 68 migrações (Hunter, 2004). Ela procura revisitar a teoria migratória tradicional, incorporando a vulnerabilidade e o risco aos perigos como fundamentais para entender o fenômeno migratório em nossa sociedade contemporânea. A autora movimenta importante bibliografia, apoiando-se também nos estudos dos geógrafos sobre perigos ambientais, de um lado, e nas pesquisas demográficas sobre migração, de outro. Migration as a demographic process can be associated with environmental hazards in several ways. On the one hand, proximate environmental hazards might influence residential decision-making by shaping the desirability of particular locales. In this case, we might consider environmental hazards as factors shaping migration. On the other hand, migration can represent an exacerbating force with regard to environmental hazards as a result of increasing population density in vulnerable locales (Hunter, 2004, p. 4). Sua noção de vulnerabilidade, em razão de sua proximidade com o estudo dos geógrafos, está centrada nos locais, ou seja, pessoas em risco são pessoas vivendo em lugares vulneráveis a perigos. No entanto, não se trata de uma postura simplista. Hunter alia, numa mesma perspectiva, a dinâmica de eventos extremos (naturais e tecnológicos), a estrutura familiar (demográfica e social) e a percepção do risco (individual), para compreender o fenômeno migratório a fim de integrar as dinâmicas sociais (quem pode ou não escolher como e para onde migrar), ambientais (os fenômenos e danos físicos que atingem as pessoas e as famílias) e individuais (os elementos preceptivos e particulares que influem na vulnerabilidade e na tomada de decisão). É uma contribuição fundamental que busca uma perspectiva conjuntiva da multidimensão da realidade (Marandola Jr., 2004), apontando caminhos possíveis de um diálogo profícuo entre geografia e demografia. Tais caminhos já têm sido desbravados por outros autores, como Markos Ezra, em seus estudos sobre a vulnerabilidade ambiental e a migração na África (Ezra, 2002); ou mesmo estudos anteriores, como os de Hogan (1992; 1996) sobre a relação migração, ambiente e saúde, revelando facetas e componentes dessa dinâmica em conexão aos danos e degradações ambientais, principalmente a poluição, em conjunto com os reveses sociais. Embora ainda não estivessem incorporados claramente os conceitos de risco, perigo ou vulnerabilidade em sua análise, essas pesquisas já Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 69 possuíam as preocupações e orientações que guiariam os demógrafos ocupados com a relação população e ambiente nos próximos anos. Assim, a demografia partiu de uma noção estritamente objetivista e centrada nos elementos da dinâmica demográfica e evoluiu para uma perspectiva mais global, incorporando elementos socioeconômicos e ambientais. Esse caminho é um constante aproximar-se da geografia, da qual os demógrafos puderam extrair importantes noções e bases conceituais. O principal ponto de encontro é a preocupação que guia o trabalho desses geógrafos e demógrafos: as relações entre o homem e seu meio (geógrafos) e das populações com seu ambiente (demógrafos). Tais relações são, em muitos sentidos, maneiras particulares de se expressar acerca da mesma problemática, e por isso iremos, a partir dela, centrar nossa análise preliminar das perspectivas e possibilidades de aumentar o diálogo e contato entre essas duas disciplinas. População e ambiente: entre geografia e demografia A preocupação com a situação ambiental das populações em seus diferentes contextos geográficos é um foco comum entre esses pesquisadores. Para os geógrafos, o interesse parte do próprio espaço, que numa perspectiva holística incluiu as pessoas. Para os demógrafos, a preocupação parte das populações em si, estendendo-se ao ambiente enquanto ele é fundamental na delimitação das condições de vida dessas pessoas. Assim, os dois campos disciplinares encontramse preocupados e ocupados dos mesmos problemas, embora suas trajetórias, conforme buscamos mostrar neste texto, tenham sido diferenciadas. Em vista disso, que linhas podemos traçar quiçá conjuntivas dessas duas ciências? Traçamos um amplo painel de suas pesquisas que possuem aqui e acolá pontos de contato. Mas há um diálogo promissor de fato? Em primeiro lugar, devemos reforçar o caráter multidimensional e polissêmico das categorias risco, perigo e vulnerabilidade. As diferentes abordagens e perspectivas de estudo, muito mais amplas e díspares do que estas que abordamos aqui, tratam os termos em determinados contextos teórico-metodológicos e de abordagem analítica. Não há uma base conceitual comum, a qual os diversos campos tenham utilizado como matriz. Existem, sim, algumas posturas confluentes, principalmente quando há preocupações Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 70 semelhantes, como ocorre no caso da geografia e da demografia no campo dos estudos