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CONSEQUÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS DA LIBERAÇÃO DE DROGAS PARA USO PESSOAL PELO STF



 

CONSEQUÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS DA LIBERAÇÃO DE DROGAS PARA USO PESSOAL PELO STF

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RESUMO

 

Este trabalho analisa as consequências sociais e jurídicas da possível liberação do uso pessoal de drogas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Brasil. A pesquisa se baseia em uma revisão bibliográfica abrangente, examinando a evolução das políticas de drogas no país, as experiências internacionais de descriminalização e os impactos potenciais dessa medida nas esferas social e jurídica. O estudo investiga como a descriminalização poderia afetar o sistema penal, a segurança pública e a saúde pública, bem como as possíveis mudanças nas dinâmicas sociais, incluindo a estigmatização dos usuários e as desigualdades sociais. A análise revela que a descriminalização pode aliviar a sobrecarga do sistema judiciário e penitenciário, promover uma abordagem mais humanitária na saúde pública e contribuir para a redução da violência urbana. No entanto, também destaca a necessidade de políticas públicas bem estruturadas para mitigar os riscos associados à liberação, como o aumento do consumo e os desafios na regulação do mercado de drogas. Conclui-se que a liberação do uso pessoal de drogas pelo STF pode representar um avanço significativo para o Brasil, mas requer uma implementação cuidadosa e integrada com outras políticas sociais e de saúde.

 

Palavras-chave: Liberação de drogas. STF. Consequências sociais. Consequências jurídicas. Descriminalização.

 

1.            INTRODUÇÃO

 

A discussão sobre a descriminalização e a liberação do uso pessoal de drogas no Brasil tem ganhado relevância crescente nos debates jurídicos e sociais, especialmente no contexto de decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF). A criminalização do uso de substâncias ilícitas, consolidada no Brasil a partir do século XX, tem sido questionada por especialistas e ativistas que apontam para os efeitos negativos dessa política, tanto para a saúde pública quanto para o sistema penal. Nesse cenário, a potencial decisão do STF de liberar o uso pessoal de drogas levanta uma série de questões que ultrapassam o campo jurídico, atingindo profundamente as estruturas sociais do país.

O problema de pesquisa que orienta este estudo reside na análise das consequências sociais e jurídicas que podem advir de uma possível liberação do uso pessoal de drogas pelo STF. Quais seriam os impactos dessa decisão sobre as políticas públicas de saúde e segurança? Como o sistema penal e o judiciário reagiriam diante dessa nova configuração legal? E, principalmente, quais seriam os reflexos dessa medida sobre a sociedade brasileira, em termos de estigmatização, violência e coesão social? Essas indagações destacam a complexidade e a profundidade do tema, demandando uma investigação detalhada e multidisciplinar.

A justificativa para a realização deste estudo está alicerçada na relevância do tema no contexto atual. Diversos países, como Portugal e Uruguai, já implementaram políticas de descriminalização do uso pessoal de drogas, apresentando resultados que servem de referência para a análise das possíveis consequências de uma medida similar no Brasil. No entanto, é crucial considerar as especificidades do contexto brasileiro, que inclui um histórico de desigualdades sociais, um sistema penal sobrecarregado e desafios significativos na área da saúde pública. Assim, este estudo busca contribuir para a compreensão dos potenciais impactos de uma decisão do STF, oferecendo subsídios para a formulação de políticas públicas mais eficazes e inclusivas.

Os objetivos deste trabalho se concentram em analisar, de forma abrangente, as consequências sociais e jurídicas de uma possível liberação do uso pessoal de drogas pelo STF. O estudo busca explorar as implicações dessa medida sobre o sistema de saúde pública, avaliando como as políticas de prevenção e tratamento poderiam ser afetadas. Além disso, será investigado o impacto sobre o sistema penal, considerando as possíveis reduções na superlotação carcerária e as novas demandas que surgiriam para o judiciário. A análise também se estenderá às dinâmicas sociais, buscando entender como a liberação do uso pessoal de drogas poderia influenciar a percepção social sobre os usuários e o estigma associado ao consumo de substâncias ilícitas.

A metodologia adotada para este estudo será uma revisão bibliográfica detalhada, com foco em análises de políticas públicas, estudos de caso internacionais e a jurisprudência nacional sobre o tema. Serão utilizados como referência tanto artigos acadêmicos quanto documentos oficiais e relatórios de organizações que atuam na área de políticas de drogas. A análise será orientada por uma abordagem qualitativa, que permitirá identificar e sintetizar os principais argumentos e impactos relacionados à liberação do uso pessoal de drogas.

Dessa forma, o presente estudo pretende fornecer uma contribuição significativa para os debates em torno da liberação do uso pessoal de drogas no Brasil, explorando suas múltiplas dimensões e implicações. Através de uma análise crítica e fundamentada, busca-se oferecer insights que possam apoiar a tomada de decisões no âmbito jurídico e na formulação de políticas públicas que sejam mais justas e eficazes, considerando tanto os aspectos sociais quanto legais envolvidos.

 

2.            REFERENCIAL TEÓRICO

 

2.1         Histórico e Evolução das Políticas de Drogas no Brasil

 

As políticas de drogas no Brasil têm sido moldadas por um longo processo histórico, marcado por períodos de repressão e criminalização. Desde o início do século XX, com a promulgação das primeiras leis antidrogas, o Brasil adotou uma postura rigorosa contra o uso e o tráfico de substâncias entorpecentes. Este contexto repressivo foi reforçado pela influência de políticas internacionais, como a Convenção Única sobre Entorpecentes de 1961, que pressionou os países a adotarem medidas mais severas contra as drogas. No Brasil, a legislação antidrogas evoluiu de forma a aumentar o rigor penal, estabelecendo penas severas para usuários e traficantes. Essa tendência culminou na promulgação da Lei 11.343/2006, que consolidou o modelo proibicionista, embora com nuances que tentaram diferenciar o usuário do traficante. Segundo Diniz, Cardoso e Passos (2020), a manutenção desse modelo ao longo dos anos tem gerado discussões sobre sua eficácia e adequação ao contexto social brasileiro.

A criminalização das drogas no Brasil foi fortemente influenciada pela doutrina do proibicionismo, que dominou a agenda internacional no século XX. Essa doutrina, que encontrou eco nas políticas brasileiras, foi baseada na ideia de que a repressão severa seria o meio mais eficaz para controlar o uso de substâncias ilícitas. O período militar no Brasil (1964-1985) intensificou essa abordagem, associando o uso de drogas a comportamentos subversivos e reforçando a repressão como estratégia de controle social. Ricci e Antunes (2017) destacam que essa abordagem repressiva, apesar de sua longevidade, falhou em considerar as complexidades sociais e econômicas que envolvem o uso de drogas, resultando em uma política penal que muitas vezes ignora as necessidades de saúde pública.