ambientais. Notamos essa convergência em vários pontos. Por exemplo, a exposição do problema das populações em situação de risco, feita por Hogan (2000), apresenta as mesmas indagações que moveram os trabalhos sobre os perigos naturais. O autor afirma ser necessário um enfoque que dê conta da amplitude dos perigos e dos riscos, tanto em sua dimensão ambiental quanto socioeconômica. Isso ocorre, também, em virtude de os demógrafos estarem estudando esses mesmos perigos, tendo como referência a linha de investigação específica dos geógrafos, embora não diretamente filiados a ela. Quando Torres (2000) expõe suas indagações, também há uma nítida referência à geografia, principalmente pela preocupação com os recortes espaciais, a escala de análise e a distribuição espacial dos fenômenos. Portanto, se, de um lado, os demógrafos têm importante referência no tratamento espacial das dinâmicas ambientais feito pelos geógrafos, de outro, estes também têm um amplo leque de discussões sócio-demográficas que merecem sua atenção, assim como ainda podem enriquecer a já presente abordagem da vulnerabilidade em seus estudos. Pensamos especialmente nos trabalhos sobre os ativos e a estrutura de oportunidades, que são conceitos com muito a contribuir num cenário de entendimento amplo acerca da vulnerabilidade, para além de sua dimensão sociodemográfica. Nesse sentido, aos ativos podemos incorporar elementos do ambiente físico, que também têm lugar nesta estrutura de oportunidades que as pessoas utilizam para lidar com os riscos, diminuindo sua vulnerabilidade. Por outro lado, os riscos e as vulnerabilidades também são elementos que influem na mobilidade espacial da população. Fugir do risco (busca de segurança) e de uma alta vulnerabilidade (procura de proteção) são motivos que estão entre os principais nas decisões das pessoas de se mudar, principalmente de uma parcela da população que tem condições para isso. Em certo sentido, esse mudar faz parte da estrutura de oportunidades dessas pessoas (e não faz da maioria), que procuram locais de moradia onde os elementos sociais e ambientais estejam num patamar entendido como de qualidade. Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 71 Tais exemplos mostram que necessitamos de entendimentos mais conjuntivos, reunindo numa mesma perspectiva conceitual os elementos sociodemográficos e os ambientais. A proposição de Cutter (Figura 1) parece atender a essa demanda, procurando estabelecer uma reciprocidade entre o contexto social e o espacial. Contudo, uma questão que merece maior atenção é o enfoque metodológico na análise por áreas (risco/vulnerabilidade de lugares/áreas) e na análise por pessoas (risco/vulnerabilidade de pessoas/famílias). Mais do que expressar as diferentes trajetórias de estudo das duas disciplinas, esses dois enfoques não são, hoje, sinônimos de geografia e demografia, respectivamente. Os geógrafos já há algum tempo vêm trabalhando com abordagens culturais e humanistas, que enfocam as relações de envolvimento, pertencimento e identidade de pessoas e coletividades, utilizando-se de abordagens qualitativas e metodologias de certa forma próximas da antropologia (principalmente com inspiração fenomenológica). Por outro lado, os demógrafos, em especial aqueles envolvidos com a problemática ambiental, têm se valido muito da análise por áreas, trabalhando inclusive com análise espacial, geoestatística e Sistemas de Informação Geográfica (SIGs). Nesse sentido, não vemos posições excludentes em tal diferença de enfoque. Na verdade, talvez essa seja outra faceta promissora do diálogo entre as disciplinas. Buscar conjugar essas abordagens amplia a capacidade de análise, aumentando as dimensões da vulnerabilidade que estão sendo colocadas em foco. Evidentemente, adotar a abordagem da ―vulnerabilidade do lugar‖, como proposta por Cutter, está mais afinada a trabalhos aprofundados, verticalizados em locais específicos. E é justamente nessas abordagens que o olhar focado nas pessoas/famílias pode tornar-se mais útil e revelador, por permitir maior detalhamento e aprofundamento da realidade vivida por aqueles que habitam determinado lugar. Por outro lado, o enfoque nas pessoas, numa perspectiva mais abrangente, permite abarcar um número maior de realidades espacialmente localizadas, mas que possuem diferenças demográficas (e também espaciais) significativas. Esse enfoque nos apresenta quadros gerais mais bem delineados (olhar horizontal), perdendo em conseqüência a perspectiva do lugar verticalizado. Da mesma maneira, é possível conjugar os dois enfoques, trazendo as informações das pessoas/famílias Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 72 em correspondência aos espaços que ocupam, bem como a relação existente entre eles na macroorganização socioespacial, seja da cidade, da metrópole, seja de uma região maior. Em vista disso, caminhamos para uma perspectiva ampla da vulnerabilidade e dos riscos, que não privilegie apenas o enfoque por áreas (o lugar) nem o das pessoas (famílias). A ambição maior é dotar os riscos/vulnerabilidades de um sentido multidimensional e transescalar (Marandola Jr., 2004), que nos permita trabalhar com os dois enfoques de forma confluente. Pretendemos assim lidar com os aspectos sociais, ambientais e demográficos ao mesmo tempo, que enfocamos a perspectiva da experiência – relacionada à construção sociocultural e à percepção do risco (Marandola Jr., 2005) – e as mudanças ambientais globais, procurando um elo que conecte processos aparentemente tão distintos, mas que na sua gênese ou orientação final possuem elos claros que apontam para o sentido geral do devir de nossa sociedade (Marandola Jr. e Hogan, 2004c). Podemos dizer, portanto, que nossa tendência é antropocêntrica no sentido de focarmos o risco/vulnerabilidade das pessoas/famílias, entendendo, porém, que para esta delimitação os fatores de diferentes dimensões são fundamentais; entre eles, o lugar, ou seja, o espaço (e todas as suas implicações) onde aquela pessoa/família vive. Não se trata de definir o risco ou a vulnerabilidade a priori, como uma condição in natura. O risco é resultado da relação perigo–vulnerabilidade, sendo cada um deles proveniente de outras equações que incluem as várias dimensões envolvidas na geração, enfrentamento e impacto do fenômeno. Nesse sentido, não é possível, numa perspectiva abrangente, tratar de aspectos isolados como, por exemplo, os fatores ambientais stricto sensu. O contexto geográfico e a produção social dos perigos, bem como os sistemas de proteção e insegurança que estão na base da configuração da vulnerabilidade, são diversos e apresentam um quadro bastante complexo de variáveis, condições e indeterminações que nos induzem a procurar formas de incluir os determinantes sociodemográficos juntamente com os espaço-ambientais, numa perspectiva histórica e geográfica suficientemente ampla para abarcar a variedade dos processos envolvidos. Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 73 Contudo, ainda enfrentamos várias dificuldades para realizar tal conjunção. Em vista disso, continuamos com a reflexão aberta, buscando melhores condições de realizar esse diálogo, à medida que lidamos com as dificuldades inerentes ao processo. Assim, para finalizar, listamos os principais pontos confluentes e de enriquecimento que acreditamos poder compor uma pauta de diálogo entre essas duas disciplinas, além dos já citados, com o objetivo de construir uma base conceitual que permita o diálogo mais estreito e profícuo entre os enfoques e as disciplinas. • Em ambas as disciplinas, o risco é entendido como uma noção probabilística que alerta para o perigo e reclama ação. Na demografia, iniciase como neutro, passando a ser essencialmente negativo nos estudos ambientais e sociais, enquanto sempre teve um sentido negativo entre os geógrafos. • Perigo é um evento que provoca dano. Ele está intimamente relacionado ao risco e à vulnerabilidade, mas não faz parte do vocabulário dos demógrafos. É comumente confundido com risco, e sua distinção enriquece o quadro conceitual e explicativo. • Os demógrafos destacam três componentes constitutivos da vulnerabilidade: (1) existência de um risco; (2) incapacidade de responder ao risco; (3) inabilidade de adaptar-se ao perigo. Esta posição dos demógrafos estabelece a vulnerabilidade como essencialmente negativa, ou seja, colocando-a como incapacidade e como inabilidade. Os geógrafos, embora concordem com essas três componentes, as encaram como características dos lugares (não apenas das pessoas) e tendem a entender a vulnerabilidade como o grau de capacidade de resposta e de habilidade de adaptação (ajuste). Os demógrafos inclinam-se a ver a vulnerabilidade como característica de populações menos favorecidas (menos recursos socioeconômicos), enquanto os geógrafos tendem a ter esta perspectiva mais marginal, por enfocarem as vulnerabilidades dos lugares. • A resiliência e a capacidade de absorção são conceitos que aparecem tanto na literatura dos geógrafos quanto dos demógrafos. Também são promissores e apresentam excelentes possibilidades analíticas a serem mais bem exploradas e delineadas neste contexto de pesquisas. Busca-se identificar mecanismos que promovam a interconectividade e a flexibilidade, fomentando uma resiliência mais robusta a impactos externos. A abordagem permitirá análises ao nível individual, familiar, comunitário ou estatal. Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 74 • Os ativos e estrutura de oportunidades são noções a serem exploradas e ampliadas, colocando-as no contexto de discussões mais amplas, para além da sua dimensão sociodemográfica. A incorporação de elementos do ambiente biofísico parece promissora para uso tanto de geógrafos quanto de demógrafos. • Os debates sobre cidadania, exclusão social e pobreza precisam incorporar também esta discussão da vulnerabilidade ambiental. Isso se deve ao fato de muitas das áreas onde residem os grupos sociodemograficamente vulneráveis serem de alta vulnerabilidade ambi-ental. Nesse aspecto, reforça-se a idéia de conceitos mais conjuntivos e amplos para enfocar a problemática da desigualdade ambiental ao lado da desigualdade social. • O estudo das percepções e construções socioculturais em torno do risco também é tema ainda não explorado em grande medida pelos demógrafos. Há alguns apontamentos nesse sentido, mas ainda é uma questão não enfrentada pelos pesquisadores. Tal lacuna é importante porque influi diretamente no resultado de políticas públicas ou esforços de prevenção, proteção e construção de estruturas de oportunidades. Na geografia, embora exista uma larga tradição de estudos sobre a percepção do risco e das experiências humanas em seus ambientes, ainda há que se buscar um maior esforço de confluência dessas abordagens de problemáticas biofísicas e sociodemográficas. Sem dúvida, é um grande desafio para ambas as disciplinas. • Não há um esforço sistemático por parte de ambas as disciplinas de relacionar os elementos estudados (ambientes e grupos demográficos) na dinâmica da Sociedade de Risco. Torres (2000) chega a reconhecer esse hiato e a dificuldade de fazer essa ligação. Contudo, ela é de enriquecimento mútuo e pode aumentar o universo explicativo dos fenômenos estudados, por estabelecer a ponte entre fenômenos circunscritos no espaço e dinâmicas maiores que estão na própria ordem da produção macrossocial da sociedade contemporânea. É uma agenda importante para ambas as disciplinas, que até permitirá, provavelmente, um elo teórico para o enquadramento das diferentes perspectivas de estudo da vulnerabilidade. • Será essencial incorporar explicitamente nessa discussão os perigos criados pelo homem, como também os aspectos sociais de perigos naturais. A pulverização de agrotóxicos, as áreas com solo contaminado por usos industriais Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 75 anteriores, a proximidade de linhas de transmissão de eletricidade ou de dutos de gás ou petróleo, etc. são perigos espacialmente localizados, cujas conseqüências são filtradas por vulnerabilidades distintas. Se o objetivo maior da pesquisa é pensar na qualidade de vida e na sustentabilidade, não caberá partir de uma distinção rígida entre perigos naturais e os man-made. Os estudos de perigos naturais produziram um arcabouço conceitual importante, mas que hoje terá que ser integrado nos trabalhos que relativizam a noção de ―naturais‖. • Paralelamente a esse esforço, será necessário buscar indicadores ―síntese‖ de perigos e vulnerabilidades. O comprometimento da qualidade de vida (de uma população, de um indivíduo, de um grupo doméstico ou de um lugar) e da sustentabilidade não poderá ser dimensionado por um simples somatório de perigos de enchente, de deslizamentos, de exposição a produtos químicos, etc. Um desafio metodológico significativo são os índices compostos de perigo, de risco e de vulnerabilidade (Cutter, 2003). Tal esforço não eliminará a utilidade de estudos setoriais, que continuarão a orientar políticas também setoriais. Mas aqui, como no planejamento ambiental em geral, as visões inte-gradas são indispensáveis, mesmo quando a intervenção necessária for setorial. As vantagens dessas linhas de pesquisa incluem o fato de dirigir a nossa atenção a outros fatores da pobreza, stricto sensu, e à adoção de perspectivas claramente inter e multidisciplinares, que podem enriquecer os quadros de análise e a compreensão destes fenômenos tão latentes e candentes em nossas cidades. Além disso, elas apresentam questões que perpassam vários campos de investigação contemporânea em diferentes ciências, que necessitam maior atenção e estudo por parte não apenas de geógrafos e demógrafos, mas de outros preocupados com as questões sociais e ambientais de maneira geral. Contudo, são apenas algumas questões e reflexões preliminares que merecerão refinamento ao longo do exercício deste diálogo entre geografia e demografia, nosso, em particular, e do grupo de pesquisa, em geral. Esse é um dos desafios que, esperamos, possa contribuir para o estudo da situação ambiental das populações que têm o risco como uma sombra negra que paira sobre suas vidas, em seus lares. O conhecimento das diferentes vulnerabilidades dessas populações pode contribuir para identificar os ativos de que estas precisam para conseguir dar Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br 76 respostas mais adequadas aos perigos, melhorando assim sua perspectiva e qualidade de vida. Referências bibliográficas ANEAS DE CASTRO, S.D. Riesgos y peligros: una visión desde la geografía. Scripta Nova: Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. Barcelona, n. 60. Disponível em:
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