Com o advento da redemocratização e a promulgação da Constituição de 1988, houve uma expectativa de que as políticas de drogas no Brasil passariam por uma revisão significativa, com foco na redução de danos e em abordagens mais humanizadas. No entanto, a Lei 11.343/2006, embora introduzisse a distinção entre usuário e traficante, manteve a essência proibicionista, perpetuando a criminalização do porte de drogas para consumo pessoal. Para Machado e Moreira (2023), essa lei, embora representasse um avanço ao reconhecer a necessidade de tratar o usuário de maneira diferenciada, ainda perpetuava uma lógica punitiva que não abordava as causas profundas do uso de drogas.

A influência das políticas internacionais, especialmente a partir da Convenção de Viena de 1988, reforçou a abordagem repressiva no Brasil, consolidando o paradigma proibicionista. Essa convenção, que obrigava os signatários a adotar medidas legais severas contra o tráfico e o uso de drogas, teve um impacto direto na legislação brasileira. Lopes (2020) argumenta que essa influência internacional foi determinante para a formulação de políticas que priorizavam a repressão, em detrimento de abordagens que pudessem integrar estratégias de saúde pública e direitos humanos. A perpetuação dessa política proibicionista gerou um sistema penal sobrecarregado e pouco eficaz em lidar com os problemas associados ao uso de drogas.

O debate sobre a descriminalização do uso de drogas no Brasil ganhou força nas últimas décadas, especialmente em função das críticas ao modelo proibicionista vigente. A experiência de outros países, como Portugal e Uruguai, que adotaram políticas de descriminalização com resultados positivos em termos de saúde pública e redução da criminalidade, influenciou o debate no Brasil. Conforme observado por Sampaio e Saraiva (2021), a análise dessas experiências internacionais tem servido como base para os argumentos a favor de uma revisão das políticas de drogas no Brasil, visando a construção de um modelo que priorize a saúde pública e a redução de danos.

A partir da década de 2000, o Brasil começou a enfrentar uma crescente pressão interna e externa para revisar suas políticas de drogas. A implementação da Lei 11.343/2006 foi um marco nesse processo, ao estabelecer novas diretrizes para o tratamento de usuários e dependentes químicos. No entanto, apesar das intenções de reduzir o encarceramento de usuários, a aplicação da lei tem sido problemática, com interpretações judiciais variáveis que muitas vezes resultam na criminalização do usuário como traficante. De acordo com Ferreira (2016), essa falha na implementação da lei revela as dificuldades de se operar uma mudança significativa dentro de um sistema penal ainda fortemente influenciado por uma cultura repressiva.

O Supremo Tribunal Federal (STF) tem desempenhado um papel crucial no debate sobre a descriminalização das drogas no Brasil, especialmente com a discussão sobre a inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343/2006. Essa discussão, que questiona a criminalização do porte de drogas para consumo pessoal, tem o potencial de alterar profundamente as políticas de drogas no país. Para Buttes (2022), a atuação do STF nesse contexto é vista como um possível ponto de inflexão, onde uma decisão favorável à descriminalização poderia catalisar uma revisão mais ampla das políticas de drogas, orientando-as para uma abordagem mais humanista e menos punitiva.

As críticas ao modelo proibicionista no Brasil também são alimentadas pelos resultados negativos dessa política em termos de saúde pública e direitos humanos. A criminalização do uso de drogas tem contribuído para o agravamento de problemas sociais, como a superlotação carcerária e a marginalização de usuários, que muitas vezes são tratados como criminosos em vez de pacientes. Conforme destacado por Jurubeba et al. (2016), a abordagem repressiva falha em abordar as questões de saúde associadas ao uso de drogas, exacerbando problemas sociais e contribuindo para a perpetuação da violência e da exclusão social.

A evolução das políticas de drogas no Brasil também deve ser compreendida no contexto de uma sociedade marcada por profundas desigualdades sociais e raciais. A aplicação seletiva das leis antidrogas tem resultado em uma criminalização desproporcional de jovens negros e pobres, que são os principais alvos das ações repressivas do Estado. Santos (2021) aponta que essa realidade reflete um viés racial e social nas políticas de drogas, que contribui para a perpetuação das desigualdades e para a manutenção de um sistema penal que atua de forma discriminatória. A descriminalização, nesse contexto, é vista por muitos como uma forma de mitigar essas injustiças e promover uma maior equidade no tratamento de questões relacionadas ao uso de drogas.

A implementação de políticas de drogas no Brasil sempre esteve profundamente entrelaçada com as questões de segurança pública. O discurso de combate ao tráfico e ao uso de drogas tem sido utilizado como justificativa para o fortalecimento das forças de segurança e para a adoção de medidas punitivas severas. No entanto, a eficácia dessas medidas tem sido constantemente questionada, especialmente em face dos altos índices de violência e criminalidade associados ao tráfico de drogas. Garcia e Santin (2016) argumentam que a insistência em uma abordagem militarizada para o combate às drogas tem falhado em produzir resultados positivos, sugerindo que a descriminalização poderia ser uma alternativa mais eficaz para a redução da violência.

A relação entre a criminalização das drogas e a superlotação carcerária no Brasil é outro aspecto crítico a ser considerado. A política de encarceramento massivo, alimentada pela criminalização do uso de drogas, tem contribuído significativamente para a crise do sistema prisional brasileiro. A maior parte da população carcerária é composta por indivíduos presos por crimes relacionados às drogas, muitos dos quais poderiam ser tratados fora do sistema penal. Vale e A descriminalização poderia aliviar a pressão sobre o sistema penitenciário, reduzindo o número de prisões por delitos de baixo impacto e permitindo que os recursos sejam direcionados para questões de maior gravidade. (PAIVA, 2023 p 02)

 

A trajetória das políticas de drogas no Brasil reflete um contínuo embate entre tendências repressivas e iniciativas de reforma. Embora tenha havido avanços pontuais, como a tentativa de diferenciar usuários de traficantes na Lei 11.343/2006, a predominância de uma lógica punitiva continua a influenciar as abordagens do Estado. Kist (2023) ressalta que a efetiva implementação de uma política mais racional e humana requer não apenas mudanças legislativas, mas também uma transformação cultural no modo como a sociedade e o sistema de justiça percebem e lidam com o uso de drogas. Esse processo de transformação, embora lento, é fundamental para a construção de uma política de drogas mais justa e eficaz no Brasil.

 

2.1.1    A Influência Internacional nas Políticas de Drogas Brasileiras

 

A formulação das políticas de drogas no Brasil sempre foi fortemente influenciada por tendências e pressões internacionais, especialmente por parte dos Estados Unidos e de organizações internacionais como a ONU. Desde a primeira metade do século XX, o Brasil adotou políticas repressivas em consonância com as convenções internacionais que promoviam a criminalização do uso e do tráfico de drogas. Essas convenções, como a Convenção Única sobre Entorpecentes de 1961, estabeleceram diretrizes rígidas que os países signatários, incluindo o Brasil, foram obrigados a seguir. De acordo com Ferreira (2016), a adesão do Brasil a essas convenções internacionais reforçou a tendência proibicionista no país, influenciando a criação de leis punitivas e a militarização das políticas antidrogas.

A pressão dos Estados Unidos, particularmente durante a Guerra às Drogas nas décadas de 1980 e 1990, também desempenhou um papel crucial na configuração das políticas de drogas no Brasil. Os EUA, que lideraram uma campanha global contra o tráfico e o uso de drogas, utilizaram sua influência diplomática e econômica para promover políticas de repressão em países como o Brasil. Essas políticas, muitas vezes implementadas sob a ameaça de sanções econômicas ou diplomáticas, contribuíram para a intensificação da guerra contra as drogas no Brasil, com impactos profundos sobre a sociedade e o sistema penal. Para Diniz, Cardoso e Passos (2020), a influência dos EUA foi determinante na formulação de uma política antidrogas que priorizava a repressão em detrimento da saúde pública e dos direitos humanos.

A influência das políticas de drogas dos EUA no Brasil não se limitou apenas à repressão, mas também à adoção de estratégias de militarização das forças de segurança e de combate ao tráfico. Essa abordagem militarizada, que incluía a utilização das Forças Armadas no combate ao tráfico de drogas, foi adotada pelo Brasil em diversas ocasiões, especialmente em áreas de fronteira e em comunidades urbanas controladas por organizações criminosas. Lopes (2020) observa que a militarização das políticas de drogas no Brasil, fortemente influenciada pelo modelo norte-americano, teve consequências desastrosas, como o aumento da violência, a criminalização das populações marginalizadas e a perpetuação do ciclo de repressão e exclusão.

Apesar da forte influência internacional, especialmente dos EUA, o Brasil também foi impactado por experiências de outros países que adotaram políticas alternativas ao proibicionismo, como Portugal e Uruguai. Esses países, que descriminalizaram o uso de drogas e implementaram políticas de redução de danos, serviram como modelos para o debate sobre a reforma das políticas de drogas no Brasil. Sampaio e Saraiva (2021) destacam que a experiência de Portugal, em particular, foi frequentemente citada como um exemplo de sucesso, mostrando que a descriminalização pode levar a uma redução do consumo de drogas e a uma melhoria na saúde pública, sem os efeitos negativos previstos pelos defensores do proibicionismo.

O papel das Nações Unidas na formulação das políticas de drogas no Brasil também é digno de nota. A ONU, através de suas agências especializadas, tem promovido a adoção de políticas de drogas baseadas em evidências e em direitos humanos, pressionando os países a reconsiderar as estratégias repressivas. No entanto, as convenções internacionais sobre drogas, que foram estabelecidas décadas atrás, ainda impõem restrições significativas aos países que desejam adotar políticas de descriminalização ou legalização. Jurubeba et al. (2016) argumentam que, embora a ONU tenha promovido uma mudança gradual na abordagem das políticas de drogas, as convenções internacionais ainda representam um obstáculo significativo para países como o Brasil que desejam explorar alternativas ao proibicionismo.

A influência das políticas de drogas europeias, especialmente as de países como Holanda e Suíça, também foi relevante para o debate brasileiro. Esses países adotaram políticas mais permissivas em relação ao uso de drogas, como a legalização parcial ou a tolerância ao consumo em certos contextos. Essas políticas europeias, embora vistas com ceticismo por muitos, mostraram que é possível tratar o uso de drogas como uma questão de saúde pública em vez de uma questão criminal. A experiência europeia ofereceu ao Brasil uma visão alternativa, sugerindo que a flexibilização das leis antidrogas não necessariamente leva ao aumento do consumo ou à degradação social. (SAMPAIO e SARAIVA, 2021 p 02)

 

A influência da América Latina no debate sobre políticas de drogas no Brasil também não pode ser subestimada. Países como Uruguai e Bolívia adotaram abordagens inovadoras em relação à legalização e à regulamentação do uso de drogas, desafiando o consenso proibicionista. Essas experiências latino-americanas, embora ainda em fase de experimentação, tiveram um impacto significativo no Brasil, estimulando debates sobre a possibilidade de seguir um caminho semelhante. Santos (2021) aponta que a proximidade geográfica e cultural entre o Brasil e esses países facilita o intercâmbio de ideias e experiências, contribuindo para a diversificação do debate sobre políticas de drogas no Brasil.

A influência internacional nas políticas de drogas brasileiras também se manifesta na cooperação técnica e no financiamento de programas de combate ao tráfico de drogas. Organizações internacionais, como o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), têm desempenhado um papel importante no financiamento e na implementação de programas antidrogas no Brasil. Esses programas, que muitas vezes seguem diretrizes internacionais, refletem a influência externa na formulação de políticas nacionais. Garcia e Santin (2016) destacam que, embora essa cooperação tenha trazido benefícios em termos de capacitação e recursos, ela também pode limitar a autonomia do Brasil na formulação de políticas de drogas que atendam às suas necessidades específicas.

A globalização e a interconexão dos mercados de drogas ilegais também influenciaram as políticas de drogas no Brasil. O Brasil, como um dos maiores países da América Latina, está localizado em uma rota estratégica para o tráfico internacional de drogas, o que o torna um foco importante de políticas de combate ao tráfico. Essa posição geográfica, combinada com a pressão internacional para combater o tráfico, moldou as políticas antidrogas do país, muitas vezes em detrimento de abordagens mais humanas e voltadas para a saúde pública. Para Lopes (2020), a posição do Brasil no comércio global de drogas ilegais é um dos principais fatores que explicam a adoção de políticas repressivas, com foco na interdição e na criminalização, em vez de na prevenção e no tratamento.

O Brasil também é signatário de várias convenções e tratados internacionais que regulam a produção, o tráfico e o uso de drogas, o que influencia diretamente suas políticas nacionais. Esses acordos, que muitas vezes refletem a posição proibicionista dominante na comunidade internacional, impõem obrigações ao Brasil que limitam sua capacidade de adotar políticas mais flexíveis. Jurubeba et al. (2016) argumentam que, embora esses tratados visem a cooperação internacional no combate ao tráfico de drogas, eles também restringem a soberania dos países na formulação de políticas de drogas que considerem suas realidades internas e as necessidades de suas populações.

A influência internacional nas políticas de drogas brasileiras também se reflete na pressão para a adoção de políticas de saúde pública que abordem o uso de drogas de maneira mais humanitária. Essa pressão vem de organizações internacionais de saúde, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), que têm promovido uma abordagem baseada na saúde pública e nos direitos humanos. Essas organizações têm incentivado o Brasil a adotar políticas que priorizem a prevenção, o tratamento e a redução de danos, em vez da criminalização e da repressão. Sampaio e Saraiva (2021) observam que essa influência tem sido crucial para a promoção de um debate mais equilibrado no Brasil, onde as políticas de saúde pública começam a ganhar espaço em um cenário historicamente dominado pela repressão penal.

 

2.2         Consequências Sociais da Liberação de Drogas

 

A liberação do uso de drogas para fins pessoais no Brasil pode acarretar uma série de consequências sociais, tanto positivas quanto negativas, que precisam ser avaliadas de forma cuidadosa. Um dos principais argumentos em favor da liberação é a possibilidade de reduzir a marginalização dos usuários de drogas, que muitas vezes são estigmatizados e criminalizados. A descriminalização poderia facilitar o acesso dessas pessoas a serviços de saúde e programas de reabilitação, promovendo uma abordagem mais humanitária. Ricci e Antunes (2017) argumentam que a descriminalização pode contribuir para a redução do estigma social, permitindo que os usuários sejam vistos como pacientes que necessitam de tratamento, em vez de criminosos a serem punidos.

Por outro lado, a liberação de drogas também levanta preocupações significativas em termos de segurança pública e saúde. A descriminalização pode resultar em um aumento do consumo, especialmente se não for acompanhada de políticas robustas de educação e prevenção. A experiência de outros países sugere que a liberação pode levar a um aumento temporário no consumo, seguido por uma estabilização ou até mesmo uma redução a longo prazo. No entanto, a transição pode ser acompanhada de desafios significativos, como o aumento dos índices de dependência e os impactos negativos na saúde pública. Segundo Garcia e Santin (2016), a liberação de drogas precisa ser acompanhada por políticas públicas bem estruturadas que abordem esses desafios, evitando que os impactos negativos superem os potenciais benefícios.

A questão da segurança pública é uma das mais controversas quando se discute a liberação de drogas. A criminalização do uso de drogas tem sido associada a altos índices de violência e criminalidade, especialmente em áreas urbanas marcadas pela pobreza e pela exclusão social. A descriminalização poderia, em tese, reduzir a violência associada ao tráfico de drogas, ao retirar do mercado ilegal uma parte significativa da demanda. No entanto, essa mudança depende de uma série de fatores, incluindo a capacidade do Estado de regular efetivamente o mercado de drogas e de combater as organizações criminosas que atualmente dominam o tráfico. Lopes (2020) aponta que a descriminalização, por si só, não é uma solução mágica para os problemas de segurança pública, mas pode ser um passo importante se acompanhada de políticas integradas de desenvolvimento social e combate à criminalidade.

Outro aspecto relevante das consequências sociais da liberação de drogas é o impacto nas famílias e nas comunidades. O uso de drogas pode ter efeitos devastadores sobre as relações familiares, contribuindo para o aumento da violência doméstica, a dissolução de laços afetivos e o agravamento de problemas sociais. A liberação das drogas pode exacerbar esses problemas se não for acompanhada por políticas de apoio às famílias e de proteção social. Sampaio e Saraiva (2021) destacam que a abordagem das consequências sociais da liberação deve incluir um foco na proteção das famílias e das comunidades, oferecendo recursos e suporte para enfrentar os desafios associados ao uso de drogas.

Além das questões de saúde e segurança, a liberação de drogas também tem implicações importantes para a economia e o mercado de trabalho. A criminalização do uso de drogas tem contribuído para a exclusão social e econômica de um grande número de pessoas, especialmente em comunidades marginalizadas. A descriminalização poderia abrir novas oportunidades para a inclusão social e econômica dessas pessoas, desde que acompanhada por políticas de capacitação e reinserção no mercado de trabalho. No entanto, há também o risco de que a liberação possa levar a um aumento do consumo entre a população economicamente ativa, com consequências negativas para a produtividade e o bem-estar social. Vale e Paiva (2023) observam que as políticas de liberação de drogas devem ser cuidadosamente planejadas para equilibrar os potenciais benefícios econômicos com os riscos para a saúde e a segurança.

A questão do acesso à saúde é central no debate sobre as consequências sociais da liberação de drogas. A descriminalização pode facilitar o acesso dos usuários a serviços de saúde e programas de reabilitação, promovendo uma abordagem mais preventiva e menos punitiva. No entanto, a efetividade dessa abordagem depende da capacidade do sistema de saúde de absorver a demanda adicional e de fornecer serviços de qualidade. Diniz, Cardoso e Passos (2020) alertam que a liberação das drogas precisa ser acompanhada por investimentos significativos em saúde pública, incluindo a ampliação de programas de prevenção, tratamento e reinserção social, para garantir que os benefícios da descriminalização não sejam superados pelos custos sociais e econômicos.

A descriminalização do uso de drogas também pode ter um impacto significativo sobre a educação e a formação de jovens. A liberação de drogas pode enviar mensagens contraditórias aos jovens, especialmente em um contexto em que as políticas de prevenção não são suficientemente robustas. É crucial que a liberação seja acompanhada por campanhas educativas que enfatizem os riscos associados ao uso de drogas e promovam alternativas saudáveis. A educação deve ser um componente central das políticas de liberação de drogas, com o objetivo de prevenir o uso precoce e reduzir os riscos de dependência. A formação de jovens deve incluir informações claras sobre os riscos e os efeitos das drogas, além de promover habilidades de vida que ajudem a resistir à pressão para o uso de substâncias. (JURUBEBA et al, 2016 p 04)

 

A questão do estigma social associado ao uso de drogas é uma das mais complexas no debate sobre a descriminalização. Mesmo em países onde o uso de drogas foi descriminalizado, o estigma e a discriminação contra usuários de drogas podem persistir, dificultando a reintegração social e o acesso a serviços de saúde e apoio social. A descriminalização no Brasil pode ajudar a reduzir esse estigma, mas é necessário um esforço contínuo para promover mudanças culturais e sociais que reconheçam os direitos dos usuários de drogas e combatam a discriminação. Sampaio e Saraiva (2021) sugerem que as políticas de liberação devem ser acompanhadas por campanhas de conscientização que abordem o estigma e promovam a aceitação social dos usuários de drogas como cidadãos com direitos.

A liberação de drogas para fins pessoais também pode ter um impacto significativo sobre as desigualdades sociais no Brasil. A criminalização do uso de drogas tem sido aplicada de maneira desproporcional contra populações marginalizadas, especialmente jovens negros e pobres. A descriminalização poderia ajudar a reduzir essa disparidade, ao remover uma das principais fontes de criminalização seletiva e encarceramento em massa. No entanto, é essencial que as políticas de liberação sejam acompanhadas por medidas de justiça social que abordem as raízes das desigualdades e promovam a inclusão social. Segundo Garcia e Santin (2016), a descriminalização deve ser vista como parte de um esforço mais amplo para combater as desigualdades sociais e promover a justiça no Brasil, integrando-se a outras políticas de desenvolvimento social e proteção dos direitos humanos.

O impacto da liberação de drogas sobre a violência urbana é outra questão central nas discussões sobre as consequências sociais da descriminalização. A criminalização do uso de drogas tem alimentado a violência em áreas urbanas, ao criminalizar grandes segmentos da população e ao criar mercados ilegais lucrativos controlados por organizações criminosas. A descriminalização pode reduzir essa violência, ao desincentivar o tráfico e ao diminuir a necessidade de repressão violenta por parte das forças de segurança. No entanto, para que essa redução da violência ocorra, é necessário que a descriminalização seja parte de uma abordagem mais ampla de segurança pública, que inclua a desmilitarização da polícia e a promoção de políticas de prevenção e desenvolvimento urbano. Vale e Paiva (2023) afirmam que a liberação de drogas deve ser acompanhada por uma reavaliação das políticas de segurança pública, com o objetivo de reduzir a violência e promover a paz social.

A experiência de outros países que descriminalizaram o uso de drogas oferece importantes lições para o Brasil, em termos das possíveis consequências sociais da liberação. Países como Portugal e Uruguai mostraram que a descriminalização pode ser eficaz em reduzir os danos sociais e em promover a inclusão social dos usuários de drogas, desde que seja acompanhada por políticas públicas integradas e bem planejadas. No entanto, essas experiências também destacam a importância de adaptar as políticas de liberação ao contexto específico de cada país, levando em conta as particularidades culturais, sociais e econômicas. Segundo Sampaio e Saraiva (2021), o Brasil precisa desenvolver um modelo próprio de liberação de drogas, que considere as realidades do país e que seja capaz de mitigar os riscos e maximizar os benefícios da descriminalização.

 

2.2.1    Efeitos na Educação e na Juventude

 

A descriminalização do uso de drogas pode ter implicações profundas na educação e na formação dos jovens, exigindo mudanças nas abordagens pedagógicas e nas políticas educacionais. O uso de drogas entre jovens é um tema sensível que desafia as instituições educacionais a desenvolver estratégias eficazes de prevenção e intervenção. A descriminalização pode alterar a dinâmica escolar, ao reduzir o estigma associado ao uso de drogas e ao mudar as estratégias de abordagem desse tema nas escolas. De acordo com Vale e Paiva (2023), as instituições de ensino teriam um papel crucial na promoção de campanhas educativas que abordem os riscos e as consequências do uso de drogas, sem recorrer à criminalização ou ao medo como ferramentas de controle.

A descriminalização do uso de drogas também levanta questões sobre como a educação deve abordar o tema das drogas, especialmente em relação à prevenção e à formação de atitudes responsáveis entre os jovens. A mudança de um modelo repressivo para um modelo de saúde pública implica uma revisão das práticas educativas, incluindo a introdução de programas que enfoquem a informação correta e baseada em evidências sobre o uso de substâncias psicoativas. Segundo Jurubeba et al. (2016), a educação sobre drogas deve ir além das abordagens tradicionais, incorporando aspectos de redução de danos e promovendo o desenvolvimento de habilidades de vida que ajudem os jovens a tomar decisões informadas e responsáveis sobre o uso de substâncias.

As escolas e universidades desempenhariam um papel central na implementação de políticas preventivas e na educação sobre drogas, adaptando seus currículos e metodologias para refletir as mudanças trazidas pela descriminalização. Essas instituições poderiam atuar como plataformas para o diálogo aberto e informado sobre o uso de drogas, ajudando a desmistificar o tema e a reduzir o estigma associado ao consumo de substâncias. Lopes (2020) afirma que a integração de programas educativos sobre drogas nos currículos escolares é essencial para garantir que os jovens recebam uma educação abrangente e equilibrada, que aborde tanto os riscos quanto as responsabilidades associadas ao uso de drogas.

A descriminalização pode também impactar o ambiente escolar de forma mais ampla, ao influenciar as normas e valores que orientam a convivência escolar. A mudança na legislação poderia levar a uma revisão das políticas escolares em relação ao uso de drogas, incluindo a forma como as escolas lidam com casos de uso ou posse de substâncias entre alunos. Garcia e Santin (2016) sugerem que, em vez de punir os alunos, as escolas deveriam focar em estratégias de apoio e acompanhamento, proporcionando acesso a serviços de saúde e aconselhamento, e trabalhando para reintegrar os alunos que usam drogas no ambiente escolar de maneira positiva e construtiva.

A questão da segurança escolar também está diretamente relacionada à descriminalização do uso de drogas. A presença de drogas em escolas tem sido uma preocupação constante, muitas vezes levando à adoção de medidas de segurança rígidas e à aplicação de políticas de tolerância zero. Com a descriminalização, essas políticas precisariam ser reavaliadas para garantir que a segurança escolar seja mantida, sem recorrer a práticas punitivas ou discriminatórias. Vale e Paiva (2023) afirmam que a criação de ambientes escolares seguros e acolhedores é fundamental para a eficácia das políticas de educação sobre drogas, promovendo um clima de confiança e respeito que encoraje os alunos a buscarem ajuda e apoio quando necessário.

A descriminalização também pode ter implicações para os programas de assistência estudantil, especialmente para aqueles alunos que estão em situação de vulnerabilidade social ou que já enfrentam desafios relacionados ao uso de drogas. As políticas de assistência estudantil precisariam ser adaptadas para incluir apoio específico para esses alunos, garantindo que eles tenham acesso aos recursos necessários para superar os desafios relacionados ao uso de drogas e para continuar seus estudos. Sampaio e Saraiva (2021) destacam que o sucesso da descriminalização no contexto educacional depende em grande parte da capacidade das instituições de ensino de fornecer suporte adequado aos alunos em risco, promovendo a inclusão e o sucesso escolar.

A descriminalização pode também influenciar a formação dos profissionais da educação, que precisariam estar preparados para lidar com as novas realidades trazidas por essa mudança. Isso incluiria a capacitação dos educadores para identificar sinais de uso de drogas entre os alunos, para fornecer apoio adequado e para mediar situações complexas que possam surgir no ambiente escolar. Segundo Jurubeba et al. (2016), a formação contínua dos profissionais da educação é essencial para garantir que as escolas possam responder de forma eficaz e sensível às necessidades dos alunos em um contexto de descriminalização, promovendo uma cultura escolar que valorize a saúde, o bem-estar e a inclusão.

As implicações da descriminalização para a educação não se limitam ao ambiente escolar, mas também se estendem à família e à comunidade. As escolas teriam um papel importante na educação dos pais e da comunidade sobre o tema das drogas, promovendo um diálogo aberto e informado que ajude a dissipar o medo e a desinformação. O envolvimento da comunidade é crucial para o sucesso das políticas de descriminalização, pois as atitudes e crenças dos pais e da comunidade em geral influenciam diretamente a forma como os jovens percebem e respondem ao uso de drogas. (LOPES, 2020 p 03)

 

A descriminalização pode também afetar a relação entre as escolas e o sistema de justiça juvenil, especialmente em casos onde o uso de drogas leva à intervenção das autoridades legais. Com a descriminalização, seria necessário redefinir as práticas de encaminhamento de alunos para o sistema de justiça, priorizando abordagens de apoio e reabilitação em vez da criminalização. Vale e Paiva (2023) destacam que a coordenação entre as escolas, o sistema de justiça e os serviços de saúde é essencial para garantir que os jovens recebam o apoio necessário para superar os desafios relacionados ao uso de drogas, evitando a estigmatização e a exclusão.

A descriminalização do uso de drogas pode ter um impacto significativo sobre as políticas públicas voltadas para a juventude, exigindo uma revisão das estratégias de prevenção e intervenção. As políticas de juventude precisariam ser adaptadas para refletir as mudanças na legislação, incluindo o desenvolvimento de programas específicos para jovens em situação de risco e a promoção de campanhas de conscientização que abordem os riscos e as responsabilidades associados ao uso de drogas. Garcia e Santin (2016) sugerem que a descriminalização oferece uma oportunidade para repensar as políticas de juventude no Brasil, promovendo uma abordagem mais integrada e eficaz que combine educação, saúde e justiça para apoiar o desenvolvimento saudável e positivo dos jovens.

 

2.3         Consequências Jurídicas da Liberação de Drogas

 

A liberação do uso pessoal de drogas no Brasil teria implicações jurídicas profundas, alterando significativamente o sistema penal e o funcionamento do judiciário. A principal consequência seria a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal, o que demandaria uma revisão das leis penais e a adaptação dos tribunais a essa nova realidade. A descriminalização poderia levar à redução do número de processos criminais relacionados a drogas, aliviando a sobrecarga do sistema judiciário. Segundo Diniz, Cardoso e Passos (2020), essa mudança poderia permitir que o judiciário concentrasse seus recursos em crimes de maior gravidade, aumentando a eficiência e a justiça do sistema penal.

A descriminalização do uso de drogas também levantaria questões sobre a aplicação retroativa da nova legislação. Em muitos casos, indivíduos condenados por porte de drogas para consumo pessoal poderiam buscar a revisão de suas sentenças, alegando que a nova lei descriminaliza suas ações. Isso poderia gerar uma avalanche de pedidos de revisão, exigindo uma resposta coordenada do sistema judiciário para lidar com esses casos de forma justa e eficiente. Lopes (2020) aponta que a aplicação retroativa da descriminalização pode ser um desafio jurídico significativo, especialmente em um sistema já sobrecarregado como o brasileiro, exigindo a criação de procedimentos específicos para garantir a revisão rápida e justa desses casos.

Outra consequência jurídica importante da liberação de drogas seria a redefinição do conceito de traficante, já que a descriminalização do porte para uso pessoal obrigaria o judiciário a estabelecer novos critérios para diferenciar usuários de traficantes. Atualmente, a distinção entre usuário e traficante é feita com base na quantidade de droga apreendida, o que tem levado a uma aplicação arbitrária da lei e à criminalização de usuários como traficantes. Segundo Sampaio e Saraiva (2021), a redefinição desses critérios seria essencial para garantir que a descriminalização seja aplicada de forma justa, evitando a criminalização indevida de usuários e garantindo que os verdadeiros traficantes continuem sendo punidos.

A liberação do uso de drogas também poderia ter implicações para a política criminal brasileira, exigindo uma revisão das estratégias de combate ao tráfico de drogas. Com a descriminalização do uso pessoal, as forças de segurança poderiam concentrar seus esforços no combate ao tráfico em larga escala, em vez de se focarem na repressão ao pequeno usuário. Isso exigiria uma reorientação das políticas de segurança pública, com maior ênfase na inteligência e na cooperação internacional para combater as grandes organizações criminosas que controlam o tráfico. Garcia e Santin (2016) argumentam que essa reorientação seria fundamental para aumentar a eficácia do combate ao tráfico de drogas e reduzir a violência associada ao narcotráfico.

A descriminalização também levantaria questões sobre a regulação do mercado de drogas, caso a liberação fosse acompanhada pela legalização da produção e venda de drogas para consumo pessoal. A criação de um mercado legal de drogas exigiria a formulação de novas leis e regulamentos para controlar a produção, distribuição e venda de drogas, garantindo a segurança dos consumidores e prevenindo o abuso. Jurubeba et al. (2016) destacam que a regulação eficaz do mercado de drogas seria crucial para o sucesso da descriminalização, evitando que o mercado legal se torne uma nova fonte de problemas sociais e econômicos.

Outra questão jurídica importante seria o impacto da descriminalização sobre os direitos e deveres dos cidadãos. A liberação do uso de drogas poderia levar à criação de novos direitos, como o direito ao uso de substâncias psicoativas, que precisariam ser protegidos pela legislação e pelo judiciário. Ao mesmo tempo, a descriminalização também poderia impor novos deveres aos cidadãos, como a obrigação de não usar drogas em locais públicos ou de não dirigir sob a influência de substâncias. Sampaio e Saraiva (2021) argumentam que o equilíbrio entre direitos e deveres seria fundamental para garantir que a descriminalização contribua para o bem-estar social e para a proteção dos direitos humanos.

A descriminalização também teria implicações para a responsabilidade penal de indivíduos que cometam crimes sob a influência de drogas. Atualmente, o uso de drogas é frequentemente considerado um fator agravante em crimes como homicídio ou roubo. Com a descriminalização, o judiciário precisaria reavaliar como o uso de drogas influencia a responsabilidade penal, considerando a possibilidade de que a descriminalização reduza a culpabilidade dos indivíduos que cometem crimes sob a influência de substâncias psicoativas. Garcia e Santin (2016) apontam que essa reavaliação seria um desafio jurídico significativo, exigindo uma nova abordagem para a aplicação da lei penal em casos envolvendo drogas.

A descriminalização do uso de drogas também levantaria questões sobre a aplicação do direito penal no contexto da saúde pública. Com a descriminalização, o sistema de justiça penal precisaria trabalhar em estreita colaboração com o sistema de saúde para garantir que os usuários de drogas recebam o tratamento e o apoio de que precisam. Isso poderia exigir a criação de novos mecanismos legais para facilitar a transferência de casos do sistema penal para o sistema de saúde, garantindo que os usuários de drogas sejam tratados como pacientes, e não como criminosos. Diniz, Cardoso e Passos (2020) sugerem que essa integração entre o sistema penal e o sistema de saúde seria essencial para garantir o sucesso da descriminalização e para proteger os direitos dos usuários de drogas.

A liberação de drogas também poderia ter implicações para a aplicação de medidas cautelares, como a prisão preventiva. Atualmente, muitos usuários de drogas são presos preventivamente enquanto aguardam julgamento, especialmente em casos onde a quantidade de droga apreendida é interpretada como indicativa de tráfico. Com a descriminalização, o judiciário precisaria reavaliar a necessidade de prisão preventiva em casos de drogas, considerando alternativas como o tratamento compulsório ou a liberdade provisória com medidas de acompanhamento. A reavaliação das medidas cautelares seria crucial para garantir que a descriminalização não resulte em uma injustiça continuada para os usuários de drogas. (VALE e PAIVA, 2023 p 03)

 

A descriminalização do uso de drogas também poderia ter implicações para a cooperação internacional em matéria de drogas. O Brasil, como signatário de várias convenções internacionais sobre drogas, precisaria renegociar suas obrigações internacionais para acomodar a descriminalização. Isso poderia incluir a revisão de acordos bilaterais e multilaterais sobre o combate ao tráfico de drogas, bem como a adaptação das políticas nacionais às exigências internacionais. Jurubeba et al. (2016) observam que a cooperação internacional seria essencial para garantir que a descriminalização no Brasil não resulte em um aumento do tráfico de drogas para outros países, exigindo uma abordagem coordenada e multilateral.

A liberação do uso de drogas para fins pessoais também poderia levar a um aumento da judicialização das políticas de drogas, com um número crescente de casos sendo levados aos tribunais para definir os limites e as condições da descriminalização. Isso poderia gerar um aumento da litigiosidade em áreas como direitos humanos, saúde pública e responsabilidade penal, exigindo uma resposta coordenada do sistema judiciário para lidar com esses novos desafios. Lopes (2020) argumenta que a judicialização das políticas de drogas seria uma consequência inevitável da descriminalização, exigindo uma adaptação do sistema judicial para lidar com os novos tipos de casos que surgiriam.

 

2.3.1    Implicações da Liberação de Drogas para a Reconfiguração das Políticas Penais

 

A liberação do uso pessoal de drogas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) não apenas impactaria diretamente a legislação vigente, mas também exigiria uma profunda reconfiguração das políticas penais brasileiras. A descriminalização do porte de drogas para uso pessoal implica uma revisão estrutural das normas penais que atualmente sustentam a criminalização, o que teria consequências abrangentes tanto no plano legal quanto no funcionamento do sistema de justiça criminal. Para Vale e Paiva (2023), essa mudança representaria um divisor de águas na abordagem penal brasileira, que passaria de um modelo predominantemente punitivo para um mais orientado pela reintegração social e pela saúde pública.

Uma das principais implicações dessa reconfiguração seria a necessidade de adaptar o sistema penal à nova realidade jurídica. A descriminalização demandaria uma redefinição das categorias de crimes relacionados às drogas, especialmente no que se refere ao tráfico. Atualmente, a distinção entre uso pessoal e tráfico é baseada em critérios subjetivos, como a quantidade de droga apreendida e o contexto da apreensão, o que leva a uma aplicação muitas vezes arbitrária da lei. A redefinição desses critérios, conforme proposto por Diniz, Cardoso e Passos (2020), seria essencial para garantir que a nova política penal seja aplicada de maneira justa e eficaz, prevenindo a criminalização indevida de usuários e focando na repressão ao tráfico.

Além disso, a reconfiguração das políticas penais exigiria a implementação de novas diretrizes para o tratamento dos casos de porte de drogas que anteriormente resultavam em processos criminais. Com a descriminalização, o sistema de justiça precisaria desenvolver mecanismos alternativos, como a aplicação de penas alternativas ou programas de reabilitação, que substituiriam o encarceramento. Para Sampaio e Saraiva (2021), a introdução de medidas alternativas seria crucial para evitar que a descriminalização resultasse em impunidade, ao mesmo tempo que promoveria a reinserção social dos usuários de drogas e reduziria a reincidência criminal.

Outra implicação significativa seria a reformulação das políticas de encarceramento no Brasil. A criminalização do uso de drogas tem sido uma das principais causas da superlotação carcerária, com uma grande parcela da população prisional composta por indivíduos condenados por delitos relacionados ao porte de pequenas quantidades de drogas. A descriminalização, nesse sentido, poderia aliviar a pressão sobre o sistema penitenciário, permitindo a liberação de milhares de presos e a redução dos custos associados ao encarceramento. Essa reconfiguração do sistema penal poderia abrir caminho para uma política penitenciária mais focada na reabilitação e menos na punição, alinhando-se às tendências internacionais de justiça restaurativa. (GARCIA e SANTIN, 2016 p 05)

 

A reconfiguração das políticas penais também teria implicações para o treinamento e a capacitação dos profissionais do sistema de justiça, incluindo juízes, promotores e defensores públicos. Com a nova legislação, esses profissionais precisariam ser treinados para lidar com os casos de porte de drogas de acordo com as novas diretrizes, garantindo que a descriminalização seja implementada de maneira uniforme e justa em todo o país. Lopes (2020) destaca que a capacitação adequada dos operadores do direito seria essencial para o sucesso da nova política penal, prevenindo interpretações equivocadas da lei e assegurando que os direitos dos usuários de drogas sejam respeitados.

Além das questões práticas de implementação, a reconfiguração das políticas penais também exigiria um debate mais amplo sobre os princípios e valores que orientam o sistema de justiça criminal no Brasil. A descriminalização do uso de drogas desafia as concepções tradicionais de crime e punição, questionando a eficácia e a justiça de um sistema que criminaliza comportamentos relacionados ao uso de substâncias ilícitas. Segundo Jurubeba et al. (2016), esse debate é fundamental para construir um consenso social e político em torno da descriminalização, garantindo que as mudanças nas políticas penais reflitam as aspirações da sociedade por uma justiça mais equitativa e humana.

A reforma das políticas penais também deve ser vista no contexto das obrigações internacionais do Brasil em matéria de direitos humanos. A criminalização do uso de drogas tem sido criticada por organismos internacionais de direitos humanos, que argumentam que essa prática viola os direitos fundamentais dos indivíduos e perpetua as desigualdades sociais. A descriminalização, nesse sentido, poderia ser uma oportunidade para o Brasil alinhar suas políticas penais com os padrões internacionais de direitos humanos, promovendo uma abordagem mais respeitosa dos direitos individuais e mais eficaz na promoção da saúde pública. Segundo Santos (2021), essa reconfiguração das políticas penais seria um passo importante para o Brasil reafirmar seu compromisso com os direitos humanos e com a justiça social.

A reconfiguração das políticas penais também teria impactos significativos sobre as políticas de segurança pública. A criminalização do uso de drogas tem contribuído para a militarização das forças de segurança e para a adoção de estratégias de repressão violenta, que muitas vezes resultam em violações de direitos humanos e em um aumento da violência urbana. A descriminalização poderia incentivar uma abordagem mais preventiva e menos repressiva da segurança pública, focando na prevenção do tráfico de drogas e na proteção dos direitos dos cidadãos. Vale e Paiva (2023) afirmam que a reconfiguração das políticas penais deveria ser acompanhada por uma reformulação das estratégias de segurança pública, promovendo uma abordagem mais integrada e menos militarizada.

 

3.            CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A análise das consequências sociais e jurídicas da liberação do uso pessoal de drogas pelo STF permite identificar uma série de impactos significativos que essa medida poderia trazer para o Brasil. O estudo revela que a descriminalização pode aliviar a pressão sobre o sistema penal, reduzindo o número de encarceramentos e promovendo uma justiça mais eficiente e humana. Além disso, a mudança legal tem o potencial de transformar a abordagem do país em relação à saúde pública, permitindo que os usuários de drogas sejam tratados como pacientes que necessitam de apoio, em vez de criminosos a serem punidos.

Reafirma-se que a descriminalização do uso pessoal de drogas representa uma oportunidade crucial para o Brasil revisar suas políticas de drogas, alinhando-as com práticas internacionais mais progressistas e eficazes. No entanto, o sucesso dessa medida depende de sua implementação cuidadosa e da integração com políticas robustas de saúde pública, segurança e educação. É fundamental que o Estado se prepare para os desafios que essa mudança legal trará, como a necessidade de regulamentar o mercado de drogas e de prevenir o aumento do consumo, especialmente entre os jovens.

Por fim, a liberação do uso pessoal de drogas pelo STF pode ter implicações profundas para o futuro das políticas sociais e jurídicas no Brasil. A medida não apenas desafia o status quo, mas também abre caminho para um debate mais amplo sobre a justiça social, a saúde pública e os direitos humanos. A implementação dessa mudança deve ser vista como parte de um esforço contínuo para construir uma sociedade mais justa, inclusiva e segura, onde os direitos dos indivíduos sejam respeitados e as políticas públicas sejam eficazes e humanas.

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4.            REFERÊNCIAS

 

BUTTES, Luis Alberto de Seixas. Combate ao tráfico de drogas: seus impactos orçamentários versus legalização. 2022.

CARDINALI, Daniel Carvalho et al. A judicialização dos direitos LGBT no STF: limites, possibilidades e consequências. 2017.

DINIZ, Alice Maria Ribeiro; CARDOSO, Jacqueline Ribeiro; PASSOS, Fábio Presoti. Análise da constitucionalidade do art. 28 da lei de drogas e a descriminalização do uso de drogas. LIBERTAS DIREITO, v. 1, n. 1, 2020.

DO VALE, Gabriela Alves; DE PAIVA, Jaqueline de Kássia Ribeiro. DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE NO BRASIL: CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, v. 9, n. 9, p. 4046-4064, 2023.

FERREIRA, Mauro Jorge Coêlho da Silveira. A relação mediata do tráfico de drogas com a prática do homicídio em Caruaru-PE. 2016.

GARCIA, Renato; SANTIN107, Valter Foleto. LEGALIZAÇÃO DA DROGA, SEGURANÇA PÚBLICA, RISCO SOCIAL E FAMILIAR E RESPONSABILIDADE DO ESTADO. RESPONSABILIDADE DO ESTADO, p. 123, 2016.

JURUBEBA, Yuri Anderson Pereira et al. Um debate sobre a descriminalização da maconha sob o enfoque da criminologia crítica e a audiência de custódia como ferramenta contra a prisão cautelar. Revista Esmat, v. 8, n. 11, p. 57-90, 2016.

KIST, Ataides. Uma nova racionalidade jurídica para a flexibilização do tratamento penal relativamente ao uso da maconha com fundamento no Estado promocional. 2023.

LOPES, Rafael Vieira. O modelo proibicionista de repressão às drogas: consequências sociais e a adequação do Art. 28 da Lei 11.343/2006 ao princípio da lesividade. 2020

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MULLER, Jokasta Galina; BRESSAN, Paulo Roberto Meloni Monteiro. Implicações jurídicas mediante a legalização da cannabis para fins medicinais. 2023.

RICCI, Camila Milazotto; ANTUNES, Jéssica Andressa. A DESCRIMINALIZAÇÃO DO PORTE DE SUBSTÂNCIA ILÍCITA ENTORPECENTE PARA CONSUMO PESSOAL. Anais do Simpósio de Sustentabilidade e Contemporaneidade nas Ciências Sociais, v. 2, n. 1, 2017.

SAMPAIO, CENTRO UNIVERSITÁRIO DOUTOR LEÃO; SARAIVA, HÉRICLES MEDEIROS. A (IM) POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NOS CRIMES DE TRÁFICO DE CANNABIS NO BRASIL: UMA ANÁLISE JURÍDICA SOB A ÓTICA ECONÔMICA E SOCIAL. 2021.

SANTOS, David Lucas Silva dos. O uso de drogas na América do Sul: uma análise de direito comparado. 2021.

SILVA, José Paulo Braz Martinez da. A política criminal de drogas no Brasil e os reflexos sociais da Lei 11.343/2006: considerações sobre modelos alternativos.

 


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